segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Carne de ovelha é massa

Carne de ovelha é massa

Primeiro, várias informações. Lá no sul do Brasil, a gente come carne de ovelha, não venha com cordeiro, carneiro ou sei lá como o resto do Brasil chama o animal. Segundo, em Beijing, há um prato bastante típico chamado 羊蝎子, que ao ler você deve pronunciar Yang Xiezi, um hot pot com carne de ovelha. Se você não sabe o que é hot pot, a explicação fica um pouco mais comprida, mas tentarei resumir. Trata-se de um prato chinês em que os ingredientes chegam à mesa crus e você os cozinha num molho previamente temperado que fica borbulhando em uma panela quente ao centro. A foto abaixo (roubada do site chinês dianping - http://www.dianping.com/shop/2400490-, um guia (também) de restaurantes que conta com atualizações e contribuições dos usuários) dão uma mostra sobre o que estou falando.

Pois no último sábado, dia de pagar o aluguel, fui convidada pela dona do apartamento onde moro para almoçar com ela, a irmã e o filho. Ótimo para socializar, treinar o chinês e conhecer um restaurante com gente local - elas moram na região desde que nasceram, sabem tudo de Niu Jie (牛街), reduto dos chineses muçulmanos, tanto os da etnia Hui, praticamente iguais à maioria Han, mas com a crença muçulmana, e os uigures, majoritariamente de Xinjiang, a região que se tornou conhecida em julho deste ano mundo afora, depois de ser sacudida por confrontos mortais entre a tal etnia uigur e os chineses Han. Mas estamos aqui para falar de comida, que é o que interessa neste post. Questões políticas e afins, em outras seções deste site, pois.

A escolha das anfitriãs foi o 老诚伊, que se lê Lao Chengyi e que não significa outra coisa, segundo minhas pesquisas, que o Velho Chengyi. Só consegui chegar à conclusão de que Chengyi é um nome, e deve ser um nome dum cara legal. A comida era uma delícia. Primeiro, chegaram suculentos pedaços do que era a costela da ovelha, que logo eram acrescentados ao molho fervente. Passados uns cinco minutos, com os palitos numa mão e uma luva em outra, estávamos nós saboreando a dentadas. De dentro, pedacinhos de tutano eram extraídos com os palitos, por aqui conhecidos como 筷子 (kuazi) e, ainda que eu tivesse os meus próprios, outros e outros chegavam ao meu prato, direto dos ossinhos das ex-ovelhas da dona do meu apartamento e da irmã dela - não, não me perguntem os nomes, não que elas tenham pedido anonimato, eu que sou péssima em chinês. Coisa de ser convidada de honra.

A experiência foi ótima. Tudo bem que a gente não possa dizer que a conversa tenha fluído às mil maravilhas, mas conversamos e conversamos bastante. Claro que não tanto quanto eu gostaria. Imagine que uma chinesa da gema te diz que "中国二十这年的变化可真不小",  ou alguma coisa assim, que você poderia ler como "Zhongguo ershi zhe nian de bianhua kezhen buxiao" e entederia como "A China mudou muito nos últimos 20 anos" e você só pode concodar, "Sim, mudou pra caramba". E não pode perguntar por quê porque não sabe perguntar e nem entenderia a resposta. Frustrante. Mas, bom, nós estamos falando de comida, então não fiquemos triste por falta de capacidade de papos mais sérios.

E eis que entre um tutaninho e outro, outro quitute era adicionado ao molho já bastante espesso e fervente na nossa panela aquecida por uma destas chapinhas elétricas - que eu sei lá se tem ou não no Brasil, mas é que capaz que tenha. Um quitute que em mandarim eu não soube saber o que era, mas a experiência de tantos mocotós me fez pensar que se tratasse de intestino de ovelha. Então resolvi pensar que não estava entendendo, enquanto me deliciava com mais e mais pedaços que vinham parar no meu prato. E ainda tinha batatas. Porque "老外非常喜欢土豆", isso foi fácil de enteder, "Estrangeiro adora batata", ou "Laowai feichang xinhuan tudou". 

Pra finalizar o almoço banquete, depois de eu nem conseguir praticamente respirar, chegou a hora dos 面片, ou massa. Além de ser uma delícia, dá uma prova de que macarrão é mesmo cosia de chinês. A coisa chega em tiras grossas à mesa, trazida por uma garçonete. Então, na frente dos clientes, ela faz um balezinho de massas, esticando e puxando, como diria a Xuxa, e o que era grosso vira uma massinha fina, coisa fina de se comer. Preparado, claro, no caldo mais que espesso depois da comilança. 

Super aconselho. Claro que depois de ter enchido a barriga - até demais, só consegui comer no dia seguinte, no almoço -, eu ainda me perguntava onde estava a beringela. Por que desde a hora do convite, a dona do apartamento me perguntava se eu gostava de comer beringela. Pelo menos era isso que eu havia entendido.

- 你喜欢吃茄子吗? - Ni xinhua chi qiezima?

E para que perguntar tanto se nem tinha beringela. Pois foi só hoje quando descobri que o prato principal se chama 羊蝎子, ou yang xiezi - cujo som xiezi se aproxia do qiezi, por mais que isso possa parecer estranho aos não iniciados no pinyin, que é como os chineses romanizam os sons dos caracteres -, que caiu a ficha que ela nunca me perguntou sobre beringelas. Agora vocês imaginem que perigo se eu perguntasse mais sobre as mudanças da China, o que eu poderia ter achado que teria entendido. Pelo menos, aprendi que tem coisas que não mudam, minha dificuldade com o chinês é uma delas.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Camaradas, é hora da política de abertura!

A China anunciou hoje, véspera do Dia Mundial de Lutra contra a Aids - comemorado em 1° de dezembro -, que poderá permitir a entrada de estrangeiros portadores do vírus HIV no país, extinguindo uma regulamentação de mais de 20 anos aprovada no final da década de 1980 para tentar impedir o crescimento no número de casos no país. 

A primeira vez que a China registrou oficialmente um paciente com Aids foi em 1985. Hoje, o que há de oficial é uma estimativa do Ministério da Saúde, segundo a qual 740 mil pessoas seriam portadoras até o final deste ano.

– Eu espero que a China termine com a proibição de uma vez por todas até a Expo Shanghai - disse ao jornal em inglês China Daily o vice-ministro da Saúde, Huang Jiefu. 

O plano chincês para a exposição mundial, que vai de maio a outubro do ano que vem, é o mesmo adotado para a Olimpíada, quando foi permitida a entrada de turistas portadores do vírus, mas apenas durante aquele período. A esperança é que desta vez a medida não seja apenas temporária e faça com que a China abandone a lista dos poucos mais de 70 países que oficialmente barram pacientes com HIV. 

Hoje, o turista deve informar no cartão de entrada na China - a serem entregues nos guichês de imigração - se é portador do vírus. Aqueles que querem visto no país por mais tempo, como as modalidades para residência ou trabalho, devem se submeter a exame de sangue. Quem tem Aids, tá fora. 

Na matéria de hoje, a agência estatal nega que o cuidado seja sinônimo de preconceito ou desinformação, mas principalmente uma preocupação com possíveis gastos com cuidados médicos para estes turistas ou moradores eventuais (http://news.xinhuanet.com/english/2009-11/30/content_12562502.htm). Vai saber, né. 

Independente da motivação, a Aids é sim tabu e preconceito puro por estas bandas. Você nem precisa ser jornalista como eu, caso não seja tão preconceituoso quanto os meus coleguinhas chineses, para sacar que a área de destaque no site hoje liga automaticamente a Aids à comunidade gay - notadamente os homens gays, como se lê nas primeiras linhas da matéria sobre o primeiro bar gay oficial da China (http://news.xinhuanet.com/english/2009-11/30/content_12563452.htm). O lugar, ao qual eu não irei e não sei quem vai, ficará em Dali, cidade de Yunnan, a província chinesa que teria o maior número de casos de Aids, segundo o governo. Pois no lugar em que não será servido álcool, os clientes terão acesso a informações. Ou desinformação, vamos combinar.

