segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Carne de ovelha é massa

Carne de ovelha é massa

Primeiro, várias informações. Lá no sul do Brasil, a gente come carne de ovelha, não venha com cordeiro, carneiro ou sei lá como o resto do Brasil chama o animal. Segundo, em Beijing, há um prato bastante típico chamado 羊蝎子, que ao ler você deve pronunciar Yang Xiezi, um hot pot com carne de ovelha. Se você não sabe o que é hot pot, a explicação fica um pouco mais comprida, mas tentarei resumir. Trata-se de um prato chinês em que os ingredientes chegam à mesa crus e você os cozinha num molho previamente temperado que fica borbulhando em uma panela quente ao centro. A foto abaixo (roubada do site chinês dianping - http://www.dianping.com/shop/2400490-, um guia (também) de restaurantes que conta com atualizações e contribuições dos usuários) dão uma mostra sobre o que estou falando.

Pois no último sábado, dia de pagar o aluguel, fui convidada pela dona do apartamento onde moro para almoçar com ela, a irmã e o filho. Ótimo para socializar, treinar o chinês e conhecer um restaurante com gente local - elas moram na região desde que nasceram, sabem tudo de Niu Jie (牛街), reduto dos chineses muçulmanos, tanto os da etnia Hui, praticamente iguais à maioria Han, mas com a crença muçulmana, e os uigures, majoritariamente de Xinjiang, a região que se tornou conhecida em julho deste ano mundo afora, depois de ser sacudida por confrontos mortais entre a tal etnia uigur e os chineses Han. Mas estamos aqui para falar de comida, que é o que interessa neste post. Questões políticas e afins, em outras seções deste site, pois.

A escolha das anfitriãs foi o 老诚伊, que se lê Lao Chengyi e que não significa outra coisa, segundo minhas pesquisas, que o Velho Chengyi. Só consegui chegar à conclusão de que Chengyi é um nome, e deve ser um nome dum cara legal. A comida era uma delícia. Primeiro, chegaram suculentos pedaços do que era a costela da ovelha, que logo eram acrescentados ao molho fervente. Passados uns cinco minutos, com os palitos numa mão e uma luva em outra, estávamos nós saboreando a dentadas. De dentro, pedacinhos de tutano eram extraídos com os palitos, por aqui conhecidos como 筷子 (kuazi) e, ainda que eu tivesse os meus próprios, outros e outros chegavam ao meu prato, direto dos ossinhos das ex-ovelhas da dona do meu apartamento e da irmã dela - não, não me perguntem os nomes, não que elas tenham pedido anonimato, eu que sou péssima em chinês. Coisa de ser convidada de honra.

A experiência foi ótima. Tudo bem que a gente não possa dizer que a conversa tenha fluído às mil maravilhas, mas conversamos e conversamos bastante. Claro que não tanto quanto eu gostaria. Imagine que uma chinesa da gema te diz que "中国二十这年的变化可真不小",  ou alguma coisa assim, que você poderia ler como "Zhongguo ershi zhe nian de bianhua kezhen buxiao" e entederia como "A China mudou muito nos últimos 20 anos" e você só pode concodar, "Sim, mudou pra caramba". E não pode perguntar por quê porque não sabe perguntar e nem entenderia a resposta. Frustrante. Mas, bom, nós estamos falando de comida, então não fiquemos triste por falta de capacidade de papos mais sérios.

E eis que entre um tutaninho e outro, outro quitute era adicionado ao molho já bastante espesso e fervente na nossa panela aquecida por uma destas chapinhas elétricas - que eu sei lá se tem ou não no Brasil, mas é que capaz que tenha. Um quitute que em mandarim eu não soube saber o que era, mas a experiência de tantos mocotós me fez pensar que se tratasse de intestino de ovelha. Então resolvi pensar que não estava entendendo, enquanto me deliciava com mais e mais pedaços que vinham parar no meu prato. E ainda tinha batatas. Porque "老外非常喜欢土豆", isso foi fácil de enteder, "Estrangeiro adora batata", ou "Laowai feichang xinhuan tudou". 

Pra finalizar o almoço banquete, depois de eu nem conseguir praticamente respirar, chegou a hora dos 面片, ou massa. Além de ser uma delícia, dá uma prova de que macarrão é mesmo cosia de chinês. A coisa chega em tiras grossas à mesa, trazida por uma garçonete. Então, na frente dos clientes, ela faz um balezinho de massas, esticando e puxando, como diria a Xuxa, e o que era grosso vira uma massinha fina, coisa fina de se comer. Preparado, claro, no caldo mais que espesso depois da comilança. 

Super aconselho. Claro que depois de ter enchido a barriga - até demais, só consegui comer no dia seguinte, no almoço -, eu ainda me perguntava onde estava a beringela. Por que desde a hora do convite, a dona do apartamento me perguntava se eu gostava de comer beringela. Pelo menos era isso que eu havia entendido.

- 你喜欢吃茄子吗? - Ni xinhua chi qiezima?

E para que perguntar tanto se nem tinha beringela. Pois foi só hoje quando descobri que o prato principal se chama 羊蝎子, ou yang xiezi - cujo som xiezi se aproxia do qiezi, por mais que isso possa parecer estranho aos não iniciados no pinyin, que é como os chineses romanizam os sons dos caracteres -, que caiu a ficha que ela nunca me perguntou sobre beringelas. Agora vocês imaginem que perigo se eu perguntasse mais sobre as mudanças da China, o que eu poderia ter achado que teria entendido. Pelo menos, aprendi que tem coisas que não mudam, minha dificuldade com o chinês é uma delas.

Um comentário:

Gui Scheinpflug disse...

kkkk adorei essa história. E sabe, aqui em Tete, Moçambique, também temos um irmãozinho da ovelha, que é o cabrito. Enquanto a ovelha é peludinha, fashion e usa casaco de pele para o frio, o cabrito, por outro lado, é magrinho e de pelo curto, pronto para suportar as altas temperaturas de África. Come-se muito cabrito por aqui. Um cabrito inteiro custa aproximadamente dez dólares, é barato e sustenta a família por um bom tempo.

Quanto às suas confusões com o chinês, eu imagino o quanto você se divirta, porque aqui também, falando praticamente a mesma língua, apenas com algumas variações locais, já me divirto um bocado com as confusões que acontecem.

Beijinhos amore, e continue escrevendo, estou gostando de ler as tuas histórias.