quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Zou Bah!

Para você, o título aí de cima pode não fazer muito sentido, mas quer dizer "vamos lá", em chinês. O Bah do final só confirma uma lenda: a China é mesmo gaúcha (alguém já ouviu falar nesta lenda?).

Bueno, não importa. O que importa é que Beijing vai ficar ainda mais gaúcha no dia 5 de setembro, um sábado, quando as três gauchinhas Fernanda Morena, Paula Coruja e esta que vos escreve tomarão as pickups do Obiwan, bar bacana do mundo underground, cult ou qualquer que seja o rótulo moderninho que você queira dar. Sim, tudo isso existe por aqui.

A trilha sonora do passeio pelo indie rock e outras viagens musicais tem forte influência de casa - para matar a saudade e mostrar com quantos paus se faz rock and roll, já disse o Flávio Basso. Mas não é só de Cascavelletes que a gauchada alimenta iPods e quetais, então os gringos daqui curtirão ainda Cachorro Grande, TNT, Bandaliera, Ultramen, Damn Laser Vampires e outra penca de gente.

Enough of samba é o nome da festa, por razões óbvias. O pezinho na quadra, na roda faz parte da nossa cultura, mas está na hora de ampliar os horizontes do cavaquinho e do pandeiro, dum banquinho e violão da Bossa Nova.

Para botar um tempero neste mix bairrista, as moças vão mostrar novidades do rock n'roll, num passeio que vai das bandas chinesas P.K.14, Snapline, Tookoo e Carsick Cars às francesas Noir Désir, Les Innocents, M e Vive la Fête. Velharia também tem vez, porque AC/DC, Joy Division, The Clash, Beatles e Hendrix nunca fizeram mal a ninguém.

Minhas companheiras de balada também fervem na cena cultural chinesa – e mostram o que veem por lá na infosfera. Fernanda edita e produz o Bsides, site com versão em português (www.bsideschina.net) e inglês e chinês (www.bsideschina.com) sobre cultura pop e contemporânea, enquanto Paula mantém o olho atento no que rola por pelo www.comendodepalitinho.blogspot.com.

A criação do flyer da festa, que está circulando nas revistas, sites e bares de Beijing, também é dos pampas. A assinatura do layout é da Renata Dihl, do www.gaiacriacao.com.br.

Aqui, uma das revistas: http://www.cityweekend.com.cn/beijing/events/51682/?most_viewed=1

E, claro, sem o Melão, nada disso estaria acontecendo tanto assim.

:)

Plástica chinesa sobre o Brasil

Plastic City é um filme sobre o Brasil dos senhores chineses da pirataria originária da Ásia feito com olhar chinês, o do diretor Yu Lik Wa, de Hong Kong. Em 2003 ele se apaixonou pelo caos de São Paulo, achou a cidade parecida com a terra natal e resolveu dar asas a um projeto ambicioso - e pleno de licenças poéticas, pra ser bem delicada.

A produção que tem dedo chinês, japonês e brasileiro aportou na Liberdade, o bairro oriental de São Paulo, para contar uma história que tem como inspiração outro chinês, Law King Chong, conhecido como o maior contrabandista do Brasil, dono de shopping na 25 de Março e figurinha fácil dos noticiários entrando e saindo da prisão entre uma brecha legal e outra.

Yu disse que queria neve em São Paulo e fez nevar. Assim como ali fez o mar. E na Amazônia botou um tigre siberiano, além de ter feito da selva o ponto de encontro indígena-asiático, onde todos se esbarram, basta dobrar à esquerda na placa para lá do fim do mundo, onde começa o Brasil, ali no Oiapoque. Da terra brasilis, teve muito mais, teve favela, teve o credo cego nas igrejas estilo Universal (destas pentecostais que se espalham feito rastilho de pólvora salvando as almas de corpos de gente que se sente sem ter onde cair morta), teve o povo pobre, a corrupção, a violência, a prostituição e a simbiose dos asiáticos com o caldo já misturado de brasilidade. Pivetes ensaiando em pista de skate o que seria kung fu e finalmente uma luta de gangues numa cena plástica com mistura de animação e realidade cheia de clichês – apesar de o diretor negar que haja qualquer lugar comum no seu olhar oriental sobre o Brasil. Foi luta de gangue com espada. Espero que a moda não pegue. A navalha é afiada que só. E no Kill Bill a plástica está bem melhor, viva o Tarantino.

Este caldo todo que só não entorna porque temos paciência e afinal, arte é arte, e todo o esforço é válido para se contar uma história, tem ingredientes peculiares. A produção aportou no Brasil com prazo apertado, gravar tudo em 42 dias. E lasca o diretor:

- Eles são muito americanizados, seguem os padrões da indústria americana de cinema, trabalhando apenas 12 horas por dia, e ainda querem intervalo para almoço.

Parece que o estranhamento de Yu é o mesmo da equipe dona da casa. Perguntada sobre qual a principal diferença no fazer cinema chinês e brasileiro, a atriz Tainá Muller, que encarna Rita no filme, responde:

- A rapidez. Eles filmam com um ritmo que nunca tinha visto no cinema brasileiro. Eles também acham estranho essa coisa de parar para almoçar, ter folga... (risos). Mas eu não esperava diferente. Quando morei na China chegava a fazer um catálogo de 200 roupas em menos de quatro horas. É o ritmo dos chineses. Outra coisa que achei diferente foi a preocupação com detalhismo, o cuidado com a estética e a fotografia. Não que no Brasil não tenha, mas acho que culturalmente os chineses são mais atentos aos detalhes e isso acaba imprimindo na tela.

Plastic City não tem data para estréia no Brasil, mas segundo Yu, ocorrerá entre outubro e setembro. E o que esperar?

– Eu acho que essa questão é realmente um mistério (risos). Não sei mesmo o que os brasileiros vão achar do filme. Quando assisti, achei muito curiosa a leitura do Yu Likwai. Por exemplo, tem uma cena super violenta de assassinato que ele colocou de trilha sonora um forró. E não é que combinou? - diz a atriz.

A audiência em Beijing, onde o filme foi exibido em agosto, curtiu. Faltou o carnaval, claro, mas muita favela de Cidade de Deus e a violência retratada na história dirigida por Fernando Meirelles e que virou febre mundo afora aparecem também, satisfazendo os olhares gringos e dando a eles a falsa impressão de que, enfim, este é o Brasil. Não que não seja também, mas é muito mais, você entende, não.

Tainá contracena com o japa Jô Odagiri, escolhido a dedo pelo diretor, mas cuja limitação da língua acabou por deixar o samurai dublado tanto em português quanto em mandarim. Pena. O peso pesado do filme é o Anthony Wong Chau-Sang, que vive o chefão Yuda. Para o público asiático, ele é o cara dos filmes de gangues e máfias. E tá dublado bem poucas vezes, para sorte dele.

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Na web chinesa, o filme já está no ar, basta acessar aqui

http://v.youku.com/v_show/id_XMTExMDg2NzA4.html

O nome em mandarim é 荡寇 (Dangkou), ou Anti-Pirataria. Um bom título, porque o filme trata disso. Tema, aliás, espinhoso para quem produz arte. E pirataria atrapalha o cinema, caríssimo diretor?

- Não, o que atrapalha o cinema é a fixação da audiência pelos filmes feitos segundo o modelo norte-americano - disse o senhor

Yu, para a platéia que o acompanhava aqui em Beijing.

Se não tem tanto problema, clica sem medo no link do Youku e curte no teu computador.

Para quem não sabe, o Youku é praticamente o paraíso online de séries e filmes na China. Só cresce e vai muito bem, obrigado, graças ao sem número de concessões - ou inexistência - da lei chinesa sobre propriedade intelectual. Aqui - http://raulnachina.folha.blog.uol.com.br/arch2009-08-23_2009-08-29.html#2009_08-24_06_49_08-130436097-0 -, entrevista impagável do gerente de relações internacionais do site ao jornal Folha de São Paulo. Curtam este pedacinho, pelo menos, postado pelo jornalista Raul Juste Lores.

"Por que as empresas chinesas pagam por anúncios de dez segundos antes de cada episódio americano, o que não acontece com as novelas chinesas?", pergunto. O relações públicas perde a diplomacia. "Se for para escrever sobre Youku e pirataria, a entrevista está encerrada", responde, aos gritos. "Dou entrevistas à CNN e à Fox sobre internet livre. Se for para nos acusar de pirataria, não."

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Estudante tem 50% de desconto



Primeiro, dê um desconto. A cultura chinesa não prevê qualquer culpa em relação ao aborto. Depois, ainda assim fique de boca aberta, como eu fiquei. Um hospital de Chongqing, que se intitula a maior cidade do mundo, com uma massa humana que gira em torno de 31,5 milhões de habitantes à beira do Rio Yangtze, lançou um anúncio um tanto peculiar. Abortos com 50% de desconto para quem apresentar carteirinha de estudante.

Estudantes + sexo sem proteção + falta de educação sexual + ausência de métodos contraceptivos + país em que aborto é legal + carteira de estudante = DESCONTÃO.

Não sei qual destas variáveis me horrorizam mais. Vamos à tradução do texto do anúncio, feita primeiro para o inglês pela equipe do site Shanghaiist (http://mobile.shanghaiist.com/).

"Os estudantes são o nosso futuro, mas quando algo acontece a eles, quem irá protegê-los e ajudá-los? O Hospital Feminino Huaxi deu início ao Mês de Cuidado às Estudantes, durante o qual as garotas terão desconto de 50% em abortos se mostrarem o cartão estudantil. As cirurgias são as mais avançadas do mundo e não provocam problemas ao útero, não doem, são rápidas e você pode fazer qualquer coisa que desejar depois. Também não afetará seus estudos ou trabalho."

O anúncio chama a atenção para uma realidade que começa antes da gravidez indesejada. Começa no tabu que é o sexo por aqui e, em decorrência disso, no vasto desconhecimento sobre como se precaver. Imagine que num país regido pela lei do filho único a vinda de um bebê não programado é bem complicada. Você só terá direito a um, na maior parte dos casos, e se por um lado muitos adolescentes não fazem ideia sobre como prevenir uma criança, tem plena certeza de que buscam um futuro melhor e que, uma vez conquistada certa estabilidade financeira, então chegará a vez de dar à luz. Antes disso, recorramos à praticidade, ou seja, abortar.

O sexo entre os jovens ainda acende outras discussões - muitas pontuadas por um preconceito que perpassa as relações sociais. O professor de Guangzhou Zuo Bin, que conduziu uma pesquisa entre estudantes da província, descobriu que 17% dos adolescentes entre 15 e 18 anos já haviam tido experiências sexuais.

"A maioria dos estudantes que tiveram experiências têm pais divorciados ou muito ocupados", disse o professor. Aliás, para ele, as meninas acabam grávidas porque não sabem como se prevenir, mas querem mostrar seu afeto pelos caras. Os mocinhos que querem mostrar amor pelas meninas não contam?

Bueno, agora são férias. Talvez o anúncio de Chongqing tenha vindo em boa hora. Segundo a obstetra Song Luyin, o número de adolescentes procurando por abortos sempre aumenta durante as férias de verão, exatamente o período por que passamos agora na China, onde trabalha, o Hospital Feminino e Infantil de Guangdong.

Em reportagem publicada pelo jornal China Daily, a versão em inglês impressa da mídia estatal chinesa, em 30 de julho, a China realiza 13 milhões de abortos e vende 10 milhões de pílulas do dia seguinte todos os anos. O maior fator é o desconhecimento sobre métodos contraceptivos.

A ignorância entre os parceiros revela despropósitos como o fato de 70% dos entrevistados pelo Hospital 411 do Exército da Libertação Popular em Shanghai não saber que sexo pode transmitir o vírus HIV. E de menos de 30% saber como prevenir gravidez.

Segundo o governo, 62% dos abortos na China ocorrem entre mulheres dos 20 aos 29 anos, a maior parte solteiras. Agora, segundo Yu Dongyan, ginecologista do hospital de Shanghai, as estatísticas não são totalmente confiáveis, pois há muitos procedimentos feitos em clínicas clandestinas (imagino que mais devido a preços do que outra coisa, já que aqui é totalmente legal abortar).