Um país que trata de Aids como um problema ligado à comunidade gay masculina (as lésbicas seriam menos afetadas porque, em geral, são mais fiéis e mantêm uma mesma parceira por mais tempo - pô! não sou em quem tá dizendo, leia o link ali de cima, é em inglês, mas eu sei que você entende) só pode começar super errado na prevenção de uma doença que, como o próprio governo reconhece, implica gastos robustos em tratamento de saúde. Lembro que no distante 2005 eu trabalhei em um especial tambémsobre o 1° de dezembro, quando um dos motes era focar nas mulheres heterossexuais portadoras do vírus, que contraíram de diversas formas - em relações sexuais heterossexuais estáveis inclusive. E isos que não se tratava de nenhuma inovação. Mas aqui na China...

Aproveitando o mote gay da história toda, a Xinhua encerra seu quadro de chamadas para lembrar o Dia Mundial de Luta com a história de Wei Xiaogang (http://news.xinhuanet.com/english/2009-11/29/content_12559364.htm), documentarista que saiu do armário - na maravilhosa expressão chinesa 出柜, que se lê chu gui e significa exatamente sair do armário, dã! - e sofreu com isso, já que preconceito aqui é coisa bem séria. Não bastasse uma das principais missões dum chinês na vida ser a de produzir descendentes, homossexualismo aqui foi considerado doença mental até o ano 2001. Oficialmente, eu digo. Na prática, suspeito que ainda seja para muita gente, viu. 

Pois bem, como este papo tá pesado e afinal, que as pessoas sejam felizes, sigamos com a história do Wei. Ou melhor, com as histórias feitas pelo Wei. Ele mantém o site www.queercomrades.com - em chinês e inglês - e produz diversos documentários sobre o tema. Neste aqui cujo link é este grandão e super vale o clique, http://you.video.sina.com.cn/b/23280532-1286173051.html, ele conversa com dois pais, o Papai Sun e a Mamãe Wu, cujos filhos saíram do armário. Como perceberam que a decisão dos filhos implica em problemas familiares, resolveram, se não sair do armário, pelo menos sair de casa e se engajar à comunidade gay para ajudar quem não consegue falar, ajudar outros pais.

Bueno, o título deste post se refere aos Camaradas, 同志, ou tongzhi, em mandarim, que era como toda e qualquer pessoa era tratada por toda e qualquer pessoa por aqui nos tempos de maoísmo ferrenho e que hoje virou gíria para designar gay. Só para finalizar, 同志们出柜吧!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

twitter是什么?

No dia em que o presidente norte-americano, Barack Obama, conversou com estudantes no Museu de Ciências e Tecnologia de Shanghai, ou seja, nesta segunda-feira, a pergunta "O que é twitter", a mesma que dá título a este post, foi a maior ocorrência no Google chinês. A segunda foi 奥巴马上海, caracteres que em português se traduzem como Obama Shanghai.

O encontro de Obama com a juventude foi tão propagandeado quanto negociado entre as partes chinesa e norte-americana. O resultado, um teatro mal ensaiado - no qual todo o mundo embarcou em papéis mal interpretados. 

Obama já era celebridade entre os jornalistas e twitteiros chineses na véspera da visita de quatro dias ao país, que inclui além de Shanghai, a capital, Beijing. Na manhã de segunda, praticamente não havia outro tema no twittermundo destes pagos. E a coisa se desenrolou ao longo do dia, muitas das vezes acompanhada da hashtag #obamacn, quando a limitação de 140 caracteres por post permitia. E tão estrela quanto Obama, só o twitter mesmo.

O presidente respondeu a oito perguntas durante encontro de uma hora (começou às 12h50min, horário local), a maioria enviada por internautas por meio de um fórum aberto pela agência estatal chinesa. A questão sobre a venda de armas pelos Estados Unidos  a Taiwan estava lá, segundo a própria Xinhua havia cantado a pedra no sábado. A pergunta teria sindo feita por um suposto jovem empreendedor taiwanês com negócios em Shanghai que via os lucros aumentarem, mas estava preocupado com uma possível ajuda alheia à ilha que insiste em não ser China. Tipo, "senhor presidente, o senhor bem vê que todos estamos crescendo, os taiwaneses estão bem felizes com os laços junto à parte continental, então assuma de uma vez por todas que os EUA não apoiam qualquer movimento independentista da ilha". Obama não respondeu nem sim, nem não, mas reafirmou a soberania chinesa e a política oficial de Uma Só China, a que bota sob o mesmo chapéu todos os territórios que não eram antes ou aqueles que ainda não querem ser chineses - apesar de que a estas alturas, com tanto poderio político-econômico, eu bem acho que o que vale é alguma liberdade a mais de expressão e de preservação cultural, porque viver à sobra de Beijing nem é tão mal. Chame de universo paralelo ou nova conformação do poder mundial, mas se você acha que a China já invadiu seu mundo, você ainda não viu nada, a coisa tá só começando. E tem muita gente que não quer perder os benefícios de estar na crista desta onda. 

Digamos que o Obama também não e, apesar de estar do lado de lá da força, agora fala em diálogo forte, cooperação pragmática e todas estas expressões caras à diplomacia e que se traduzem em esforços para estabilizar a economia mundial, conter os perigos das mudanças climáticas e garantir a não proliferação de armas nucleares - com especial atenção para dois países especialistas em aprontar neste plano, o Irã e a Coreia do Norte. Hoje, depois de encontro com o colega chinês, Hu Jintao, ambos assinaram uma declaração conjunto que abrange um leque amplo de temas - estes aí de cima e outros mais -, numa retórica um tanto conhecida, um chover no molhado sobre o qual ninguém pergunta.

Ninguém mesmo. Na ENTREVISTA COLETIVA que se sucedeu à assinatura do documento, os repórteres foram avisados de que não poderiam fazer... perguntas. Gargalhada geral na platéia, me contam meus amigos correspondestes. Engraçado mesmo, não fosse também trágico.

A China tem suas formas clássicas de encenar grandes circos. Obama protagonizou um destes. Lembram do encontro com estudantes de que falei no início deste post? Pois muitos que estavam ali, principalmente aqueles que fizeram perguntas, pertenciam à Liga Jovem Comunista, tipo assim, aquela parcela de gente que já cresce com futuro brilhante, seguindo a cartilha oficial. Uma menina que não disse o nome, porque não é boba, garantiu à reportagem do New York Times que foi instruída durante quatro horas antes do encontro com Obama sobre o que deveria ou não falar. Eu sei que o link é grande e o texto é inglês, mas se você ficou curioso sobre o que o jornalão norte-americano tá contando hoje sobre a visita, pode clicar aqui http://www.nytimes.com/2009/11/17/world/asia/17prexy.html?pagewanted=1&_r=1&th&emc=th.

Bueno, de tudo o que se disse, o mais importante foi o fato de Obama dizer que não usa o twitter - momento em que respondeu à única pergunta escolhida pela embaixada norte-americana aqui na China e que poderia causar algum desconforto. A pergunta era clara: os internautas chineses têm direito à acessar o twitter, na opinião de Obama? Mais uma vez, ele não disse que nem sim, nem não, só que acredita no fluxo livre de informações que, em última análise, apesar de permitir a publicação de críticas, serve para fortalecer ou ajustar pontos de vista e políticas. E o mais revelador: ele mesmo não usa o twitter, por se achar desajeitado e ter dedos grandes para digitar no celular. 

Tipo assim, o @barackobama também é teatrinho? Parem as máquinas que eu quero descer.

As fotos foram roubadas do especial oficial sobre o presidente, que você pode conferir aqui, feito pela toda poderosa Xinhua www.chinaview.cn/obama0911. Obama na Cidade Proibida, que fez questão de conhecer na fria tarde de terça-feira (fez 1°C hoje, a máxima, eu digo) na primeira visita a Beijing e Obama com os estudantes em Shanghai, quando mostrava o tamanho dos dedos. Acho que era isso, assim espero, pelo menos.

domingo, 15 de novembro de 2009

Pragmatismo com características fofas

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chega à China neste domingo para a primeira visita de Estado ao país com um objetivo: construir uma cooperação pragmática, segundo adiantou em discurso na sexta-feira à noite no Japão, na primeira escala da turnê de nove dias à Ásia. O que exatamente isso significa eu não sei, mas é como se se manter aliado à China fosse cada vez mais importante. Obter a confiança de uma das mais novas lideranças globais, indiscutivelmente ganhadora de muito terreno no plano político asiático e africano, para citar apenas duas regiões sobre as quais o Partido Comunista Chinês (PCC) estende os tentáculos, é tarefa das prioritárias.

Aliás, eu não sei exatamente o que esta agenda toda pretende, mas eu sei quem sabe, a Cláudia Trevisan, então faça o favor de ler a matéria dela de hoje no Estadão, cujo link é este mesmo que segue aqui http://tinyurl.com/yc2ee2v.


Voltemos ao Obama. Obama começou a delinear os frutos positivos que busca colher deste périplo ainda em junho, quando informou ao Dalai Lama, que visitaria Washington em outubro, de que não o receberia na Casa Branca – a primeira vez que isso acontece desde 1991, quando Bush, o pai, deu início às recepções presidenciais ao líder espiritual em cada uma de suas idas à capital norte-americana. Melhor não cutucar a onça com vara curta – o que poderia ser até piada pronta, caso os chineses tivessem esse ditado por aqui.


Obama, ao contrário, já começou adulando o governo chinês em solo japonês.


- Os Estados Unidos não querem conter a China, ao contrário, o surgimento de uma China próspera e poderosa pode ser uma fonte de força para as nações – disse Obama, que um dia depois estaria com o colega chinês, Hu Jintao, em Cingapura,  durante encontro da Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (Apec, na sigla em inglês), grupo de 21 economias da Ásia, criado há 20 anos.


Cingapura pode ser um termômetro do que está por vir em Shanghai e Beijing. Troca de carinhos e pouca prática. O que os líderes acordaram é que não haverá grandes consensos em dezembro durante a Conferência do Clima de Copenhagen, que acontece de 7 a 18 do mês que vem e sobre a qual o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, alçava ao status de fundamental para o avanço do Protocolo de Kyoto, que expira em 2012. Obama e os amigos, no entanto, se comprometeram em empenhar grandes esforços políticos para a conclusão da Rodada de Doha em 2010 – outro destes planos mundiais de melhoria para todas as nações que nunca anda, que já nasceu emperrado, em 2001, no Catar, ainda que tenha como objetivo derrubar barreiras comerciais entre os países, em cartilha moldada e abençoada pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Aliás, todos os membrinhos bonitinhos da Apec e convidados especiais também juraram não lançar mão de protecionismo, que só faz o bem a curto prazo, mas a gente precisa pensar grande. Papo aprendido na cartilha, super bonitinho.


Mais bonitinho do que isso, só a foto oficial do evento – a que abre este post e sobre a qual a assessoria do encontro não colaborou, só botou a versão em baixa resolução no site (www.apec2009.sg) - em que os presidentes aparecem vestidos com roupa local. Aliás, voltando ao Obama, ele já avisou que quer ver todos de camisa floreada e saia de palha na versão hawaiana do encontro, para a qual os convidou em 2011. Ele está que é todo prosa junto aos olhinhos puxados. Numa declaração dúbia, sobre a qual ninguém arrisca dizer se Obama garante que os EUA estarão nessa ou se apenas quis dizer que acha a ideia super, o presidente foi só elogios ao tal Acordo de Parceria Estratégica Trans-Pacífico,  tipos um super acordo de livre mercado da Apec, que já angariou as adesões do Chile, da Nova Zelândia, de Cingapura e de Brunei (ô, agora vai). Seria só mais um dos passos do grupo, que, segundo expectativa da China, pode lançar mão de uma área de livre comércio já no ano que vem, justamente a Ásia Pacífico. Alguém duvida que neste turbilhão de planos os chinesinhos assumiriam o protagonismo? Os EUA que se cuidem.


Pois hoje, acho que pensando no bem dos norte-americanos, a Times deu como capa dicas preciosas aos atuais donos do mundo, mas talvez não por muito tempo no posto: Cinco coisas que os EUA podem aprender com a China (http://tinyurl.com/yjbn8f7) e os chineses. São elas: ser ambicioso, reconhecer a importância da educação, cuidar dos mais velhos, guardar mais dinheiro, olhar além do horizonte. De repente caiu comigo aqui a ficha que a fórmula bem que poderia ser copiada pelo Brasil.


O texto de Bill Powell, há cinco anos na China, mescla políticas governamentais a características culturais chinesas, numa mistura de público e privado que tem tudo a ver com a nova ordem estabelecida pelo PCC. E viva o socialismo com características chinesas, para bater na mesma tecla que você, leitor do bloguinho, já deve ter cansado de ler.


Anyway, Powell começa agressivo, ressaltando o vigor juvenil da nação de 5 mil anos, ante uma apatia presente no capitalismo careca e de dentes frouxos dos Estados Unidos – as metáforas dele até são outras, mas você entendeu.  A coisa começa pela ambição, em dois exemplos significativos da força chinesa: o fôlego sem fim para a construção de ferrovias cortando o país de leste a oeste e a promessa de que até 2015, toda a frota de ônibus das 13 maiores cidades chinesas serão equipadas com veículos elétricos – sinal de que a ambição chinesa enxerga além do horizonte, o último dos tópicos destacados pelo repórter da Times, garantindo liderança em recursos logísticos e preocupação ambiental.


Quando se fala em educação, então, alem dos espantosos mais de 90% de índice de alfabetização, o repórter destaca a importância que é dada a questão, muito devido à pressão absurda enfrentada pelos filhos únicos mas que, em última análise, será responsável por formar profissionais ao menos bilíngues, quiçá poliglotas, em diversos ramos.  Como o texto destaca, a China é a fábrica do mundo não pela mão de obra barata, mas pela mão de obra qualificada (tá, e barata, vamos combinar). Bueno, a questão educacional é bom nem comentar, que dá arrepios, se compararmos ao Brasil. Enquanto dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2008 mostra que 97,9% das crianças entre sete e 14 anos estavam matriculadas no Ensino Fundamental – ok, bacana -, a pesquisa 2009 revela que na faixa de 25 anos a 64 anos, aqueles com mais de 11 anos de estudo representavam 23,8% desta fatia da população, um quadro bem modesto diante dos 88% alcançados pelos EUA e pela Rússia. Apesar de não ter os dados chineses, tenho medo de ficar vermelha outra vez. Nem procurei muito.


Bueno, voltando aos holofotes obamaniáticos na China, o que se espera dele nesta segunda é um encontro com jovens em Shanghai, onde serão apresentadas algumas questões enviadas por internautas a um fórum organizado pela agência estatal chinesa, a Xinhua. As perguntas vão de estapafúrdias curiosidades acerca de quem paga os modelitos desfilados por Michelle, a se os EUA venderão armas a Taiwan. Em espaços não moderados pelo governo, o que os internautas queriam mesmo saber era se Obama pressionaria pelo fim de tanta censura internética. Neste ponto, talvez quem esteja sendo pragmático mesmo seja o governo chinês que, segundo rumores, proveria ao todo poderoso norte-americano usuários com acesso especial à web, a fim de que Obama ficasse online nos seus perfis de twitter e facebook, tão caros à eleição do presidente e à manutenção de seus status enquanto figura pública fofa.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O jeito sutil chinês de dar o recado

A coisa pesaria no meu bolso, então resolvi ler direitinho matéria do China Daily, o jornal estatal chinês em inglês, sobre o aumento da tarifa de táxi em Beijing (http://tinyurl.com/ybfbe7p). A cada viagem, excetuando-se aquelas de tarifa básica (10 yuans, uns tipos R$ 2), será preciso pagar 1 yuan a mais - ou R$ 0,25, mais ou menos, sei que você já fez a conta. Bacana, nem vai doer tanto assim. Mas será a partir de quando que terei de dar o valezinho-gasolina-gás-ou combustível que o valha para o shifu, o mestre, como chamamos os taxistas por aqui?

Quem informou sobre o aumento não quis dizer a partir de quando a medida entra em vigor, segundo o jornal, cara de pau, como se todos não bebessem da mesma fonte, as tetas do governo chinês. O todos, no caso, são o entrevistado, o redator e o editor da matéria. Gente, chocadíssima com o jeito local de fazer jornalismo - ao qual não, não me acostumei. Nada que não pudesse ser suplantado pelas novas informações da tarde.

Circulou ontem pelo twitter (ao qual temos acesso usando outras plataformas) que o Barack Obama, o modelo do boneco de cera que abre este post, poderá atualizar aqui da China tanto as contas do twitter quando do Facebook, ambos bloqueados no país. É que para o presidente norte-americano, que visitará Shanghai e Beijing na semana que vem, há tratamento especial. Aliás, quem quiser conferir o Obama de cera aí de cima, deve ir a Shanghai também, aqui seguem os detalhes do museu: http://www.madametussauds.com/.

Deve ser para que o presidente não se sinta preso no Great Firewall of China, um trocadilho com a Grande Muralha (Great Wall, em inglês). Até porque o próprio porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Qin Gang, lembrou ontem o quanto Obama, um negro, deve saber dar valor à liberdade. 

- Ele é um presidente negro e entende o movimento de abolição da escravatura e a importância de Lincoln para o movimento - disse Qin, ao citar o ex-presidente Abraham Lincoln (1809-1865), responsável por muito debate em relação ao fim da escravidão nos Estados Unidos (e, depois, pelo fim da escravatura). Você pode ler aqui - http://tinyurl.com/ydkd5lb - caso duvide do que estou escrevendo.

A referência à cor de Obama, como se o fato de ser negro lhe imputasse mais compaixão pela causa escravagista - ou como se carregasse nos genes lembranças dos maus tratos sofridos pelos antepassados -, surgiu para lembrar que o presidente tem de entender o quanto foi importante para o Tibete a China ter libertado a região do regime escravagista perpetrado pela teocracia de Dalai Lama - figura com quem Obama já anunciou um encontro em um futuro próximo. E, bueno, a China sempre se opõe a qualquer encontro de qualquer líder mundial com o tibetano. 

O Obama negro terá carta branca para twittar, mas não poderá dar um pio sobre o papel humanitário desempenhado pelo Dalai. Liberdade, mas sem abusar. Coisas da China paradoxal.

Noutro movimento midiático interessante que mostra o quão sutil, ingênua ou esquizofrênica é a mídia chinesa, a agência estatal, a Xinhua, lançou uma parceria com a Unicef para comemorar o Dia Internacional da Infância, neste 20 de novembro. Num esforço para pautar os veículos mundiais, promete cobertura multimídia 24 horas e até criou selo para marcar a iniciativa. Então lá estou eu lendo o especial - http://www.chinaview.cn/ucd2009/ -, quando me deparo com uma notícia exaltando a qualidade da educação da Coreia do Norte.

Tudo bem que sejam vizinhos e compartilhem interesses políticos - a Coreia do Norte só é a Coreia do Norte porque a China tem muito a ver com aquilo -, mas exaltar ao mundo algum tipo de feito do governo norte-coreano é exigir demais da paciência alheia. E então me pergunto se é birra ou ingenuidade. 

O texto (http://tinyurl.com/ygorqwm) vai contando que a educação prima a formação de geniozinhos, muitos dos quais descobertos já nos jardins de infância, onde os professores são treinados para terem olhar apurado para aqueles pitocos que desenvolvem habilidades extraordinárias. Já viu o sufuco que os pobres vão passar, né: terão treinamento mais rígido, aprenderão a adorar ainda mais o sistema governamental e a gente acredita em Papai Noel. Em tempo, as crianças norte-coreanas, não. Por lá, o feriado cai no aniversário de Kim Il-Sung, o fundador da república que na China tem nome oficial de Democrática e Popular, quando as crianças recebem presentes. Meigo, não?

A montanha do imperador

Beijing teve a pior nevasca em 54 anos nesta quinta-feira, quando a humidade, quase nunca presente no inverno da capital chinesa, esteve sempre próxima ou superior aos 90%. A partir do dia seguinte, a sexta, a previsão voltava ao que se considera normalidade, anunciando dias de tempo seco. Como ainda faz frio - 0°C por volta das 11h desta sexta -, resolvi visitar um parque ainda desconhecido por mim, o Jingshan (景山公园), ou Parque da Montanha Panorâmica (Bah, esta tradução foi em quem fez, sei lá, não me soou bem. Azar). 

Voltemos ao que interessa. A Jingshan foi uma boa pedida para quem quis dar uma olhada nos tetos brancos da cidade antes que o gelo derretesse todo - por volta das 15h, a temperatura já estava em altíssimos 5°C.

O Jingshan fica no eixo central Norte-Sul de Beijing, ao norte da Cidade Proibida, que por aqui se escreve 故宫 e atende pela alcunha de GuGong. É o mesmo eixo do Templo do Céu, da Praça da Paz Celestial, das Torres do Sino e do Tambor e, claro, da principal obra dos tempos olímpicos, o Ninho de Pássaro. Ou seja, um eixo muito nobre, de construções que pontuam diversos momentos da história de Beijing. Aliás, a própria montanha em questão é uma construção, dos tempos da Dinastia Ming (1368-1644), feita com o material retirado para a formação dos canais que circundam a Cidade Proibida e outros interligados à rede. Em 23 hectares, há cinco picos, cada um com um pavilhão - dentro de um dos quais, há um Buda gigante.

O parque foi erguido para atender aos anseios imperiais de um bom fengshui, que advoga que as residências devem ficar ao sul de uma montanha. E ao norte do enorme complexo imperial, não havia uma. Se o imperador não vai à montanha, a montanha vem ao imperador, lembram? Pois então, uma vez que a montanha tenha vindo, o imperador de então - e os outros que se seguiram - acharam por bem manter o local restrito a quem merecia, ou seja, a corte. Afinal, montanha ir ao povo nunca pegou bem em qualquer cultura ou época que fosse. A coisa só mudou em 1928, quando o tempo imperial já havia se ido na China. Antes, um tom trágico para o parque. O último imperador Ming, Chongzehn (1628-1644), ao perceber que a Cidade Proibida fora invadida pelos inimigos, se abrigou no parque também restrito e se suicidou. O local do suicídio está bem sinalizado, para quem quiser ir visitá-lo, eu passei esta.

Fiquei com as fotos, que posto para vocês. Além disso, fiquei contente em saber que esta belezura de parque, do qual se contempla toda a cidade - a proibida e o restante - se estende pelos distritos Xicheng (西城区) e Dongcheng (东城区), os dois mais charmosos de Beijing, na minha opinião. Marcando uma visita ao parque no final da tarde e me convidando para dois dedos de prosa depois, a primeira cervejinha em NanluoguXiang fica por minha conta, ok?

***
Ah, para chegar ao Jingshan, não há estações de metrô próximas, mas você pode aproveitar para conhecê-lo após sair da Cidade Proibida ou pedir para ir direto para lá para qualquer taxista.

A taxa de entrada é de 2 yuans, o que, segundo a cotação de hoje, dá bem pouco mais do que R$ 0,50.

A cidade descolorida

Eis alguns cliques da Cidade Proibida, do Norte para o Sul, de um dos cinco picos - o mais alto deles - do parque Jingshan, também chamada de Montanha do Carvão, ou 煤山 (Mei Shan) e também Montanha do Fengshui (风水山 - Fengshui Shan), segundo explicação acima.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Vai um beijinho aí?

Enquanto isso aqui na China, a Liga Jovem Comunista organiza patrulhas no campus para que os estudantes não caiam em tentação. Qualquer demonstração pública de carinho está proibida, inclusive sentar lado a lado, num chamego mais evidente. E vamos com mais travas num povo que já é travado, tem uma sexualidade complicada já de berço – e educação sexual zero.

A Forestry University, de Nanjing, uma das capitais chinesas dos tempos do Partido Nacionalista, lá para os lados de Shanghai, recrutou cem estudantes, todos de baixa renda, para patrulharem o campus entre 10h e 21h. Quem fizer vistas grossas, diz o próprio jornal estatal Shanghai Daily (http://www.shanghaidaily.com/article/?id=418981), pode ser punido pelos professores.

A repressão aos pombinhos se dá por meio do olhar. O tal patrulheiro mala – que traz uma braçadeira vermelha de identificação -, se planta em frente aos dois e começa a encarar.


Vai encarar esta bronca? Tem gente que cede, devido à intimidação, mas já houve casos de patrulhadores, patrulheiros, seja lá que nome casa melhor com a prática, que foram insultados e até andaram se não apanhando, levando uma pára-te quieto. Ouh lala.


Isso me lembra que no Brasil a patrulha anda feia também, mas com estudante de roupa, sem roupa, pouca roupa. E um alarde midiático que já me torrou a paciência. Alguém vem aqui por os holofotes nestes pobres namoradinhos vigiados?


Ah,na matéria do Shanghai Daily, a intenção da patrulha é limpar o ambiente universitário. Então tá.

Uns livrinhos chineses na biblioteca

E de repente pintou uma curiosidade sobre a China, ou é hora de vir para cá. Depois de já ter percorrido a internet, o melhor é correr à livraria mais próxima e mais barata para dar uma geral nos livros. Há vários títulos publicados, mas alguns podem dar boas pistas sobre o país. Fiz esta lista a pedido de um amigo e aproveitei a deixa para publicar aqui. Todos os títulos estão disponíveis em português.

Livros dos amigos
O Felipe Machado escreveu no ano passado um livro tri divertido sobre a China, Ping Pong, sobre a cobertura da Olimpíada. Mas tem muito aspecto de Beijing, do cotidiano ali, acho que ele pescou direitinho. Uma delícia de ler, e ainda tem endereços dos lugares que ele visitou. Serve como um guia. 

A Cláudia Trevisan escreveu recentemente Os Chineses (imagem de reprodução da capa), que dá um panorama histórico bem legal, além de explorar aspectos atuais, contemporâneos, cotidianos e culturais. Li em dois dias. É o primeiro livro do gênero escrito em português, por uma brasileira. Ótimas sacadas e comparações entre os dois países.

Memórias
Os cisnes selvagens é um clássico, fala de três gerações de mulheres, da era pré-Mao à era Mao, que conta a história da Jung Chang, escrita por ela mesma, de sua mãe e de sua avó.

Caminhos da China, do jornalista norte-americano John Pomfret é uma mistura das lembranças do autor à vida de cinco colegas dos idos de 1978 retratadas a partir dos relatos já nos anos 2000. Foi um jeito bem peculiar de acompanhar as mudanças da China. Curti o livro.

Adeus, China, do bailarino Li Cunxin, fala da vida durante o maoísmo, de o quanto ele curtiu o mundo lá fora, de como foi difícil abandonar a família, de vários aspectos provocados pelo comunismo no país, à época em que ele era bem mais fechado que agora. Tem este toque de arte, porque o cara é bailarino, fala de relações interpessoais e diferenças culturais, educação, treinamento, e por aí vai.

História
China, Uma Nova História é um livro pesadão, coxudo, de história mesmo, mas é o primeiro quando se pensa em referência, escrito por John King Fairbank e Merle Goldman. Tipo, os sinólogos bambambans, saca.

Literatura
O complexo de Di, de Dai Sijie, o mesmo autor de Balzac e a Costureirinha Chinesa (que virou filme), conta a vida de um psicanalista chinês que viveu na França por 10 anos. Apesar de ser romanceado e não deixar isso claro, é a história real de Huo Datong, o próprio psicanalista, o primeiro a introduzir a psicanálise na China, em 1996, se não me engano, na província de Sichuan, a mesma atingida pelo terremoto do ano passado.

Biografias
Mao, A história desconhecida, da mesma autora de Cisnes Selvagens, traça um Mao de uma maneira extremamente pessimista, com um olhar que por vezes beira o ódio. Mas é um livro interessante, escrito junto ao marido da Chang, Jon Halliday

Vida Privada do Camarada Mao, escrito pelo médico pessoal do timoneiro, Li Zhisui. Ou seja, prato cheio para saber os segredos do fundador da Nova China.

Jornalismo
A China sacode o mundo, de James Kynge, traz uma série de textos com viés mais econômicos, mas super bem escritos e que te puxam pra próxima história, contando um pouco do milagre perpetrado pelo poder central de Beijing.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O Obama é pop na China também

O moço da foto, Barack Obama, será a estrela da próxima semana na China. O presidente norte-americano chega a Shanghai na segunda-feira após visitar Cingapura, Tóquio e o Alasca. Na terça, estará em Beijing, onde visitará locais famosos, mas, principalmente, terá encontro com o coleguinha daqui, Hu Jintao. Depois, encerrará o périplo asiático na capital sul-coreana, Seul.

Por conta da visita ilustre, noticiou nesta terça-feira o South China Morning Post, jornal de Hong Kong e cujo artigo é só para assinantes (http://tinyurl.com/yh8rqar), o Departamento Municipal de Indústria e Comércio ordenou que lojistas tirassem das prateleiras as camisetas que trazem Obama caracterizado como um guarda vermelho, como ficaram conhecidos os estudantes e jovens chineses do exército criado por Mao em 1966 e exterminado pelo próprio partido um ano mais tarde, no início da Revolução Cultural (1966-1976).

A China não quer constranger o visitante, alvo da criatividade pop chinesa, que mistura facilmente elementos do Ocidente às referências maoístas, ícones dum tempo comunista que já se foi, mas que, em resumo, moldou a China atual. As peças vintage ocupam 11 entre dez vitrines das lojas descoladas da capital – e de outras nem tão descoladas, mas que embarcam na onda – de lugares bacanas, como é o caso da Nanluogu Xiang, rua apinhada de bares e lojas e point de quem é cool na cidade (a Cidade Baixa dos porto-alegrenses, a Vila Madalena de SP, se não estou desatualizada).

