segunda-feira, 23 de março de 2009

Ele voltou

Alexandre Almeida vem e volta do blog (dele), e a cada vez que volta, eu adoro. Hoje ele nos brinda com dois textos gigantes e adoráveis. Um deles caiu como uma luva, reproduzo o trecho aqui, sobre uma discussão surgida nos tempos do mestrado:

"Dizia-se que quem vem à China por um mês pode escrever um livro; quem vive cá um ano pode escrever um artigo; quem vive dois anos, pode escrever um parágrafo; e quem estuda a China durante muito tempo não consegue escrever nada. Estou a sentir esse processo no sangue".

Bueno, ele cá está há sete anos, talvez quase oito, e pode até sofrer o tal processo no sangue - como nós, brasileiros, talvez sentíssemos na carne. Mas a cada vez que arregaça as mangas e conta experiências no blog, deixa um pouco a impressão de que a tal discussão tem seus quês de verdade, mas tantos e tantos outros quês de mentira.

Impossível não se surpreender com a China e eis aí o material farto para quem transforma uma primeira olhada num relato escrito. São tantos os contrastes que fica difícil para o observador atento e talentoso fugir do desejo de escrever. Pensando no Alexandre e nos portugueses, parece-me que a única dica para este panorama fragmentado e fugaz (estou levando super a sério a coisa de um mês de China) vem de outro português, o Pero Vaz de Caminha, o gajo que se encarregou de escrever a Portugal o que recém haviam descoberto no que ainda não era Brasil, mas Terra da Vera Cruz.

"Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para alindar nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu", advertiu Caminha à Vossa Alteza, Dom Manuel I. Uma reprodução do documento original você vê aqui embaixo.



O fenômeno chinês, no entanto, é visto por mim de outras formas. Por mais efêmera que seja a passagem aqui, um visitante curioso se traveste de sinólogo, esquecendo-se de que, apesar da boa vontade, traz consigo enormes ignorâncias. Caminha explica que não quer alindar nem afear, e vai contar o que vê e o que pensa. Pois outro fenômeno dos sinólogos de ocasião, segundo prisma pelo qual vejo e percebo, esquecem-se de se apropriar deste pedaço de mundo a partir das suas próprias sensações e tornam a papagair mitos e preconceitos em relação aos chineses em suas próprias línguas, com toques ora mais irônicos, ora mais sóbrios, ora mais relaxados. Mas quase tudo, repito, já dito.

O que se repete? O estranhamento causado pelos molhos, sabores, temperos e ingredientes da culinária chinesa, das peculiaridades dos hábitos cotidianos chineses e das implicações políticas e socioeconômicas vividas pelo país após a fundação da Nova República pelo Partido Comunista da China, em 1949. Partem-se destes olhares para dar um giro de 360°e voltar ao mesmo lugar. E pronto, temos o livro.

No fim, parece-me, muitas vezes variações sobre o mesmo tema - e isso pode se aplicar a blogs, pílulas de futuros livros, salvo exceções, óbvio. Talento está aí para isso. Para mim, no entanto, dose de talento com base e conhecimento de causa garante uma fórmula certeira para uma análise interessante, um discurso mais profundo e maduro. Eis aí porque gosto de ler o Alexandre, eis porque adoraria lê-lo com mais frequencia.

Aliás, imagino que você também gostará, então se perdeu a oportunidade lá em cima, deixo aqui novamente o link. Não sem antes brindá-los com o espanto - e a ironia - do nosso distante Caminha, ao falar sobre as índias que encontrou no Brasil.



"Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.



E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela".



As fotos são do Mário Vilela, da Funai. Aliás, a marca d'água ridícula em cima das fotos lindas já denuncia que as imagens são da Fundação Nacional do Índio.

Nenhum comentário: