quinta-feira, 11 de junho de 2009

Eu que não pego nem gripe comemoro dois anos de paixão chinesa

Hoje, 12 de junho, para deixar claro aos que estão em solo brasileiro e em 11 horas de algum lugar do passado sob a minha perspectiva chinesa, eu comemoro dois anos de febre amarela, a metáfora fácil para os que se encantam pela China.

Enamoramentos orientais. Eu já tinha no meu DNA, se é que se adquire DNA aos cinco anos, que é quando eu vim para o Japão, daquela vez trazida por papai e mamãe. Os seis meses da infância cercada de olhos puxados que liam letras estranhas e de cujas bocas saíam sons ininteligíveis deixaram marcas. Já me achando dona do meu nariz, tentei aprender japonês e mais, caí de amores pelos japoneses. Do grupo de amigos para entender que os nossos japoneses eram melhores que os dos outros foi fácil, então eu tive paixões japonesas e lá estava eu em 2000 supernamoradona do Yu, passando férias no Japão. Nada mais natural. Depois acabou. O namoro, eu digo. Não a paixão pelo Japão, pelos olhinhos puxados, muito menos meu megacarinho pelo Yu, esse é do tipo pra sempre. Mas deixa esse papo pra lá. Era só pra dizer que talvez explique muita coisa.

Numa perspectiva chinesa, tenho o meu passado à minha frente. Para eles, os chineses, deixe-se claro, numa inversão de valores ocidentais, o passado que tu conheces e sentes está sempre no teu caminho. O futuro, este ilustre desconhecido, é referido como algo que ficou para trás, obscuro – e quem sabe pode até te apunhalar pelas costas, te trazendo surpresas desagradáveis. Acho a lógica cruel, mas me rendo a ela. Alguma coisa eu deveria tentar entender neste país, porque o resto quase todo não dá.

Deve ser este sem fim de lógicas ilógicas, crenças e comportamentos peculiares que vão atiçando a curiosidade de quem se arrisca por estas terras acolhedoras. Seda pura. Desavisados como eu vêm para cá para passar um tempo, tipo intermináveis 12 meses, na minha ilusão de marinheira chinesa de primeira viagem. Aí ficam dois anos, se preparam para ficar três, depois eu nem sei. Quem sabe sobre o futuro? Nem os chineses sabem.
Mas como hoje é dia de comemorar e contemplar o que aprendi em dois anos e tentar entender por que não consigo ir embora, vou tentar ir além do meu DNA asiático. Aliás, o que eu já teria incorporado e o que teria acontecido em dois anos?

1 – Existem os chineses. E depois o resto. Sob a ótica deles e sob a nossa. Eles se orgulham de ser quem são e são chineses nascidos no Brasil, chineses nascidos na América, chineses sei lá onde. Sempre chineses. E nós, os ocidentais, reforçamos isso com todos os requintes. A gente vive aqui, mas ou vai a bar de estrangeiro, ou sai em boteco chinês. Tem diferença, tá no nome, no nosso cotidiano. Ou alguém em Porto Alegre se refere a bar de estrangeiro e a bar brasileiro? E daí tem os caras que a gente pode pegar e aqueles que só gostam de chinesas. E tem os chineses que têm medo das ocidentais. Então, entre as solteiras sempre rola a pergunta “você já pegou algum chinês?”, como se eles fossem quase impegáveis. Até são. Mas sempre tem uns aí pra ajudar as ocidentais a descobrir o que o chinês tem. Eu descobri o fofinho Paul, que acho, agora, um baita samaritano, preocupado com as descobertas antropológicas das estrangeiras incautas pela noite de Beijing. Não bastasse ele ter tido um casinho com uma amiga italiana, há dois dias descobri que ele tava pegando uma brasileira que recém conheci. Meu faro pra galinha não falha nunca, até quando se come de pauzinho.

2 – Comida chinesa aos montes é incomível. Passo semanas sem sentir vontade de.

3 – Chineses têm uma carência de senso estético inacreditável. Um país de ávidos consumidores recentes, que querem tudo ao mesmo tempo agora. Do carro à casa, tudo tem pendurico, dourado, vermelho e detalhes em pelúcia. A roupa combina luxo e glamour fake com brilhos e estampas. Ao mesmo tempo, eu já disse. Ai, irrita.