Voltemos ao protagonista. O Obama, eu não sei se está tão preocupado assim em ser cortês. O principal assessor do presidente dos EUA para assuntos asiáticos, Jeffrey Bader, já anunciou que ele vem para falar sobre direitos humanos e tocará no delicado nome de Dalai Lama – figura, aliás, que voltou hoje ao noticiário chinês após visitar Arunachal Pradesh, uma região disputada pela China e pela Índia, na fronteira entre os dois países – numa região em que se encontram Tibete, Mianmar e Butão. Haja Buda! O ato, qualificado pelo governo chinês como demonstração clara das intenções separatistas do Dalai, foi duramente classificado por Beijing, em declaração do porta-voz do Ministério dos Assuntos Exteriores, Qin Gang.

Qin trabalhou bastante hoje – numa das duas conferências semanais regulares de imprensa, às terças e quintas-feiras. Pelo menos, teve de tocar em temas chatos, na visão tão tacanha chinesa, a de preferir não comentar a ter de se defender. Bueno, na defesa, ele já avisou que os EUA não devem interferir em temas internos chineses, nomeadamente Taiwan e Tibete, segundo pontos já acordados entre as duas nações. Lembrando números do comércio bilateral, Qin ressaltou que o que vale mesmo é aprofundar os laços, numa parceria que hoje movimenta US$ 300 bilhões anuais, um baita avanço, comparados ao quase zero de 30 anos atrás.

Agora é esperar pela semana que vem.

O quinto panda marrom e branco

O quinto panda marrom e branco foi visto no domingo retrasado, 1° de novembro, na reserva chinesa de Foping, na província de Shaanxi, que fica no noroeste da China e cuja capital é Xi'an, sim, a cidade aquela dos guerreiros de terracota.

O "dono" do achado foi o engenheiro Liang Qihui, que trabalha na reserva. O quinto pandinha conhecido a trocar o preto pelo marrom teria cerca de dois meses e ainda estaria recebendo cuidados da mama panda.

Até hoje, há três hipóteses sobre os pandas de cor mutante. Eles estariam retornando às cores dos ancestrais, seriam uma variação do atual grupo ou, ainda, resultado das mudanças climáticas nas montanhas Qinling, onde vivem. Aliás, os três primeiros exemplares foram encontrados nesta mesma reserva, a Fonping, em 1985, 1990 e 1991. O último havia sido avistado em 1992, na reserva de Changqing, também na província de Shaanxi.

Fotos eu não achei, mas garanto que continuam fofinhos. Oficialmente, o governo chinês afirma que o país tem mais de 1.750 pandas, 180 dos quais vivendo em cativeiro.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Punk da periferia

faltou a foto!

Vivendo pra cachorro

Quem tem alergia a cachorros, histórias de cachorros, gatinhos e quetais, desista deste email agora. Os que não têm, encarem este texto como a despedida da Bolota, a cachorra que eu achei que não morreria mais. Pois depois de 20 anos, seis meses e dois dias, ela morreu. Na verdade, teve de ser sacrificada, a parte que eu achei triste em toda esta história.

Há dois dias que ela não andava e estava com dor, pois uivava de um jeito meio desesperado, segundo ouvi no skype, enquanto falava com meu pai e minha mãe. Ou seja, sem dúvidas de o que deveria ser feito. Ainda fiquei aqui rezando pra ela dar uma batida nas botas durante a noite, acho meio cruel a história de tomar a decisão de sacrificar, mas não teve jeito. Tadinhos dos meus pais, fiquei com pena de não estar lá em casa.

A Bolota nasceu quando a gente morava em Sanga Funda, no interior de Terra de Areia, se é que vocês podem imaginar que haja interior em Terra de Areia. Filha da Tiquinha, outra vira-latas que estava com a família havia alguns anos (e com Bolota e Tiquinha, vocês podem perceber o quanto a gente era criativo lá em casa, né), ganhou a simpatia da minha mãe porque trazia uns buracos no pescoço, causados por um fungo qualquer que a gente achava, mataria a pobre logo cedo. Esta coisa de fragilidade sempre desperta compaixão, né, não. Algumas visitas ao verterinário depois e algumas aplicações de um fungicida qualquer, eis que Bolota estava salva. E sã. 

A vida no interior foi dura. Quando a gente mora no interior, a gente não faz como as pessoas da cidade. O cachorro dorme na rua, em caixa de papelão. No inverno, os bichos até ganham algum pedaço de lã sobrado dum blusão velho, sem esta de muito luxo. Ração, nem pensar, eles comem o que sobram da casa, ninguém nunca se preocupou lá em casa se este resto era osso de galinha ou peixe com espinha - refeição entre as preferidas da Bolota, aliás.

Desde cedo ela queria ser independente. Tinha a bóia garantida, mas cresceu caçando preás, travando brigas ferrenhas com gambás, animais com cheiros ruins e cheiros bons - e vez que outra exibia cabeças de peixe em frente à casa, pra comprovar que gostava mesmo de pescado. Quer dizer, acho que pescar ela não pescava, mas tinha talento nato pra achar uma que outra carcaça na beira da lagoa.

Cachorro do interior tinha banho de sabão no tanque, jogava bola com os donos e vomitava quando tinha de andar de carro. Mas daí, em meados dos 90 ela teve a chance de ir para a cidade grande, virar cachorra de apartamento, tomar banho em petshop (palavra que ela desconhecia até mudar pra São Leopoldo). Virou até fresca, rosnava pras visitas, encontrou o canto preferido no sofá. Incrível como esta gente que sobe na vida fica esnobe.

Mas quem tem um pé na vida mundana nunca abandona a pilantragem. Foi a família decidir passar as primeiras férias na praia que a danada fugiu, deu pra algum vira-lata e lá estávamos nós, de volta ao apartamento de São Leopoldo, com a cadela dando à luz cinco cachorrinhos, um dos maiores trabalhos de parto a que assisti. Não parava mais de sair cachorro - todos nasceram saudáveis e foram devidamente doados. Bolota já era uma mãe velha, talvez na altura dos 10 anos caninos, faça a conta o montão que dá. Lembro de na época sugerir que se ficasse com um dos filhotes, pra gente manter a linhagem, afinal uma família que começa com Tiquinha é uma família de respeito. A ideia não vingou.

Perto de completar 14 anos, a gente começou a pensar o que fazer quando a Bolota morresse, e a opinião geral era que a melhor saída seria empalhar. Imagina, depois de 14 anos vivendo com o bicho, como dar tchau. Não sei se a Bolota entendeu o destino reservado pra ela, mas começou a se recusar a morrer, mesmo ficando doente vez que outra. Parece que voltava do veterinário cada vez melhor (deve ser uma das únicas cachorras que teve o mesmo veterinário durante 14 anos, ou tou errada). Depois de tantos anos sem morrer, eu já tinha me convencido de que ela já estava empalhada, só que ninguém tinha percebido. Enxergar e ouvir eram tarefas difíceis pra velha, atender ao chamado dos pais e irmãos, então, impossível. 

Aí que a centenária foi pra Guarda com a família na última Páscoa - um mês antes do aniverário de 20 anos caninos. Como não fazia barulho, vivia quietinha, foi preciso algumas horas para que as pessoas na casa se dessem conta de que ela havia sumido. Surda, nem adiantava chamar o nome da cadela. Por volta da 1h, me contaram depois, a família já estava triste, achando que a Bolota tinha se ido. Então o tio Claudinho, amigo da família e conhecedor dos hábitos boêmios dos Camara da Silveira, resolve ir ao centrinho da Guarda e quem ele encontra, molhada depois de banhos no rio e circundando os botecos: a biruta da Bolota, que deve ter saído pra ver se encontrava algum cachorrinho dando sopa. Felizmente, desta última vez ela não voltou prenha, imagina o trabalho. Se bem que até gostaria de ter um cachorrinho da linhagem Tiquinha. 

