Extra! Extra!
Até agora, as notícias sobre a possível saída do Google da China não tiveram qualquer desdobramento, a não ser especulações. A última chamada sobre o tema nos sites governamentais chineses era: Minstério do Comércio não recebe notificação do Google sobre saída da China. Pelo twitter, por volta das 18h desta sexta-feira, o que se tinha em conta era que os funcionários locais - diga-se de Beijing - estavam em reunião a portas fechadas e que o Conselho de Estado chinês já teria decidido por sanções ao website. O anúncio, segundo rumores, seria nesta noite.
O que pega por aqui é saber o que realmente pode acontecer. Se apenas a retirada de cena do google.cn e seus subprodutos traduzidos para o mandarim ou toda a gama de serviços da empresa, que pode, por que não, ser barrada de operar em espaço chinês - a exemplo do que já aconteceu com o Youtube, o serviço de vídeos da companhia norte-americana, em março do ano passado. Sim, você que me lê, eu não tenho acesso ao Youtube há quase um ano. Você imagina a sua vida assim?
Em twits da infosfera chinesa - na qual se estima que haja até 30 mil usuários ativos, segundo o jornalista chinês Michael Anti -, há preocupações sobre como encontrar outro serviço para subsituir o Google Ad Manager, por exemplo. Ou seja, o motor de busca até tem competidor mais forte por aqui, mas e pense no Google Maps, cujo serviço não tem concorrente. Pois... ferrou. Quem usa Picasa talvez tenha de migrar, etc, etc.
Em estudo da organização Freedom House publicado pela revista Época nesta semana, a constatação é triste: o mundo ficou menos livre em 2009 (http://epoca.globo.com/edic/609/FIW_2010_MOF-2.pdf). E quem está nesta lista de países cujas liberdades individuais estão bastante cerceadas: China, óbvio. Pois agora os cidadãos que detém tão pouco de liberdade poderão estar expostos à maior intranet da história mundial. Ninguém mais entra, quem puder, sai.
A saída providencial do Google gera duas correntes apostas de análise. Uns afirmam que a empresa dá exemplo ao não aceitar mais os limites impostos pelo governo do Partido Comunista da China. Outros dizem que se trata apenas de uma retirada honrosa ante um desastre estratégico na conquista do mercado chinês. A empresa teria aproveitado a já tomada decisão de sair para criar um fato e ganhar notoriedade, apoio e simpatia dentro e fora do país. Acho que ambas são simplistas e há implicações que podem muito bem mixar estas duas linhas de pensamento.
Com a saída, no entanto, quem está encrecado mesmo é o usuário. Quem já usa meios de barrar a censura chinesa, por meio de proxies e VPN, vai continuar o fazendo. Quem é usuário mediano ou sem acesso - e sem dinheiro - para tanto, ficará limitado. Em tempo, um serviço de VPN custa cerca de US$ 60 anuais - e já tem muita piadinha internética por aí dizendo que será o novo negócio da Google para o mercado chinês. Bueno, caso você tenha achado novidade esta história de proxy e VPN, saiba que quem quer informação, acha. Não pense você que a mão forte irá barrar todo e qualquer desejo de navegar e se informar. Neste sentido, o que acontece é que os esforços chineses estão centrados na grande massa - 380 milhões de usuários de internet é bem mais que a população brasileira, certo?
Os tanques da Praça da Paz Celestial
Certa vez eu ouvi que estrangeiro ao falar sobre a China, fala sobre o massacre da Praça, lembra da imagem do tanque avançando sobre o até hoje não identificado chinesinho e sua sacola na avenida que, pra quem não sabe, é a principal da capital. Quem me disse falou com tristeza, desdém, incompreensão. Mas eu mesma vou ao Brasil e é sobre isso que os brasileiros me perguntam - quando conseguem formular algo mais politizado do que questões sobre se eu como cachorro ou escorpião. Ok, estou generalizando, mas é por aí.
Na onda de generalizar e brincar com isso, desde que o Google.cn decidiu se rebelar contra o governo chinês, resolver dar uma de espertinho. Sabe quando você começa a digitar uma busca na caixa destinada a isso e o Google te dá sugestões? Então, por aqui, quando você digita Praça da Paz Celestial, que soa Tian'anmen e se escreve 天安门, a primeira opção que aparece é 天安门坦克, ou Tanque da Praça da Paz Celestial, a primeira uma palavra que você pode pronunciar em mandarim, olha que tudo. Tanque é tanke. Enfins, daí você vai todo faceiro clicar nos resultados, todos em mandarim, obviamente. E será inundado por uma enxurrada de informações sobre o desfile de aniversário dos 60 anos da Fundação da República Popular da China, comemorados no último 1° de outubro, quando as Forças Armadas chinesas foram as principais estrelas de uma parada ocorrida em frente à Praça. Tem também referências ao desfile que marcou a fundação da república de Mao, para aqueles que querem saber mais sobre história oficial. Ou seja, a brincadeirinha existe, mas na grande intranet chinesa, você só tem acesso ao que a intranet oferece. E, não, não vai ter página que descumpra os mandos e desmandos do Conselho de Estado e dos diversos órgãos subordinados a serviço de mais uma censura para você, amigo usuário.
Mas ante tamanha decepção, afinal a ironia sobre os tanques foi boa, mas os resultados, nada animadores, um amigo chinês veio me dizer como eu deveria fazer a busca: 天安门 64. Ou Praça da Paz Celestial 64. O 64 nada tem a ver com o famigerado 1964 que marcou a política - a história e a economia - brasileira, mas 4 de junho, o dia do massacre em Beijing. No Google.cn, desde terça-feira, o primeiro link remete à pagina http://89-64.org/b5/2223.htm, devidamente bloqueada aqui. Pois o site, em inglês e mandarim, traz detalhes e fatos sobre os idos de 1989. Os chineses, como o meu amigo chinês, sabia. Informação não se esconde mais. Não pra todos.
Em tempo, no Baidu, o serviço de busca líder, a referência à página http://89-64.org não existe.
Em tempo 2, a saída do Google, independente da motivação e das intenções vai prejudicar só mesmo o usuário internético chinês que, mesmo vítima da Grande Intranet, pelo menos poderia ser abastecido com mais pistas do mundo lá fora.