segunda-feira, 6 de julho de 2009

E a internet pifou

É manchete mundial. Os protestos que se iniciaram neste domingo em Urumqi, capital e maior cidade da Região Autônoma de Xinjiang, já deixaram ao menos 140 mortos, número que deve subir segundo as fontes oficiais devido à grande cifra de feridos, que superaria os 800.

O resultado sangrento dos protestos e mesmo as motivações e os desdobramentos que levaram ao confronto entre uigures e hans, a minoria maioria em Xinjiang e a maioria chinesa minoria na mesma região, deverá ganhar contornos apenas oficiais, ou pelo menos esta se delineia como a vontade do poder central.

Por volta das 15h, pouco menos de 24 horas depois do início dos protestos, o twitter foi outra vez bloqueado na China, numa reedição do que ocorreu às vésperas de 4 de junho. Se você acompanha de perto os esforços da Net Nanny para deixar os internautas do continente na mais santa paz, já sabe que há meses não temos youtube e blogspot.

Que todo o mundo dribla a censura, quase todo o mundo dribla. E segue o baile. Mas enquanto a gente dá um intervalinho na questão de Xinjiang, que tal falarmos sobre a internet chinesa, esta dissimulada? Ou, pelo menos, este ser tão na mira do governo chinês?

Que o país tem a maior população de internautas o mundo já sabe - são mais de 300 milhões. Que vive sob o humor da Net Nanny e o rigor do Great Firewall of China também não é novidade. Para aqueles que já leram sobre o tema, talvez também não haja nada de novo em dizer que a web já foi considerada por aqui uma nova zona especial, numa referência ao tráfego livre de informações - e críticas ao governo - e às Zonas Econônomicas Especiais implantadas durante o mandato de Deng Xiaoping e precursoras do salto econômico do país. Algo como comparar os experimentos que resultaram no colosso chinês feitos nas províncias de Fujian e Guangdong nos idos de 1980 a uma suposta democratização da sociedade chinesa conquistada a partir da cidadania expressa na rede.

Nesta onda, o governo que é socialista com características chinesas e não é bobo, tratou de dar o peso à internet que à rede não necessitava e buscou chamar para si a responsabilidade pelos louros do livre pensamento via bits. Pode ser só percepção minha e ninguém veio me dizer ou mesmo eu encontrei em artigos por aí, então posso estar falando bobagem, não tomem como verdade absoluta, mas o que percebi é que houve uma febre internética pós olímpica ante os pensadores da mídia chinesa a serviço do partido que procurou disseminar a cultura da internet como passaporte para a participação política e cidadã.

Não passava dia sem que algum veículo oficial não publicasse matérias baseadas em resultados de pesquisas online ou que desse voz aos clamores dos internautas chineses publicados em fóruns. Top manchete, numa piada interna, bordão que surgiu entre os colegas do meu antigo trabalho, eram mudanças de rumo ou guinadas em decisões articuladas, supostamente, após grita online dos internautas cidadãos chineses. Foi a redenção programada do ambiente web como expressão de desejos, a criação da varinha de condão para quem não pode protestar em praça pública, visto que qualquer demonstração na China pode ser apenas pacífica - e, em muitos casos, ser realizada apenas se obtiver permissão prévia (dan).

Aí que em 28 de fevereiro deste ano, o primeiro-ministro Wen Jiabao resolveu ser super e participou de um chat com os internautas cidadãos chineses. Foram duras horas de elogios, mas também de críticas e o sonho de uma internet mais democrática sendo construído por internautas e um governo atento às mudanças, disposto a tomar para si as rédeas da falação online chinesa. Eu, do alto da minha inocência, jurei que se trataria da estratégia mais do que batida do "já que não pode vencê-los...". E fiquei feliz.

Felicidade de internauta chinês dura pouco. Menos de um mês depois, o espaço web receberia o primeiro ataque, youtube nocauteado - para não voltar até agora. Aí veio um temor de que o 4 de junho pudesse ser celebrado via web e a coisa virou palhaçada, com a criação até do Dia Nacional da Manutenção, uma piada para justificar a queda de todos os sites de redes sociais ao longo de três dias, entre 3 e 6 de junho. Alguns até se recuperaram, mas a coisa do bloqueio foi tão patética que serviu para mostrar que as estratégias aqui são poucas ou toscas quando o momento é de tensão. Calar a boca é mais fácil. Ou continuar a usar o santo nome da internet em vão.

Vamos à estratégia atual, segundo minha opinião, deixe-se claro. Na manhã desta segunda, a versão oficial sobre os protestos iniciados no domingo em Xinjiang já dava conta de que o estopim fora um boato falso na internet. A internet é do mal, a internet provoca o caos. Em uma vista rápida sobre a questão, o governo estaria jogando entre o caos e a paz, esta última tão cara ao país e o primeiro tão temido. Para que se evite o caos é que o governo limita as liberdades e informações. Povo com liberdade e informação demais acaba por ter ideias diversas, cujas defesas podem resultar em confrontos. Em caos. Logo, guiados pelas mãos do governo, os chineses viveriam em paz.

Agora, internautas, não estão vendo os estragos que um boato na internet chata, boba e feia pode causar? Precisamos filtrar os conteúdos, para que se evite o derramamento de sangue como este de Xinjiang.

Bom, tomara que esteja errada. Se tiver, juro que passo no twitter e dou meu piu.

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