Como não tem, seguem fotos da vira-lata, uma das quais na versão punk da periferia, na praia do Curumim, em frente à casa do Tio Claudinho, onde ela tomava banho de sol ao lado da garrafa térmica enfeitada com adesivos da Ultramen, a banda preferida da Bolota, vocês bem devem desconfiar. Um dos últimos registros é do inverno gaúcho deste ano, na festa do chapéu, na casa de papai e mamãe, em São Leo, pra onde o Scooby Doo se mudou. Tinham muito em comum os dois. Como vocês podem notar, ela era a estrela do evento.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Neve em Beijing

O domingo de neve começou a 0°C, bem diferente dos 12°C registrados por volta das 13h de sábado, uma queda brusca que trouxe, com a humidade, também a neve. O governo municipal de Beijing, que sofria com a seca, resolveu dar uma ajuda e bombardeou as nuvens com iodeto de prata, fazendo com que a precipitação recrudesce e, então, pintando de branco a cidade. Ficou tão fofo.

Nunca tinha visto tanto floco tão grande cair junto e, à exceção do tempo em que fiquei na rua passando frio e sofrendo com o vento e o frio causado pelo gelo que derrete no nosso nariz, bochechas, pescoço, dedos e lentes da câmera, achei tudo muito lindo. 

Divido aí um pouco de cliques com vocês.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

The Village

Beijing tem meu shopping preferido, dos poucos que conheço, o The Village. Acho que a concepção de vários prédios um lado do outro, com um espaço gigante ao ar livre e um abuso do colorido com tons de vermelhos e verdes faz dele algo diferente.

O projeto, que reúne 19 prédios, é capitaneado pelo japonês Kengo Kuma (http://www.kkaa.co.jp/E/main.htm), que se juntou a outros cinco escritórios de arquitetura (nenhum da China, aliás) para criar o complexo, inspirado nos hutongs, as vielas de Beijing onde viviam as famílias dos mandarins há coisa de 600 anos - e que hoje acaba sendo moradia de quem é bem mais humilde. Nada a ver com o The Village. O que mais de humilde tem por ali são trabalhadores da construção civil que acabam o dia descansando em frente ao imenso telão. Super crônica da faceta cruel do capitalismo que se integra cada vez mais ao cotidiano chinês. Eles estão ali, sonhando os sonhos de consumo que a classe média - ou mais que média - realiza em lojas de médio padrão, como a japa UniQlo, a espanhola Mango, e outras cuja origem não sei, mas que têm fãs, como a Benneton e a Espirit.

Mas, bueno, além do ótimo design e da sensação de amplidão que o The Village me dá, o que eu curto mesmo por ali é comer, sempre em dois endereços, estes norte-americanos. Ou o Element Fresh (com um suco de cenoura e gengibre sensacional) e o Starbucks, o único lugar em que encontro algo parecido com o que seria um misto quente, torrada para meus queridos conterrâneos gaúchos.

Aqui, mais um pouco do The Village http://www.thevillage.com.cn/en/index.html, em inglês.

Um flagra no metrô

Toda a catigoria e o estilo das ruas de Beijing, bem perto de você, numa viagem pela linha de metrô número 10, que corta a cidade de leste a oeste, fazendo alguns zaques, outros zigues. 

O casalzinho aí desembarcou em Guomao, zona central do distrito de negócios da capital chinesa, lotado de escritórios, lojas de marcas luxuosas, mas longe de ser ponto de encontro de gente descolada, sequer patricinhas e mauricinhos. É reunião de gente comum, que trabalha de terno e tailleur, uniforme de limpeza ou que se veste como quer, ainda que pra mim, no caso da foto, lembre um estilo livremente inspirado no Falcão, o cara da pérola "Ai, minha mãe, minha mãe/ Ai, minha mãe, minha mãe/ Ai, minha mãe, minha mãe/ É a mulher do meu pai".

Som na caixa

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Pulinho na Coreia

Dei um pulinho na Coreia do Sul, mais precisamente na capital, Seul, e já voltei.
Depois conto outras novidades, mas por enquanto deixo registro das lindas flores vermelhas características do outono na região, clicadas no Jardim Secreto do Palácio Changdeok, um dos cinco de Seul e aquele ao qual se recomenda a visita, caso não haja muito tempo para conhecer os outros quatro.
O ingresso custa pouco menos de R$ 5 e as visitas são permitidas apenas com guia. Em inglês, os tours saem às 11h30min, 13h30min e 15h30min. Para chegar lá, estação de metrô Angkug, saída 3. Siga reto toda vida e se depare com o complexo, construído pelos anos de 1400. Mas como eu disse, mais eu conto depois.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Um pouquinho de comunismo

Ontem à noite conheci um restaurante que, na tradução, pode ser chamada Clássico Vermelho, ou 红色经典 (hongsejingdian), título de um dos hinos populares do maoísmo. O restaurante de Beijing é mais um do estilo, que tem como principal atrativo show de música, dança e pequenas esquetes que lembram os tempos do Mao. Pelas paredes, dizeres e cartazes, inclusive os que lembram a Revolução Cultural. Nada de grandes reflexões, a coisa é diversão.

Enquanto você paga um preço mínimo pela comida, o que a gente no Brasil chamaria de consumação e que equivale a cerca de US$ 10, assiste aos atores. Um bando de jovenzinhos que até encarnam os demônios japoneses (isso eu entendi e eles falam assim mesmo) e os inimigos do Partido Comunista, aqui conhecido como Guomintang (国民党), aqueles que foram retirados do poder depois da revolução do timoneiro - aquela mesmo que levou à fundação da Nova China em 1949 e que resultou em trapalhadas ou experimentos de dimensões que só a China pode oferecer, como a morte de milhares de pessoas por fome durante o Grande Salto Adiante ou pela violência perpetrada entre 1966 e 76, a época da famigerada Revolução Cultural, a época de maior culto ao líder, menor liberdade de expressão e pensamento e, em tese, maior ícone do fervor patriótico chinês.

Pois foi este fervor que me deixou arrepiada. Velhos, crianças, adultos, adolescentes e até bebezinhos, estes ainda sem nem entender o que se passava, estavam todos lá bem felizes acenando e respondendo às palavras de ordem da moçada no palco. Juro que fiquei com medo e este mix de orgulho com o frescor da história recente me fez, por alguns instantes, entender que é possível manipular massas. Claro, as demonstrações eram um momento de descontração, mas uma descontração que me constrange. Celebrar um passado que significou a morte de tanta gente não me parece normal. E um passado hoje posto em dúvida até pelo único partido no poder desde 1949, o comunista, que de comunista tem pouco ou quase nada.

Nos dizeres de longa vida ao pensamento de Mao Zedong e ao Partido Comunista da China, estão incluídos tantos outros elementos... Que diga a Coca-Cola, símbolo máximo do capitalismo nestas bandas chinesas, presente em um sem número de registros pop contemporâneos que fazem referência à abertura da China. Seja ela qual for.

Bueno, estas foram as minhas impressões, e você bem pode ter as suas. Vindo a Beijing, inclua um destes restaurantes no seu roteiro. A comida nem é boa, mas neste país de paradoxos, contradições e hipocrisias mil, para que se preocupar com detalhes, não é. Ah, é difícil chegar ao local, então mesmo com o endereço amigo aí abaixo, vale dar uma ligada para a atendente, que pode explicar tudo direitinho ao taxista.

红色经典

266 Baijialou, Dongwuhuan,
Chaoyang
东五环白家楼266号
Abre das 9h30min às 14h30min e das 16h às 21h30min

6574-8289

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Sambinha no Rio

Salve, gente boa.

Escrevo aqui de Beijing para convidá-los para uma festinha no Rio nesta sexta-feira, no Estrela da Lapa. Nao que eu vá estar lá - uma pena, pois amaria. 

Quem estará lá é o Tonho Crocco, que lanca neste dia o Teto Solar, o EP recém lancado lá no Sul, de onde eu venho. Aliás, é lá do Sul que vem Teto Solar, Quadratura, Árida Saudades e outros sambas, sambinhas, sambarock, sambalanco e sambasoul do Tonho.