4 – A grande massa é de analfabeto funcional, desculpa. Há uma retidão de pensamento atroz que deve derivar do sistema educacional que prioriza a memorização em detrimento da criatividade. Um desperdício para quem tem de aprender uns 3 mil caracteres para começar a ler jornal. Tem vezes que eu acho que o sistema ainda é mantido justamente para isso, para exercitar desde a tenra idade a memória e não o fluxo de ideias.

5 – Eu tou ficando cega. Faz meses que percebo que não tou enxergando bem.

6 – Existe um culto à hierarquia e fé cega nos detentores de poder. A moda agora é estar consciente de que o governo impõe limites, sim, em questões como a liberdade de expressão, por exemplo, mas é bom. Liberdade e demonstrações desta tal liberdade conduzem ao caos. O caos conduz a divisões, separações. E se perderia a unidade chinesa, que pode ser qualquer coisa, mas é, acima de tudo, um conceito abstrato e fantasioso. Tem muita minoria neste caldo, muitas das quais nem tão minorias assim.

7 – A vida cotidiana, aquela longe das elucubrações tão caras aos ocidentais que passam o tempo aqui tentando, ingenuamente, entender os chineses, é deliciosa. Há uma amabilidade e um esforço da maioria das pessoas em se fazer entender, em tentar nos entender. No dia em que descobri que secador de cabelo chama-se “Máquina de soprar vento”, ganhei uma lição das minorias. Eu disse que não falava mandarim e o menino que me massageava – um mimo que só na China poderia haver, pré corte de cabelo no salão de beleza - disse que também não, antes de mudar pra Beijing. Como assim? O mocinho era de uma minoria que não consegui entender. Pedi desculpa pelo meu pobre mandarim e disse que não tinha tempo de estudar.

- Você tem ou não tem vontade. Não é questão de tempo – me disse o mocinho.

8 – Lukuang Xinxi é um programa de táxi que fala sobre o movimento das ruas. Em algum momento no táxi você vai ouvir a vinheta. Lukuang Xinxi!

9 – Qualquer birosca de Beijing tem por perto uma sex shop. Aqui, se chama loja para saúde dos adultos.

10 – A melhor cerveja chinesa é a Harbin. A mais famosa e fácil de encontrar é a Tsingtao. A primeira é russa, a segunda alemã. Alguém tá afins de conhecer Moscou? Me convida.

11 – Dá pra ir pra muitos lugares paradisíacos perto da China. Eu mesma tou indo pra Bali ver minha irmã semana que vem. Se a gripe permitir. Eu que aqui não pego nada, nem gripe, espero que a declaração de pandemia não estrague ainda mais meus planos. Para ir, vou pagar uma multa de uns US$ 500 e na volta terei de ficar sete dias em quarentena compulsória. Eles juram que não vão me descontar das férias. Espero não pegar a gripe suína, nem aqui, nem na China.

12 – Tem tanta coisa pra falar da China, que eu ainda nem comecei, juro. Mas você já cansou de ler, que eu sei.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Glossário muito importante

para os próximos dias

Cerveja - Bir
Eu quero comer o que eles estão comendo - Saya mau masakan seperti yang mereka pesan.
Obrigada, tava uma delícia - Enak sekali, terima Kasee
Água mineral - Air botol ou aqua

A gente lê quase como em português quase todas as letras, à exceção do e, que às vezes
quase desaparece. E o c tem um som meio que de tche, bastante parecido ao chines, me pareceu.
E é bom a falar este e...

Bem-vindo - Selamat datang
Bom dia, até 11h - Selamat pagi
Bom dia, das 12h as 14h - Selamat siang
Bom dia, das 15h às 18h - Selamat sore
Boa noite - depois de anoitecer - Selamat malam
Boa noite, para alguém que está indo dormir - Selamat tidur
Tchau, para alguém que está ficando - Selamat tinggal
Tchau, para alguém que está partindo - Selamat jalan

Agora, não sei o que fazer se eu encontrar alguém entre as 11h e as 12h,
entre as 14h e as 15h ou entre as 18h e o anoitecer. Ou se e encontrar
alguém e eu não tiver relógio. Ou se eu não aprender a pronunciar o maldito e.
Caso aprender e quiser matar a curiosidade, poderei perguntar
Jam berapa sekarang? Sim, que horas são?