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Mais numerinhos

Um aborto na China custa cerca de 600 yuan, ou US$88.

Nascem 20 milhões de chineses por ano.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Um ano de Olimpíada

Dia desses o Daniel Piza, que no ano passado nesta época estava aqui em Beijing para cobrir a Olimpíada, perguntou se eu toparia falar um pouco sobre o que mudou na cidade um ano após os jogos. Então eu disse que sim e comecei a escrever loucamente, sem mesmo perceber.

- Não precisava ter escrito tanto - ele me disse. E realmente escrevi demais.

No blog, ele foi suscinto, o que não consegui ser talentosa o suficiente para alcançar, e usou parte do meu discurso (e que você pode conferir aqui http://blog.estadao.com.br/blog/piza/?title=title_688&more=1&c=1&tb=1&pb=1). Mas eu sou mesmo prolixa, reproduzo na íntegra só a primeira parte do meu texto. Amanhã tem mais.

Daniel - Em que Pequim mudou desde a Olimpíada? As obras (como a restauração da rua Qianmen) terminaram? Como estão sendo usados os equipamentos, os estádios construídos como o ninho e o cubo? As obras no metrô continuaram? Os mendigos – que a imprensa disse que tinham sido escondidos – voltaram?

Eu - A Beijing pós olímpica segue vibrante. Se a cidade fez direitinho a lição de casa se preparando durante sete anos para receber a Olimpíada, manteve o ritmo depois dela. A comemoração de 2009 tem um significado bem mais importante para o Partido Comunista da China, são os 60 anos da Fundação da República Popular, celebrados em 1º de outubro.

Dá para dizer que a Olimpíada cumpriu o seu papel, botou Beijing na agenda mundial. Uma propaganda positiva, coroada pelo bom desempenho do país no quadro de medalhas – foram 51 de ouro ante 36 dos Estados Unidos, cuja imprensa, aliás, protagonizou uma luta tanto inglória quanto patética ao querer a todo o custo afirmar que número um em Olimpíada é o detentor do maior número de medalhas no quadro geral. E, neste caso, os norte-americanos encerraram a edição chinesa com 10 à frente, 110 a 100.

Estatísticas esportivas à parte, voltemos à propaganda. Quem veio para cá, viu uma cidade moderna, com sistema de transporte eficiente, segura e plena de maravilhas do mundo cosmopolita. Depois que o sucessor de Mao, Deng Xiaoping, disse que enriquecer não era nenhum pecado e cairia bem no modelo batizado aqui de socialismo com características chinesas, os compatriotas não se acanharam e começaram a acumular capital. E tudo bem que Coca-Cola, KFC e Mcdonalds sejam ícones da abertura chinesa para o Ocidente, mas aqui a pujança é tanta que é possível comprar Porsche, Ferrari, Dolce & Gabana, Dior. E não estamos falando de pirataria. O mercado de luxo chinês sempre encontra consumidores ávidos por gastar uns milhares de dólares vez ou outra.

Beijing é assim, ousada, exagerada. A capital da imponente Cidade Proibida, inaugurada em 1421, se lançou ao moderno e contemporâneo e apostou na arquitetura para celebrar 2008. A cidade recebeu os jogos em estruturas como o Ninho de Pássaro, assinada por Herzog & de Meuron, e o Cubo d’água, dos australianos Chris Bosse e Tobias Wallisser. O prédio da CCTV, que não era para sediar competição alguma e até hoje exibe as tais torres que se ligam pelos ares sem qualquer uso senão o de impressionar visitantes, é assinado pelo craque Rem Koolhaas.

Hoje, tanto o Ninho quanto o Cubo, os apelidos do Estádio Nacional e do Complexo Aquático, são pontos turísticos tão obrigatórios quanto a própria Cidade Proibida e a Muralha da China - para visitantes locais e estrangeiros. Em um ano, o turismo rendeu US$ 30,7 milhões para o Ninho e US$ 11,7 milhões para o Cubo, segundo cifras oficiais. O último, aliás, está aberto para quem quiser nadar nas piscinas onde o Michael Phelps faturou oito medalhas de ouro – e o César Cielo fez bonito nos 50 metros livre. Duas horas custam pouco mais de R$ 10.

Incorporar os estádios e sedes olímpicos ao cotidiano é um dos principais usos que se tem hoje destes espaços. Wukesong, o ginásio de basquete, já deu lugar a shows, como o de Avril Lavigne, e em outubro se prepara para receber uma partida da pré-temporada da NBA entre o Denver Nuggets e o Indiana Pacers.

O Ninho, no dia 8 de agosto, quando se comemorou um ano da abertura da Olimpíada, recebeu os times de futebol Inter e Lazio para a decisão da Supercopa Italiana. Na partida prestigiada ao vivo por quase 70 mil espectadores (o estádio tem capacidade para 91 mil) os romanos se saíram melhor, vencendo por 2 a 1. Vale lembrar que um ingresso médio custou pouco mais de R$ 130. Em outubro, o Estádio Nacional volta a ter espetáculo de luxo, desta vez assinado pelo diretor Zhang Yimou, o mesmo da abertura da Olimpíada e famoso por Herói (2002) e O Clã das Adagas Voadoras (2004), nos dias 6 e 7. A versão do chinês para a ópera de Puccini Turandot vai ter entrada salgada, coisa de R$ 230 ou até mais que isso, para espaços mais Vips. Promete lotar e é mais uma das comemorações preparadas para os 60 anos do poder do Partido Comunista da China.

Há tanto tempo no comando do país, é certo que o partido cunhou suas marcas. Entre elas, a do planejamento, seja a curto, médio ou longo prazos. Quem esteve aqui no ano passado, soube que o sistema de metrô foi renovado e as três linhas e meia então existentes (há uma que é apenas um complemento da primeira, mas é considerada outro sistema) ganharam a companhia de outras quatro, somando oito linhas e 200 quilômetros de trilhos. Em 2012, ou seja, daqui a três anos, esse numero deve chegar a 420 quilômetros. Agora mesmo em setembro a linha 4 entra em operação, cortando a cidade em zigue-zaque, saindo do eixo noroeste em direção ao sul. A linha 6, cujas obras estão a todo o vapor e deve estar pronta em 2012, por exemplo, garantiu nota triste aos moderninhos da capital que gastam o tempo na Nanluoguxiang, uma ruela estreita estilo a Vila Madalena daqui, que teve parte dos hutongs e bares botados abaixo para a construção de uma estação.

