Plastic City é um filme sobre o Brasil dos senhores chineses da pirataria originária da Ásia feito com olhar chinês, o do diretor Yu Lik Wa, de Hong Kong. Em 2003 ele se apaixonou pelo caos de São Paulo, achou a cidade parecida com a terra natal e resolveu dar asas a um projeto ambicioso - e pleno de licenças poéticas, pra ser bem delicada.
A produção que tem dedo chinês, japonês e brasileiro aportou na Liberdade, o bairro oriental de São Paulo, para contar uma história que tem como inspiração outro chinês, Law King Chong, conhecido como o maior contrabandista do Brasil, dono de shopping na 25 de Março e figurinha fácil dos noticiários entrando e saindo da prisão entre uma brecha legal e outra.
Yu disse que queria neve em São Paulo e fez nevar. Assim como ali fez o mar. E na Amazônia botou um tigre siberiano, além de ter feito da selva o ponto de encontro indígena-asiático, onde todos se esbarram, basta dobrar à esquerda na placa para lá do fim do mundo, onde começa o Brasil, ali no Oiapoque. Da terra brasilis, teve muito mais, teve favela, teve o credo cego nas igrejas estilo Universal (destas pentecostais que se espalham feito rastilho de pólvora salvando as almas de corpos de gente que se sente sem ter onde cair morta), teve o povo pobre, a corrupção, a violência, a prostituição e a simbiose dos asiáticos com o caldo já misturado de brasilidade. Pivetes ensaiando em pista de skate o que seria kung fu e finalmente uma luta de gangues numa cena plástica com mistura de animação e realidade cheia de clichês – apesar de o diretor negar que haja qualquer lugar comum no seu olhar oriental sobre o Brasil. Foi luta de gangue com espada. Espero que a moda não pegue. A navalha é afiada que só. E no Kill Bill a plástica está bem melhor, viva o Tarantino.
Este caldo todo que só não entorna porque temos paciência e afinal, arte é arte, e todo o esforço é válido para se contar uma história, tem ingredientes peculiares. A produção aportou no Brasil com prazo apertado, gravar tudo em 42 dias. E lasca o diretor:
- Eles são muito americanizados, seguem os padrões da indústria americana de cinema, trabalhando apenas 12 horas por dia, e ainda querem intervalo para almoço.
Parece que o estranhamento de Yu é o mesmo da equipe dona da casa. Perguntada sobre qual a principal diferença no fazer cinema chinês e brasileiro, a atriz Tainá Muller, que encarna Rita no filme, responde:
- A rapidez. Eles filmam com um ritmo que nunca tinha visto no cinema brasileiro. Eles também acham estranho essa coisa de parar para almoçar, ter folga... (risos). Mas eu não esperava diferente. Quando morei na China chegava a fazer um catálogo de 200 roupas em menos de quatro horas. É o ritmo dos chineses. Outra coisa que achei diferente foi a preocupação com detalhismo, o cuidado com a estética e a fotografia. Não que no Brasil não tenha, mas acho que culturalmente os chineses são mais atentos aos detalhes e isso acaba imprimindo na tela.
Plastic City não tem data para estréia no Brasil, mas segundo Yu, ocorrerá entre outubro e setembro. E o que esperar?
– Eu acho que essa questão é realmente um mistério (risos). Não sei mesmo o que os brasileiros vão achar do filme. Quando assisti, achei muito curiosa a leitura do Yu Likwai. Por exemplo, tem uma cena super violenta de assassinato que ele colocou de trilha sonora um forró. E não é que combinou? - diz a atriz.
A audiência em Beijing, onde o filme foi exibido em agosto, curtiu. Faltou o carnaval, claro, mas muita favela de Cidade de Deus e a violência retratada na história dirigida por Fernando Meirelles e que virou febre mundo afora aparecem também, satisfazendo os olhares gringos e dando a eles a falsa impressão de que, enfim, este é o Brasil. Não que não seja também, mas é muito mais, você entende, não.
Tainá contracena com o japa Jô Odagiri, escolhido a dedo pelo diretor, mas cuja limitação da língua acabou por deixar o samurai dublado tanto em português quanto em mandarim. Pena. O peso pesado do filme é o Anthony Wong Chau-Sang, que vive o chefão Yuda. Para o público asiático, ele é o cara dos filmes de gangues e máfias. E tá dublado bem poucas vezes, para sorte dele.
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Na web chinesa, o filme já está no ar, basta acessar aqui
http://v.youku.com/v_show/id_XMTExMDg2NzA4.html
O nome em mandarim é 荡寇 (Dangkou), ou Anti-Pirataria. Um bom título, porque o filme trata disso. Tema, aliás, espinhoso para quem produz arte. E pirataria atrapalha o cinema, caríssimo diretor?
- Não, o que atrapalha o cinema é a fixação da audiência pelos filmes feitos segundo o modelo norte-americano - disse o senhor
Yu, para a platéia que o acompanhava aqui em Beijing.
Se não tem tanto problema, clica sem medo no link do Youku e curte no teu computador.
Para quem não sabe, o Youku é praticamente o paraíso online de séries e filmes na China. Só cresce e vai muito bem, obrigado, graças ao sem número de concessões - ou inexistência - da lei chinesa sobre propriedade intelectual. Aqui - http://raulnachina.folha.blog.uol.com.br/arch2009-08-23_2009-08-29.html#2009_08-24_06_49_08-130436097-0 -, entrevista impagável do gerente de relações internacionais do site ao jornal Folha de São Paulo. Curtam este pedacinho, pelo menos, postado pelo jornalista Raul Juste Lores.
"Por que as empresas chinesas pagam por anúncios de dez segundos antes de cada episódio americano, o que não acontece com as novelas chinesas?", pergunto. O relações públicas perde a diplomacia. "Se for para escrever sobre Youku e pirataria, a entrevista está encerrada", responde, aos gritos. "Dou entrevistas à CNN e à Fox sobre internet livre. Se for para nos acusar de pirataria, não."
Há uma semana
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