Mas afinal de contas, Apa ini? Ou, o que é isso? Se alguém não sabe, eu, Maíra, Gustavo e Cláudia, mais o irmão do Gustavo e a namorada, estamos indo em alegre bando para Bali.

Algumas poucas palavras têm algum som latino, garanto que teve uma influência perdida por aí. Vou rezar pra que sim. Aliás, em rezando, olha que fácil. Saya cari gereja. Eu tou procurando uma igreja. Iguereja, Gereja...

Agora se eu tiver Saya cari kantor, não, não estarei procurando nenhum cantor, mas algum órgão público. Kantor Pariwisata é posto de informações turísticas.

Para qualquer problema, você pode perguntar se o indonésio fala inglês. Facinho: Bisa berbicara Bahasa Inggris?

Cara, eu vou falar Inggris, Inggris o tempo todo.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Dia da Sombrinha - mas e cadê a água fresca?

Dia 4, mas poderia ser 35. Não que o número tenha qualquer relação ao calor acachapante que elevou os ponteiros dos termômetros para os 35ºC por volta das 13h, quando resolvi visitar a praça. Foi apenas um jeito de os internautas falarem sobre o aniversário, batizando de 35 de maio o que seria 4 de junho. Não teve jeito, os censores perceberam o truque e eis aí outro termo banido da net chinesa. Espertos.

E os 35ºC tiveram seu valor oficial. Era uma boa desculpa para o uso das sombrinhas, acessório na bolsa de 10 entre 10 mulheres chinesas no verão, que fazem de tudo para manter o tom branco da pele, sinal de nobreza. E tendência entre os homens também. A mania é tal que salta aos olhos dos recém chegados, dá um toque colorido às ruas e provoca ainda mais confusão no vai e vém da multidão, num sem fim de esbarra aqui, esbarra ali, dá-me cá minha sombrinha.

Alguém superinteligente da superinteligência do partido percebeu o poder da sombrinha. Botou uma na mão de cada agente à paisana na praça, que fingia estar lá turistando, mesmo que parado como poste horas a fio. E, não, não era o poder da sombrinha enquanto instrumento facilitador do trabalho de espionar sob o sol inclemente e acessório acoplado ao modelito pensando em salvar a pele dos dedos-duro.

Era algo bem menos nobre. Era o poder de a sombrinha se posicionar indolente em frente às câmeras. Qualquer câmera, a qualquer hora, durante os dias 3 e 4, pelo que sei até agora, pelo menos. Com o perdão, patético até não poder mais. O vídeo aí embaixo está em inglês, mas mesmo quem não fala deveria clicar. É hilário se não estivesse sendo encarado a sério. E logo, sendo triste.



A tentativa ingênua revela um desespero para se livrar da sombra dos protestos de há 20 anos. Uma tentativa que nunca é clara, de qualquer ângulo sob o qual analiso. O truque infantil da sombrinha, que remete ao nosso ditado popular sobre tapar o sol com a peneira, se repete na internet. Este vídeo da CNN eu vi aqui sem nenhum subterfúgio. Mas ao bloquear outros tantos sites famosos, como twitter e Hotmail, para citar apenas dois, se instala o burburinho mundo afora, que se espraia desde as profundezas da velha e desatualizada, desantenada e desconectada estrutura burocrata censora. Burros. Nem vou falar que as redes sociais em chinês também vieram abaixo, com data marcada para acabar o período de manutenção forçado. Burros. Tolos. Desesperados. Ingênuos. Donos do mundo e sarcásticos? Continue lendo e chegue lá.

Este jogo de luz e sombras – e sombrinhas patéticas em frente a camêras ávidas para focar apenas em poucos ângulos – é que perpetuou um mito ocidental de luta democrática e um tabu interno no que concerne a demonstrações populares.

Hoje, há dois pontos claros. O país e o partido, que, em todas as instâncias representam uma unidade, sustentam que já têm opinião formada sobre o tema, o incidente foi fruto de uma manifestação orquestrada por dissidentes antigoverno. A afirmação consta da edição de hoje do China Daily, o jornal chinês em língua inglesa (http://www.chinadaily.com.cn/china/2009-06/05/content_8250388.htm). O outro ponto, levantado na quarta-feira pela secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, é de que é necessário implantar na China mais liberdade (http://www.state.gov/secretary/rm/2009a/06/124292.htm) e rever os atos de 1989 como forma de homenagear as vítimas.