Hutongs são antigas vielas dos tempos imperiais, um aglomerado de casinhas coladas umas às outras que antes abrigavam mandarins e gente de alta classe e hoje, majoritariamente, é endereço das classes mais baixas. Quem esteve aqui na Olimpíada testemunhou uma faceta bem peculiar do progresso. Para dar lugar à renovação, a ordem é botar abaixo o antigo e, se preciso, realocar os moradores. Ficou famosa nos idos de agosto a rua Qianmen, a mais antiga de comércio da capital chinesa e cuja renovação, alem de não ter ficado pronta a tempo para a festa olímpica, acabou por gerar polêmica tanto por deslocar moradores como preferir a construção de réplicas à restauração dos espaços.

Coisa de governo chinês, que com energia para remodelar a cidade tem na construção civil um dos principais termômetros da expansão. No ano passado, as obras foram paralisadas durante três meses no período olímpico. Trabalhadores migrantes, uma massa que soma milhares de população itinerante e pobre, foram mandados para casa. O objetivo era diminuir a poluição – do ar, sonora, visual – e, de quebra, deixar este povo mais com cara de povo longe dos convidados para a festa, os ilustres turistas, esportistas, políticos e jornalistas. Nesta onda, pedintes também foram retirados de circulação, num esforço para embelezar o que, diga-se, já estava bem bom. De volta à realidade, o que se percebe é um mix maior de caras, de gente muito bem cuidada e de gente muito maltratada pelas ruas, num retrato de o que é o gap econômico cada vez maior da sociedade chinesa. No entanto, a realidade entre os mais pobres ainda está longe de ser a dos sem-teto que vemos no Brasil. Mendigo aqui, comemore-se, é caso bem mais raro.

Nos trilhos

O governo chinês anunciou neste final de semana um plano tanto ambicioso quanto espetacular, a menos para mim, que tenho medinho de avião. Em 2012, será possível viajar de trem entre as principais cidades do país em até oito horas.

Você bem sabe que a China é maior do que o Brasil, extensão que não acaba mais. O plano nada modesto prevê investimento de ao menos US$ 300 bilhões para completar a façanha. Hoje, já são 10 mil quilômetros de trilhos para os trens expressos em construção (ou seja, que só irão atender ao transporte de passageiros, e rápido). Somado à rede atual, em 2009 o sistema deverá chegar a 13 mil quilômetros de ferrovias do tipo.

Viajar de Beijing a Guangzhou, lá naquela província que a gente costuma chamar de Cantão e fica nos recantos sulinos do país - a capital está para o norte, tanto no mapa quanto no batismo (Beijing significa literalmente Capital do Norte) - em sete horas. Imagine que um voo leva cerca de três horas e você ainda tem de pegar um táxi para chegar ao aeroporto, o que pode levar até mais de uma hora, fazer check-in, esperar embarque. Somadas ao medinho de avião, as horas a mais no trem são desprezíveis. Já fiquei fã da possibilidade de ir até a estação de trem mais próxima.

A China tem no cuidado com logística e sistema de transporte de passageiros um dos principais pontos fortes - e, quiçá, de diferencial digamos competitivo em relação a outros países. Em muita biboca você encontra aeroporto. Tem trem por todo o lado, apesar de alguns bem antigos e bem lentos.

Aí me volto à realidade rodoviária brasileira, paraíso nos ares da atrapalhada TAM, que detém uma fatia bem maior do que a outrora brilhante Gol, que incorporou a estrela Varig, e que agora tem a Azul como concorrente (tem mesmo?). Aí vejo o fulgurante plano para a construção de um trem-bala ligando São Paulo ao Rio. Vai ficar pronto em 2014, se não entrar no balaio das grandes obras que podem salvar vidas e impulsionar a economia, mas se arrastam eternamente, caso da duplicação do trecho sul da BR-101, aquele que um dia ligará com segurança Florianópolis, em Santa Catarina, a Osório, no Rio Grande do Sul.

O trem brazuca tem custo estimado de R$ 34,6 bilhões e ligaria as capitais em uma hora e 33 minutos, segundo matéria de julho da Folha. Até dezembro, a China terá um total de 86 mil quilômetros de trilhos, cifra superada apenas pelos Estados Unidos.

Ah, a matéria da Folha
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u596156.shtml

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Recusa zero

Agora é oficial. Qualquer jornalista estrangeiro tem de ser atendido na China, seja em relação a pedidos de dados, seja em relação a pedidos de entrevista. Nem que seja para receber um não como resposta.

O Departamento de Comunicação do Conselho de Estado lançou uma campanha de "recusa zero". Nenhuma solicitação ficará perdida nos recantos burocráticos. Todos os ministérios deverão ter pessoas responsáveis pelo tratamento de entrevistas e pelos telefonemas dos jornalistas, o que a gente conhece por assessores de imprensa ou algo do gênero. Guo Weimin disse ao jornal China Daily, a publicação oficial em inglês que circula por toda a China, que qualquer contato deverá ter retorno em até 24 horas.

A China se esforça para ser aberta. A Olimpíada marcou mudanças no tratamento aos coleguinhas estrangeiros. Um ano antes dos Jogos, em 2007, o governo suspendeu a obrigatoriedade de autorização prévia dos governos locais para a realização de entrevistas (a pessoas comuns, o cidadão aquele que você está vendo ali passar na rua), além de permitir que fossem contratados assistentes chineses - em se tratando de entrevistas em mandarim, você faz ideia de a mão na roda que estes profissionais acabam por se tornar. Aí terminou a Olimpíada e a ideia foi manter o rumo.

