Já imaginou a sua vida sem Google? Se você mora na China, é bom começar a imaginar. O Google só fica no país se obtiver o direito de operar o seu sistema de buscas sem restrições, destas impostas pelo governo chinês desde que a internet é internet por aqui. O Google entrou na onda chinesa em 2006, sempre adequado às regras nacionais, e hoje ocupa 33,1% do mercado da indústria de buscas online. Por aqui, o mais famoso motor de busca é o Baidu.com, que detém uma fatia de 63,1%.
A decisão, anunciada no blog da Google, significaria a retirada total do mercado, fechando inclusive os escritórios na China - há um em Beijing, um em Shanghai e outro em Guangzhou, que empregam cerca de 700 pessoas. Por aqui, o grito de independência ou morte se deu antes do Dia do Fico - aquele dos tempos imperiais brasileiros. Aliás, o Google só fica se após as negociações que já tiveram início com o governo chinês avançarem para menores restrições à operação da companhia, segundo o post assinado por David Drummond, vice-presidente de Desenvolvimento e chefe do Departamento Legal da empresa.
Internauta chinês que conhece bem a linha dura adotada pelo poder em Beijing já teme a morte. Desde o início da tarde desta quarta-feira, quando a notícia se tornou popular tanto em sites internacionais quanto na infosfera chinesa, internautas se dirigiam espontaneamente à sede da Google em Beijing para depositar flores em frente ao logo da empresa (http://img.ly/mqZ). Via twitter, esse mesmo que foi banido desde maio, mas que muita gente acessa por aqui pelos mais diversos meios, foi combinado um ato em frente à empresa para as 17h. Aqueles que enfrentaram os -8°C da tarde de quarta-feira tinham de mostrar PERMISSÃO para deixar as flores no local. Óbvio que ninguém tem permissão. Permissão é o que menos se tem nesse país - quando se é um cidadão comum. Aqueles que têm poder brincam de se permitirem tudo.
O ato corajoso dos internautas, numa demonstração irônica do descontentamento com os desmandos governamentais e um rasgo raro de impetuosidade e ousadia - num país em que qualquer reunião pública só pode existir com o aval do governo - teve resposta imediata na web. Covardemente, o Renren, a maior rede social chinesa baniu a palavra Google de seu site. Capacho é capacho.
A briga de cachorro grande - o Google é um dos primeiros entes, entre corporativos e governamentais que adota uma postura pública de impor condições ao governo chinês - chamou a atenção até da secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton. Ainda na terça, comunicado publicado na página do Departamento de Estado (http://www.state.gov/secretary/rm/2010/01/135105.htm) informa que Hillary cobrará do governo chinês explicações sobre o caso. No texto, a secretária diz que "a habilidade de operar com confiança no ciberespaço é fundamental numa sociedade e economia modernas".
A Google explica que tomou a decisão depois de ataques, supostamente vindos da China, a contas do Gmail de ativistas de direitos humanos com atuação no país. Teria sido a gota d'água, segundo a companhia, que até agora respeitou restrições locais, como a de eliminar dos resultados de busca dados sobre o massacre da Praça da Paz Celestial, por exemplo. O governo chinês, através da agência estatal, disse que quer saber quais os reais motivos da Google. A matéria (http://news.xinhuanet.com/english/2010-01/13/content_12804080.htm) não traz lá grandes informações, mas um empregado da empresa teria dito que foram informados oficialmente de que seus empregos correm mesmo risco.
Agora, seguindo na linha dos que baixam a cabeça para o potencial econômico chinês, o antigo CEO da Microsofot China Tang Jun disse ao China Daily, publicação estatatal em inglês, que esta é a decisão mais estúpida da Google, que perderia "metade do mundo". Se quiser ler com seus próprios olhos, em inglês, a declaração está aqui http://www.chinadaily.com.cn/china/2010-01/13/content_9315456.htm. Eu sei que são 1,3 bilhão de chineses, mas eu jurei que isso fosse 1/6 da população. Bueno, são estes exageros e este medo de perder o mercado e a bênção do governo chinês que dão a sensação a este mesmo governo chinês de que ele pode tudo. E os outros não podem nada, a não ser se adequar.
O britânico The Guardian traz outros pontos de vista, mais semelhantes àqueles que compartilho. Na reportagem da correspondente Tania Branigan (http://www.guardian.co.uk/technology/2010/jan/12/google-china-ends-censorship) a Human Rights Watch felicita a decisão da Google, a tem como um exemplo e recomenda que as demais companhias seguissem o modelo do motor de busca. E você, é da turma do "se não pode vencê-lo, una-se a eles"?
Em tempo, outro dos meios estatais para inglês ler do governo chinês, o Global Times, já avançou na morte do Google e perguntou para onde os internautas chineses migrariam, na hora de fazer suas buscas online (http://business.globaltimes.cn/world/2010-01/498180.html). Dos que responderam, 82,42% iriam para o já líder Baidu. Depois aparece o novato Bing, com 12,29%.
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