Mas que vítimas? Internamente não há reconhecimento de vítimas. No exterior, eles são mártires. Há textos que falam sobre o protesto pacífico pró-democracia esmagado à força e que resultou num derramento de sangue. Ninguém comenta que os estudantes se reuniram por ainda outras causas, algumas desencontradas e que o movimento teve líderes tanto dos tipos radical quanto cabeças-dura, que não conseguiram chegar a consenso e protestar em uníssono. Que a mídia estrangeira já estava quase abandonando o barco devido ao enfraquecimento dos atos, como conta o autor da célebre foto do homenzinho em frente ao tanque, Charlie Cole (http://news.bbc.co.uk/2/hi/asia-pacific/4313282.stm). Aí veio o episódio do tanque e o bando que estava na praça havia dias foi alçado à categoria de jovens destemidos. Não que eles não fossem, mas imagino que você entendeu.

Temos, sim, no ocidente impressões erradas de o que foi 89. Hoje ainda vi um vídeo no site da Globo, cujo link nem vou reproduzir, pois ele vai ser tirado do ar em poucos dias, que fala sobre os 10 anos do protesto. E afirma que o estudantezinho da foto de Cole foi morto pelo tanque. Hoje se sabe que o ícone daqueles dias nunca foi identificado e seu destino é incerto. Preso, pode muito bem ter sido executado, mas certeza ninguém tem. E o texto é tão raivoso quanto equivocado, como se os malvados do partido usassem um povo tolo como marionete. E o povo tolo resolveu agir, mas foi massacrado.

Em muitos termos é assim mesmo. Mas o governo por vezes é tolo também. Que digam as sombrinhas. E esse jogo de sombras que perdura até hoje. Graças a esse enclausuramento e recusa a falar é que se alimentam não apenas especulações, mas clamores por mais clareza. E tem horas que o povo não é tolo, mas tem motivações outras que podem ser resumidas a padrões de vidas melhores, ampliação de liberdades e garantias sociais, conquistas inimaginadas há 20 anos. Este, aliás, é o mantra que o governo repete e que encontra eco em várias camadas da sociedade.

Você pode dizer que não é suficiente, mas quando uma jornalista como a chinesa Lijia Zhang fala, talvez tentamos de prestar atenção. Ela não analisa a sociedade que viveu 89. Ela integra esta sociedade. E ela é crítica ao governo, o que poderia dar a ela um quê de isenção. Pois é ela quem usa uma metáfora um tanto apropriada, segundo meus pontos de vista. Os chineses continuam numa gaiola. O que ocorre agora é que esta é tão grande, tão vasta e tão cheia de atrativos, que muita gente nem nota. O texto, em inglês, foi publicado no New York Times (http://www.nytimes.com/2009/05/31/opinion/31lijia.html?_r=1&ref=opinion).

***

Ontem, para os estrangeiros, a gaiola tava um saco. Para entrar na praça, só com passaporte. Quem tinha visto de jornalista carimbado ainda tinha outra burocracia a cumprir, pedir autorização num escritório tal. E depois enfrentar as sombrinhas.

Rola uma água fresca agora?






quarta-feira, 3 de junho de 2009

Dia de Manutenção da Internet na China

3 de junho, céu azul e calor de rachar na capital chinesa. Nas ruas, tudo normal, exceto por até agora quatro equipes de TV terem sido tiradas da praça, onde há 20 anos estavam acampados estudantes que durante a madrugada seriam enxotados dali. À força.

Comecei a manhã checando emails e redes sociais que podia e que não podia. As que não podia, por meio de sites que te ajudam a desviar proxy e vamos lá. E já me preparava para reunir o maior número de material possível, inclusive aqueles postados nas redes chinesas que, segundo minha teoria que mais tarde se mostraria infudada, só seria inacessível devido à barreira linguística.

Então, pela manhã, estava lá usando meu perfil no Fanfou.com (www.fanfou.com/janajan), a cópia do twitter cujo nome significa "Já comeu?" para procurar o que o povo estava escrevendo sobre o 4 de junho, o bloqueio do twitter e tantos outros etceteras. Eles falavam sobre tudo isso, podem acreditar, mas quentes mesmo estavam os tópicos sobre o acidente com o avião da Air France e a GM. Estavam.