A medida é simpática, mas em nada garante transparência ou mesmo acesso por parte da mídia ao governo e a livre investigação de pautas espinhosas. Mas, claro, já sinaliza como uma abertura para os bisbilhoteiros de plantão, nós, os jornalistas. Digamos que se agora é ruim, antes era bem pior.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Geração Ninho de Pássaro

Depois de um ano da Olimpíada, o texto que fiz no encerramento dos jogos no ano passado, no finado China in Blog, bloguinho supimpa que mantive durante um ano no clicRBS. Ao texto, pois.

***

Os internautas chineses cunharam um novo termo na web do país: a Geração Ninho de Pássaro. Fácil perceber a referência ao Estádio Nacional, xodó desta edição olímpica. Após o sucesso de Beijing 2008, os jovens se apropriaram do nome para mostrar a que vieram: querem mais sucesso, visibilidade e contato com o mundo inteiro.

Bom, se repetir a fórmula esportiva, ainda querem, de lambuja, mostrar que são potência (a China disparou no topo das conquistas de ouro, com 51 medalhas nesta edição, feito inédito que deixou os Estados Unidos no segundo lugar, com 36).

O termo Geração Ninho de Pássaro apareceu nesta segunda-feira em meios de comunicação chineses após uma enquete online realizada pelo portal mais popular da China, o sina.com, e o jornal China Youth Daily. Dos 3 mil participantes, 43% acreditam que esta Olimpíada mostrou ao mundo o êxito dos 30 anos de reforma e abertura chinesa.

E quem é esta geração?

Eles têm entre 10 e 29 anos. Cresceram ou se formaram indivíduos adultos vendo o Ninho de Pássaro nascer. Nos últimos sete anos, a China se moldou para sediar os jogos. Nada mais natural de que esta parcela da população seguisse os passos rumo a modernização. Justo, eles falam outras línguas e são estandartes de uma bandeira da qual a China se orgulha: simbolizam o mix da cultura oriental a cultura do Ocidente.

Transitam com facilidade entre estes dois pólos - o que, até onde posso entender, é uma vantagem para os chineses. Para mim, é mais fácil um chinês entender o Ocidente do que um ocidental tentar fazer o contrário.

Bom, eles também são a maior parte dos internautas - o que pressupõe participação ativa em discussões online e busca de informações pela rede. E, nossa, quando caiu a ficha de o que isso representa em números, espantei-me um pouco mais. A Geração Ninho de Pássaro equivale a um terço dos 1,3 bilhão de chineses. O que significa? Mais de 430 milhões de pessoas, dois Brasis e mais um pouco, só para completar.

Os próximos passos da geração Ninho de Pássaro

A foto aí de cima mostra uma voluntária dentro do Ninho de Pássaro, e achei adequado para ilustrar este post.

Nas muitas conversas com profissionais, atletas e até a partir de experiências próprias fiquei com uma impressão: mesmo com toda a amabilidade e simpatia, faltou aos voluntários ou um inglês mais apurado ou até desenvoltura.

Algumas informações eram impossíveis de se conseguir. Em outros casos, quando a língua não atrapalhava, o difícil era o entendimento mútuo, por simples questões de pontos de vista sobre o mundo. Explico.

- Ao Norte do Cubo d'Água

Certa feita, atrasada para encontrar o Ginásio Nacional, onde assistiria a final feminina de Ginástica Olímpica por equipes, após ter perguntado a alguns voluntários, parei para pedir informações a mais uma. E ela disse:

- O ginásio fica ao Norte do Cubo d'Água.

Eu estava atrasada, a informaçãoo me deu nos nervos. Aqui em Beijing, os pontos cardeias são básicos como referência. Esqueça os tradicionais direita e esquerda. Este novo estilo de orientação, juro, às vezes me desorienta e exaspera. Recomenda-se respirar fundo três vezes e procurar a bússola. Para os moradores da cidade, não tem perdida quando se trata de leste, sul, norte, oeste - os pontos cardeais regem até mesmo princípios de Feng Shui, aliás.

Vai dizer, questão de perspectiva, não? É preciso entender e, na medida do possível, se adaptar. Mas naquele momento, eu respirei apenas uma vez e perguntei se, andando naquela direção, eu teria de virar a esquerda ou a direita. Oras!

- Que ônibus pegar

Em outra ocasião, após algumas finais do atletismo - e no dia em que cantei parabéns para o Usain Bolt -, queria um ônibus para chegar ao centro da cidade. Um voluntário segurava uma placa (escrita apenas em chinês, mas com uma iconografia em que facilmente se reconhecia um ônibus) indicando o caminho para o ponto. Antes de chegar lá, nada mais natural que eu tentasse saber que ônibus pegar. Então perguntei:

- Qual ônibus devo pegar para chegar próximo ao Estádio dos Trabalhadores (o que era um bom ponto de referência para a região onde eu estava querendo ir)?

- Não sei, você precisa voltar e perguntar no centro de informações sobre as rotas de ônibus.

Para mim, parecia inacreditável. Alguém que segura a placa indicando o ponto de ônibus não sabe que ônibus devemos pegar - e não tem a mínima idéia sobre as rotas. Aliás, apenas o fato de alguém ter de segurar uma placa em vez de a placa estar fincada no chão já é de se estranhar. Lógica chinesa 2, assim, numa primeira análise: como tem muita gente, tem gente para fazer tudo. Divisão de tarefas me parece o lema. E que divisão. Cada um cuida do seu cada qual e era isso. Aff, as vezes acumular algumas funções até ajuda!

O mundo precisa se abrir a China

Estes exemplos, a meu ver, dão a dimensão do abismo comunicacional entre a China e o resto do mundo. Não é a dificuldade do mandarim que inibe. São as barreiras culturais que dificultam.

Daí, tem horas em que penso que em vez de a China absorver o mundo - o que fez com sua política de reforma e abertura há 30 anos - chegou a hora de o mundo tentar entender e absorver a China, num movimento de abertura inverso.

Para isso, o Ninho de Pássaro bem que serve como ícone. O projeto dos suíços Herzog & De Meuron deixou o mundo babando. Bonito é pouco para definir o Estádio Nacional - dedo estrangeiro no interior da maior festa chinesa dos últimos tempos, quando a China se afirmou como potência esportiva, tecnológica e econômica.

A base já está aí, agora a responsabilidade é da Geração Ninho de Pássaro. Alguém duvida de que eles irão conseguir e que para nós, nos resta ampliarmos os horizontes do "Ni hao"?