Eu se fosse vocës náo perderia essa chance de conhecer como um gaúcho faz um bom samba. A festa é o seguinte

Nesta sexta, dia 16, Tonho Crocco (Ultramen), lança o EP "Teto Solar" na festa Sambadelic! com participacoes especiais de Rogê, Marcelinho da Lua e Marcio Local

No Estrela da Lapa (Mem de Sá, 69)
21h - o show começa às 22h

Precinho camarada da lista amiga: R$ 15 (mandando email para sambadelica@gmail.com com qtos nomes quiser). Na hora é R$ 25. Depois do show, tem o DJ Zé Octávio botando a galera pra dançar com muito sambalanço, sambarock e sambasoul.

Eu achei estas infos num fotolog, do Joca, se nao tou errada (http://www.fotolog.com/jocasan/38995129)
onde se lë ainda

Por volta das 2h estaremos (eu e Tonho) em Copacabana para a já tradicional Black Friday. Tonho assumirá seu lado DJ pela segunda vez na festa com seu set "para a pista" que abrange o melhor do dancehall/ragga, hip hop, MPB e old school funk. Para quem quiser ir somente na festa (e não no show) a lista amiga é de R$ 10 (até 01h). Para entrar nesta lista dê um reply com qtos nomes quiser para o meu email mesmo (jocavidal@gmail.com). Para aqueles que vão na Sambadelic! e depois na Black Friday, o preço desta última fica ridículo: apenas R$ 5!

Agora, se você está se perguntando quem é Tonho Crocco, seguem algumas referências:

Acústico MTV Bandas gaúchas - Ultramen e Falcão d´O Rappa:http://www.youtube.com/watch?v=LwgW8qostnA

Marcelinho da Lua feat. Tonho Crocco - Ela partiu (do Tim Maia):http://www.youtube.com/watch?v=gi7YF7gC8E0

Tonho Crocco - Teto solar: http://www.youtube.com/watch?v=ecexCb1fNo0

Site do Tonho Crocco: http://www.myspace.com/tonhocrocco

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A parada

A parada

O aniversário chinês seguiu o roteiro. Sol como o prometido, apesar de o dia ter amanhecido nublado. Façanha alcançada graças a 18 aviões que desde a noite de quarta bombardeavam as nuvens no coração de Beijing com iodeto de sódio e gelo seco.

O sol a pino e o azul do céu contrastrando com o vermelho do Portão Tian'anmen eram o que faltavam para a festa. Apareceram e, então, era hora de o Politburo entrar em ação. O presidente chinês, Hu Jintao, surpreendeu no modelito quando apareceu, isso perto das 10h. Usou um terno à Mao, no estilo em que o Timoneiro vestiu para fundar a República Popular, há 60 anos. Os demais companheiros vieram com ternos normaizinhos, combinando as gravatas vermelhas, embora algumas aparecessem lisas, outras riscadas, outras com bolinhas. Sem muitas surpresas.

Surpresa, aliás, é o que menos se viu no desfile, que durou quase três horas. Suspiros provocaram as esbeltas militares, beldades que desfilaram de minisaia, em uniformes verde-musgo, branco e vermelho - este último, combinando com botinhas brancas. Super 60s! Até o Hu soltou uma risada marota ao ver as meninas, provando que tesãozinho amigo não tem barreira cultural.

Pois a chinesada gostosa, avisou a agência estatal, tinha uma média de idade de 22 anos. Todas moram em Chaoyang, que, apesar de ser um dos maiores distritos de Beijing, é também o mais habitado por estrangeiros. Rapazes, se você é deste time de ocidentais loucos por orientais, taí uma dica.

Claro que a mensagem pretensa da festa era bem outra. Não foi nem o terninho Mao de Hu, nem as pernocas torneadas das gurias. Mas estas mensagens propagandistísticas são sempre tão chatas que até preciso puxar da memória para lembrar quais elas eram. Ah, sim. Dizer que as 56 minorias étnicas que oficialmente compõem o país vivem em harmonia, que o país é dono de um poderio militar consistente, que trilha o caminho do desenvolvimento junto à conquista de tecnologia própria, que as crianças darão segmento ao socialismo com características chinesas, que é a atual doutrina do partido.

Mas deixa pra lá. Hoje é dia de celebrar a China, de curtir um feito do governo, o de fazer o céu ficar incrivelmente azul. Vou brindar com uma cervejinha, porque ninguém é bobo. E esperar a queima de fogos das 21h, que dizem, será maior do que a da abertura da Olimpíada.

Aqui, para você curtir aí um sem fim de fotos, imagens para quem curte a China. Aliás, é deste monte que roubei esta que abre o post.

国庆快乐!

http://www.xinhuanet.com/photo/60dyb/

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O retrato do Mao

Ele é a personificação de o que é a China hoje. Parece que foi sempre deste jeito, mas não foi. Pop art pura, Mao Zedong foi um dos principais modelos de Andy Warhol, o pai da tal pop art, que se inspirou no retrato oficial do líder chinês, pendurado na entrada da Cidade Proibida, para apresentar ao mundo ocidental o tal timoneiro. Isso era 1973.

 

Mao já estava no portão desde antes da fundação oficial da Nova China, de boné e roupinha comunista pobre. Nem assim tinha a lata carismática do Che. Vai ver por isso a imagem nem vingou, e o que faz sucesso junto ao argentino com características cubanas é mesmo a estampa setentista – já bem mais careca, mas ainda assim, com mais cabelo do que a imagem agora imutável. É você pode não ter percebido, mas muita coisa mudou por aqui.

 

Em 1 de outubro de 1949, a data lembrada nesta quinta, o líder apareceu sozinho e mais sério no pórtico. O primeiro retrato como presidente já o mostrava sem boné. E cabeludo. Durou pouco. Um ano depois, tomadas as providências mais urgentes, era hora de trabalhar o culto ao líder. Foram selecionados 30 estudantes do Instituto de Arte de Beijing e coube  a Zhang Zhenshi a tarefa do retrato oficial.

 

De 1950 a 1964 ele foi o responsável pelo quadro a óleo de 6m x 3m, que mesmo baseado em fotos oficiais, evoluiu conforme avançava a idade de Mao. E daí a coisa de perder cabelo.

 

Em 1967, no entanto, um detalhe sutil revelaria uma faceta chinesa, a arte interminável de leituras das mensagens subliminares nas pinturas. Esporte nacional, as interpretações de obras já renderam boas dores de cabeças, provocaram perseguições e prisões, especialmente nesta época, a do início da Revolução Cultural (1966-1976).  Mao, que assim como Warhol se apropriou, aparecia até então com apenas uma orelha voltada ao exterior, passou a ter as duas retratadas, numa tentativa de mostrar que ele ouvia a todos durante a revolução e não apenas a selecionados do seu grupo de camaradas.

 

O retrato do Mao até já mudou de cor com a pop art, mas depois de Zhang, virou preto e branco somente por um curto período, após setembro de 1976, quando o retratado morreu, em sinal de luto. Depois – assim como aconteceu agora – voltaram as cores e o quadro só é trocado para se manter sempre novo em folha.

 

E ele se renova em outros objetos, de canecas a camisetas, relógios e bolsas, passando pelas notas. De 1 a 100 yuans, ou seja, a maior unidade da medida da moeda chinesa, lá está ele.

 

Por aqui, a velha dúvida sobre se Jesus Cristo ou John Lennon é o mais famoso nem tem vez. Houve brasileiro que já tenha sido perguntado

 

- Quem é esse? – por um chinês que via uma imagem do Redentor, sim, o que está de braços abertos sobre a Guanabara.