Se você acha que conhece um jeito antigo de fazer jornalismo e não conhece a mídia chinesa, então você não sabe o que é ser atrasado. Imagine a maior potencial potência econômica mundial com poder político suficiente para amedrontar países ou, pelo menos, chantageá-los com joguinhos diplomáticos, recorrendo a métodos tão arcaicos quanto jornalismo propagandístico mal feito. É por aí. Puro atraso para deleite dos críticos de plantão, combustível para descerebrados papagaiarem historietas oficiais.
Hoje a grande história do dia nos meios estatais foi a carta escrita por membros da família da uigur Rebiya Kadeer (http://news.xinhuanet.com/english/2009-08/04/content_11823397.htm) pedindo para que ela interrompesse atos separatistas e pensasse na harmonia e na paz étnica que reinam em Xinjiang, Crueldade e ingenuidade na mesma medida.
Tem de tudo ali. Os signatários culpam Rebiya pelos incidentes que deixaram 197 mortos em Urumqi, segundo as cifras oficiais. Reconhecem que ela fez uma ligação naquele domingo, 5 de julho, que seria um aviso de o que ocorreria seis horas mais tarde e, por isso, prova de que ela estaria envolvida na organização dos atos violentos. Os signatários são da família, eu já disse. Filhos, irmão, uma parentada.
O filho mais novo do primeiro casamento de Rebiya, que tem 11 ao total, Alim, é capítulo à parte. Ao ser apresentado, o menino hoje com 33 anos lembra que a mãe é divorciada, praticamente um crime por aqui, motivo de preconceito de sul a norte, leste a oesta da China, unificada ou não. Diz que nunca perdoou ter sido abandonado aos seis meses e depois conta uma história triste dos tempos em que, ao tomar conta dos negócios da mãe, então ricaça, teria sido instado por ela a atear fogo sobre si próprio para protestar contra o governo chinês que acusava a empresária de evasão de divisas – ela, aliás, teve todos os bens confiscados e virou pobre de marré.
A carta e a história são uma sucessão de histórias que podem ser muito bem maquinadas ou conseguidas via coerção, mas que, em sendo totalmente verídicas e apuradas segundo os preceitos éticos do jornalismo, dão conta da visão tacanha das autoridades propagandísticas do Partido que, em outras palavras, é o governo. Um tom emocional que beira o mau gosto, num jogo de palavras que casaria bem com o tom de telenovela étnico familiar. Eu não acompanho a atual novela das oito aí no Brasil, ainda bem, mas imagino o roteiro seja parecido. Apela-se para uma falsa harmonia em nome do progresso e bem-estar comum.
Eu fico imaginando muitas vezes como devem ser as reuniões dos líderes políticos responsáveis pela mídia. Diz-se que a China que se abriu economicamente ao mundo foi pródiga em fazer de trabalhadores do campo ou operários empresários fenomenalmente ricos – aliás, a própria trajetória da Rebiya, que só depois teve o azar de se indispor com o governo e por aparente birra, resolveu preferir a via dissidente à da pobrezinha injustiçada. Enfim, a China é um país de muita gente muito simples com muita grana. E por que nas esferas políticas o cenário não se repetiria?
Num paralelo, fico imaginando os lapsos de visão crítica e estratégica entre os líderes que efetivamente detêm o poder e um que outro especialista que integra os quadros do partido apenas para darem status de decisões científicas e especializadas. Por que tem, esta coisa toda é tão arcaica, eu digo as entranhas do poder chinês, que o modelo deve ser bem este. O jeca tatu que manda, os pensantes que não têm poder de voto e a populácia que engula, a seco e calada, uma vez que não tem voz nenhuma. E quando tenta ter acaba calada.
Uma irritação só que é ver o que é feito dos meios de comunicação aqui. Uma irritação só ver o que é feito do público aqui. E uma irritação maior ainda imaginar o que ocorre nas esferas privadas.
Pulinho para irritação brazuca
Pelo menos com tanto cacique protegido pelas esferas partidárias, a gente não precisa ver a lambança Lula, Sarney, Collor e Simon. Aliás, só este último ainda não foi nosso presidente. Que bem que estamos.
Há uma semana
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