Ah, pela internet, eles já avisaram: 44% disseram que o mundo deve aprender com a China e entender melhor o país!

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Aperta o play

Tranquilidade vigiada from Janaína Camara da Silveira on Vimeo.



Aí em cima, você verá um pouco das minhas impressões sobre os uigures em Xinjiang. E as suas, quais são? Para relembrar, o texto de introdução deste vídeo.

A vida em Urumqi, capital de Xinjiang, insiste em manter a rotina ainda que a explosão de violência étnica de 5 de julho de 2009 tenha deixado não apenas 197 mortos, mais de 1,6 mil feridos e incertos 2 mil presos - há gente que diga que é mais -, mas tenha reacendido questões como racismo, intolerância e clamor por mais direitos.

Xinjiang é a terra da minoria chinesa uigur, de origem turca, há séculos anexada à China, apesar de momentos de resistência. O status atual, de Região Autônoma Uigur, data dos tempos do maoísmo e agrega um componente novo, a chegada de muitos migrantes da maioria chinesa han, uma das principais causas de descontentamento dos moradores locais, que se sentem preteridos nas esferas sociais, educacionais, de governo e de oportunidades de avanço econômico.

Mas este vídeo é um recorte do traço espontâneo dos uigures, não pretende ser uma aula político e sociológica sobre a região. É só um convite às maravilhas do mundo tolerante ante as diferenças.

O medo agora é também burocrático

Eu tenho medo de voar de avião. Eu vôo bastante de avião. Logo, volta e meia tou com medo. A cada acidente aéreo ou tensão no ar, lá vou eu pensar no pânico de passageiros, na tripulação atônita e na dor dos familiares. É inevitável. Parece que tragédias aéreas me causam mais pesar. Todos os outros pesares que a vida traz aos outros me doem também, devo confessar. Logo, volta e meia estou acusando a humanidade de raça que não deu certo.

Ontem, uma manchete pintada em amarelo fosforescente na página de notícas da Xinhua, a agência estatal chinesa, despertou antes da piedade, o espírito jornalístico - típico dos exemplares da tal raça humana que caçam notícias que causam pesares como se fossem tesouros. Num cacoete profissional, lá fui eu retuitar (você conhece o twitter e sabe do que tou falando, né) mal digitadas linhas sobre o suposto sequestro. Imaginava que dali seria merd* e uma madrugada sem dormir.

Além de um suposto sequestro de avião na China, outro componente entornava o caldo, oavião teria partido de Urumqi, a capital de Xinjiang que ainda lambe as feridas dos atos de violência que deixaram 197 mortos em 5 de julho e insabidos presos.

Em tempos de twitter e notícia a pronta entrega na velocidade dos bits, a AP embarcou, a CNN, eu e mais uma galera fã dos RTs. Fui atualizar a página da Xinhua, de onde todos nos abastecíamos, e cadê notícia? O amarelo fosforescente tinha abandonado a capa, o flash publicado na lista de últimas notícias desaparecido, o link aparecendo como quebrado. Despublicação sumária e suspeita de que a imprensa chinesa, tão afeita a versões bastante próprias dos temas nacionais e internacionais, havia dado uma barriga, e daquelas. Barriga, no jargão jornalístico, é quando você publica uma informação que não condiz com a verdade. De jeito nenhum. Não confundir com informação distorcida, pois.

Barriguei eu, barrigou CNN (com uma tarja amarela fosforescente ainda maior do que a original chinesa), AP, outro bando. Aí a Xinhua sai com outra versão oficial, desta vez dizendo que um avião que partira de Cabul, no Afeganistão, com destino a Urumqi, teria sofrido uma ameaça de bomba, retornado ao Afeganistão, pousado em Kashgar e era isso. Fui dormir.

Acordei com a CNN explicando que não houve qualquer sequestro, qualquer ameaça de bomba, mas restrições impostas pelo Quirguistão para que o avião afegão usasse seu espaço aéreo.

Então pensei que a mídia chinesa tão afeita a versões bastante particulares e dona de um coportamento raro quanto ao fazer jornalístico não havia sequer se preocupado em apurar muito os fatos. Por quê? Porque o que poderia ser melhor do que um sequestro ou ameaça de bomba envolvendo um avião que viajava para Urumqi, centro nervoso das tensões étnicas atuais por aqui? Segundo minha lógica sobre a lógica midiática oficial chinesa, a história seria mais uma a reforçar a necessidade da luta contra o extremismo, o separatismo e o terrorismo, as três forças do mal publicadas dia a dia por aqui.

Nesta onda propagandística, a agência, que já não goza de exatamente credibilidade, protagonizou um belo mico ao fazer todo o mundo barrigar. Coisa feia.

Hoje, diz a Reuters, o avião afegão da Kam Air retornou ao Afeganistão devido à falta de documentação. Segundo as fontes afegãs, este seria o primeiro voo da rota Cabul-Urumqi, e que o aeroporto na província chinesa de Xinjiang negou permissão para aterrissagem.

Fiquei imaginando que agora pelos ares preciso também temer a burocracia. Em terra, percebo que a humanidade realmente não deu certo.

I like you so much better when you're naked



A norueguesa Ida Maria faz um indie rock nórdico fofinho pra se divertir. A música do clipe aí é daquelas que me fazem ter vontade de sair pulando enquanto tou dançando, balançando os cabelos dum lado pro outro. Uma coisa estilo
- Girls & Boys, Blur
- Every Day I Love You Less and Less, Kaiser Chiefs
- Its the End of the World as We Know It, REM
- General, Ultramen
- Lunático, Cachorro Grande

e várias outras. Várias

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Ah, o site oficial da Maria http://www.islanddefjam.com/artist/home.aspx?artistID=7293

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

As redes sociais da rede chinesa

Uma das principais redes sociais chinesas, a Xiaonei, agora não é mais Xiaonei, mas Renren. A mudança no nome não foi bem explicada, mas a novidade é fresquinha por aqui, coisa desta terça-feira.

Numa análise bem superficial, o que se diz é que enquanto o primeiro nome se refere a campus, e por isso acaba atraindo um público prioritariamente de alunos de Ensino Médio e graduação, o segundo significa "todo mundo". Bem, e todo mundo você sabe o que é.







O domínio Renren não tem lá um currículo muito animador. Criado em 1999, o site teve uma curta vida de bons lucros até 2001, quando a bolha internética estourou e fez com o negócio fosse pelos ares. Em 2005, o domínio foi comprado e teve curta vida como site de classificados entre 2006 e 2007. Agora volta à vida. Será que com força? Sei lá, esta coisa de agradar a todos...

Certo que o planeta internético chinês é, para rimar, um tanto hermético, acredite. E aqui a gente não está falando das barreiras governamentais impostas para barrar o que seria pornografia e outras barbaridades, mas é muito mais do que isso, é filtro mesmo para que se evitem trocas de ideias sobre questões políticas e tals. E a gente sabe, sendo brasileiro, o quão bom é viver num país democrático, com imprensa livre e livre troca de pensamentos via internet. É só olharmos para nosso Congresso para nos orgulharmos de nossa liberdade e construção de cidadania e democracia.

Mas voltando à China, o olhar chinês sobre o próprio umbigo é fenômeno antigo, se é que se pode classificar como antigo um comportamento percebido na internet, que há pouco começou a integrar a vida das pessoas. Aqui, 338 milhões de pessoas, até junho - 22% da população, ante os 75% dos Estados Unidos. Imagina o que tem de espaço para crescimento. O resultado, anota Tom Melcher, que atua no mercado de internet da China desde 2005, é uma total falta de percepção dos geeks, nerds e Marcks Zuckerbers e afins de o que os chineses esperam na tela do computador.

Enquanto o fundador do Facebook flana pelo Brasil comemorando um crescimento da rede entre os usuários brazucas, na China, ele vê o fraco desempenho ficar ainda mais capenga. Em julho, o número de usuários no país chegava a 1 milhão, mas caiu pela metade em um mês. Claro que é fácil atribuir a culpa ao governo, já que desta vez, assim como fez com Twitter, Youtube e outras maravilhas do mundo web ocidental, os incansáveis operários que não param de alargar os horizontes do Great Wall of China trataram de barrar o Facebook. A desculpa da vez foi o uso da rede para propagar mensagens separatistas pouco após os espinhosos conflitos étnicos de 5 de julho em Xinjiang, a terra da minoria uigur hoje cheia de moradores da maioria han.

Mas então, voltando ao cenário lindo e do qual pouco lembro da liberdade via bits na China, Melcher dá a primeira dica. Admitir que ninguém de fora entende nada do mercado chinês e que trazer modelos ocidentais é o primeiro passo rumo ao caminho errado. Mal, bem mal, se você pensar que em 2008 a Tencent, responsável pelo QQ, que é o MSN que conta para os chineses, ou serviço de mensagens instatâneas, se é que você lembra do termo, teve uma renda de US$ 1 bilhão e ostenta um market cap de US$ 24 milhões, deixando para trás o Yahoo, por exemplo.

Mas aí Melcher não dá muitas pistas de como conquistar o gosto do internauta chinês. Uma pena. Agora, o artigo, cujo link eu vou deixar ali abaixo, reforça uma crença minha. Que no fundo, muito dos filtros chineses não importam tanto assim para a massa online quando os alvos são sites estrangeiros. Aqui twitter é fanfou, msn é QQ, Google é Baidu, Youtube é Youku. Para você isso pode não ter o menor sentido, mas para quem está deste lado daqui, tem. Tanto tem que o povo da Web Asia 2.0 fez uma lista delícia dos equivalentes chineses das estrelas ocidentais. Essa você confere aqui http://www.web2asia.com/2009/08/05/asian-equivalents-of-western-web-services-part-03-china/.

Agora eu deixo você com o artigo do Melcher
http://www.businessinsider.com/henry-blodget-the-us-internet-industry-leads-the-world-right-wrong-2009-8

E, para quem quiser saber mais sobre os números do Facebook no país, aqui vai a dica
http://www.insidefacebook.com/2009/08/04/facebook-traffic-from-china-drops-by-half-in-the-last-month/

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Em tempo. Nesta quarta-feira, a agência estatal chinesa divulgou uma notícia um tanto quanto irônica. Só pode ser ironia, penso eu, que cada vez entendo menos de o que se entende por jornalismo aqui (deve ser porque a mídia tem influência direta do poder político, e o poder político tem este vício de fazer pouco caso do coraçãozinho da população). Enfins, a matéria dava conta de que o Facebook mantém a rápida subida rumo ao topo da lista de maiores sites do mundo, em quarto lugar, com 340 milhões de visitantes únicos do mundo inteiro. Do mundo inteiro, menos a China e alguns outros né. Sério, ai minha paciência.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A viagem surpresa de volta para casa

A história de horror das jornalistas norte-americanas Euna Lee e Laura Ling acabou graças a uma visita surpresa de Bill Clinton à obscura Coreia do Norte, o vizinho comunista chinês fechado que só. O ex-presidente dos Estados Unidos - e a Casa Branca - garante que a iniciativa de visitar Kim Jong Il foi privada, mas a agência norte-coreana faz questão de dizer que o final feliz se deve principalmente a uma mensagem de Barack Obama. Especulações diplomáticas numa missão que tem caráter histórico.

Primeiro, o que veio depois. A dupla de intrépidas jornalistas, com origens asiáticas, uma coreana, outra chinesa, foi presa em março ao supostamente adentrar o território da Coreia do Norte. Pena: 12 anos de reeducação via trabalhos forçados. Resultado, moeda de troca no jogo de gato e rato empreendido por Pyongyang, com tiro na mosca, o inimigo número um, os EUA.

Desde maio que o governo do querido líder, a alcunha de Kim Jong Il, anda bem saidinho, entrando de vez para as manchetes mundiais ao promover exercícios militares, como testes com mísseis e tals. A quase esquecida Coreia do Norte volta ao palco midiático alvo de sanções e tema em sessões da ONU, outro dos vilões da vez.

As apirações nucleares herdadas já dos tempos de papai Kim Il-Sung, o Grande Líder, fundandor da Coreia do Norte e objeto de culto fanático ainda hoje, causam dores de cabeça aqui pelos pagos asiáticos. E seu Clinton resolve aparecer. Ele é o segundo ex-presidente norte-americano a visitar a capital do lado norte da península coreana, o primeiro foi Jimmy Carter, em 1994.

Hoje, a mídia chinesa, que dá voz aos despachos oficiais da KCNA, a agência norte-coreana, ecoou:

"A decisão de libertar as jornalistas norte-americanas é uma manifestação da política humanitária e pacífica da República Popular e Democrática da Coreia." Sim, aqui o reino do sagrado querido líder tem nome e sobrenome, segundo a mesma cartilha imposta ao povo que, pasmem, ganha menos do que 2 euros ao dia. A fonte desta última informação é o blog delícia www.coreiadonorte.wordpress.com, que acabei de encontrar. Curtam, viu.

A abreviação do pesadelo de Euna e Laura foi alcançada, seguem as agências oficiais daqui, em meio a uma atmosfera sincera, na qual Clinton e Kim Jong Il tiveram conversações francas e profundas. E eles acrescentam:

"Clinton transmitiu de forma cordial uma mensagem verbal do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que expressou seu profudndo agradecimento por isso".

Quem falou o que, não se sabe, mas os norte-coreanos dizem que a visita contribuirá para fortalecer o entedimento entre os inimigos de longa data, a fim de que desenvolvam confiança bilateral. Um passo a mais de Clinton, cuja mulher, a Hillary, havia pedido na semana passada, durante encontro na Tailândia, a retomada das conversações sobre a questão nuclear na península, que ainda integra Coreia do Sul, Japão, China e Rússia. Conversas estas interrompidas unilateralmente desde finais de 2008 pelo querido líder.

Falar em querido líder, amanhã o programa da noite será conhecer cartazes de cinema norte-coreano, numa iniciativa da livraria mais bacana de Beijing, a Bookworm, oásis cultural da cidade e espaço de debates que em geral não se debatem por aqui. Volto para contar depois.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

O velho jornalismo

Se você acha que conhece um jeito antigo de fazer jornalismo e não conhece a mídia chinesa, então você não sabe o que é ser atrasado. Imagine a maior potencial potência econômica mundial com poder político suficiente para amedrontar países ou, pelo menos, chantageá-los com joguinhos diplomáticos, recorrendo a métodos tão arcaicos quanto jornalismo propagandístico mal feito. É por aí. Puro atraso para deleite dos críticos de plantão, combustível para descerebrados papagaiarem historietas oficiais.

Hoje a grande história do dia nos meios estatais foi a carta escrita por membros da família da uigur Rebiya Kadeer (http://news.xinhuanet.com/english/2009-08/04/content_11823397.htm) pedindo para que ela interrompesse atos separatistas e pensasse na harmonia e na paz étnica que reinam em Xinjiang, Crueldade e ingenuidade na mesma medida.

Tem de tudo ali. Os signatários culpam Rebiya pelos incidentes que deixaram 197 mortos em Urumqi, segundo as cifras oficiais. Reconhecem que ela fez uma ligação naquele domingo, 5 de julho, que seria um aviso de o que ocorreria seis horas mais tarde e, por isso, prova de que ela estaria envolvida na organização dos atos violentos. Os signatários são da família, eu já disse. Filhos, irmão, uma parentada.

O filho mais novo do primeiro casamento de Rebiya, que tem 11 ao total, Alim, é capítulo à parte. Ao ser apresentado, o menino hoje com 33 anos lembra que a mãe é divorciada, praticamente um crime por aqui, motivo de preconceito de sul a norte, leste a oesta da China, unificada ou não. Diz que nunca perdoou ter sido abandonado aos seis meses e depois conta uma história triste dos tempos em que, ao tomar conta dos negócios da mãe, então ricaça, teria sido instado por ela a atear fogo sobre si próprio para protestar contra o governo chinês que acusava a empresária de evasão de divisas – ela, aliás, teve todos os bens confiscados e virou pobre de marré.

A carta e a história são uma sucessão de histórias que podem ser muito bem maquinadas ou conseguidas via coerção, mas que, em sendo totalmente verídicas e apuradas segundo os preceitos éticos do jornalismo, dão conta da visão tacanha das autoridades propagandísticas do Partido que, em outras palavras, é o governo. Um tom emocional que beira o mau gosto, num jogo de palavras que casaria bem com o tom de telenovela étnico familiar. Eu não acompanho a atual novela das oito aí no Brasil, ainda bem, mas imagino o roteiro seja parecido. Apela-se para uma falsa harmonia em nome do progresso e bem-estar comum.

Eu fico imaginando muitas vezes como devem ser as reuniões dos líderes políticos responsáveis pela mídia. Diz-se que a China que se abriu economicamente ao mundo foi pródiga em fazer de trabalhadores do campo ou operários empresários fenomenalmente ricos – aliás, a própria trajetória da Rebiya, que só depois teve o azar de se indispor com o governo e por aparente birra, resolveu preferir a via dissidente à da pobrezinha injustiçada. Enfim, a China é um país de muita gente muito simples com muita grana. E por que nas esferas políticas o cenário não se repetiria?

Num paralelo, fico imaginando os lapsos de visão crítica e estratégica entre os líderes que efetivamente detêm o poder e um que outro especialista que integra os quadros do partido apenas para darem status de decisões científicas e especializadas. Por que tem, esta coisa toda é tão arcaica, eu digo as entranhas do poder chinês, que o modelo deve ser bem este. O jeca tatu que manda, os pensantes que não têm poder de voto e a populácia que engula, a seco e calada, uma vez que não tem voz nenhuma. E quando tenta ter acaba calada.

Uma irritação só que é ver o que é feito dos meios de comunicação aqui. Uma irritação só ver o que é feito do público aqui. E uma irritação maior ainda imaginar o que ocorre nas esferas privadas.

Pulinho para irritação brazuca

Pelo menos com tanto cacique protegido pelas esferas partidárias, a gente não precisa ver a lambança Lula, Sarney, Collor e Simon. Aliás, só este último ainda não foi nosso presidente. Que bem que estamos.