Eu iria dizer que os chineses podem, sim, se expressar, que o governo estava barrando mais as vozes estrangeiras, uma interminável sucessão de teorias que reforçariam o que comecei a escrever ontem e que agora à tarde vieram abaixo.

Nem deu tempo de eu dizer que um fanfoufeiro (seria esse o termo para quem ainda não papou?) postou "Harmonizaram o twitter" e explicar que a expressão revela uma crítica social presente na internet chinesa, que ironiza os sempre reiterados pedidos do presidente Hu Jintao para que a sociedade seja harmoniosa. A gente harmoniza, mas do nosso jeito, calando quem distoa. Haja diapasão.

Como numa repetição do que ocorreu há duas décadas, quem tentou falar foi abruptamente interrompido. Desde a tarde desta quarta-feira, a maior parte dos sites chineses de redes sociais, microblog e colaborativos exibem avisos de sob manutenção.

O meu querido fanfou, espero, exibe no seu recado ironia. Ele agradece o apoio de todos os usuários e diz que a fim de melhor servi-los, tem de passar por uma manutenção técnica emergencial, cujo fim está programado para a madrugada do dia 6.

O baile segue em inúmeros outros sites chineses, mas para mim, o mais legal até agora foi o Wordku.com, um dicionário colaborativo. Eles também avisam que a manutenção técnica vai, olha que coincidência, até o dia 6, e que, aliás, estão a fazendo para respeitar o Dia Nacional de Manutenção da Internet.

Eles perdem o direito de serem acessados, mas não perdem a piada. Quer dizer, a piada já perderam, desde ontem, quando o Twitter foi bloqueado. É, pra falar a verdade, tá perdendo mesmo a graça.

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Só pra constar• Chinese Internet Maintenance Day" (中国网站维护日)




terça-feira, 2 de junho de 2009

Bico calado

2 de junho, a dois dias do aniversário de 20 anos dos protestos na Praça e tentando falar aqui de Beijing.

O temor não declarado das autoridades chinesas levou a um sem número de bloqueios internéticos para barrar opiniões estrangeiras. Hoje, não temos aqui Youtube, Blogger, Wordpress, Google Reader, Twitter, Flickr, Ning, o recém saído do forno Bing, sei lá o que mais.

Dentro de casa, o fanfou.com, uma imitação descarada do Twitter, discute a campanha para o uso de roupas brancas no dia 4 (http://fanfou.com/q/白色衣服) e lembra o protesto estudantil que culminou numa manifestação violenta na Praça. Desde que o fenômeno seja observado com os olhos locais, tudo bem. Será?

Claro que não é bem assim e quem fala o que o governo não quer é calado também, como o blogueiro Michel Anti, que em 2005 teve o blog banido da blogsfora chinesa pela Microsoft - a pedidos, óbvio. Em entrevista recente a um dos sites mais bacanas em inglês da China que fica de olho na mídia local, o Danwei (www.danwei.org), Anti alertava aos amantes do twitter para que piassem enquanto houvesse tempo. Depois, bico calado.

Calaram-se. Haveria necessidade de tanto barulho para um mar de silêncio, ou pelo menos, de certezas vagas?

Quando a Coréia do Norte começou a encrespar com esta histórinha de satélite de longo alcance para lá e para cá, imaginei que nunca um agito oriental caísse tão bem. Os camaradas teriam acertado na mosca. Ainda no mundo animal, a gripe suína rende outro pano pra manga e reportagens intermináveis, alarmando a população para o que poderia se tornar uma reprise de SARS.

Nesta até eu me dei mal, não bastasse estar quase calada, agora tenho férias programas e na volta serei obrigada a ficar sete dias trancada em casa. Todos os que saírem da China e trabalham na minha unidade, governamental, terão a quarentena compulsória. Bingo. E perderei sete dias de férias no Brasil.

Voltando às notícias que abalam o mundo, tem horas em que as precauções excessívas e insesatas chinesas me irritam. Em tempos de concordata da GM e do horror que esta sendo a triste história do vôo AF477 perdido no Atlântico quando ia do Rio para Paris nem tem gente querendo voltar ao passado. Ou deste, ter apenas as boas recordações das vítimas do acidente, a quem deixo minhas mais sinceras orações.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Porto Alegre no mapa do mundo

Porto Alegre será sede da Copa do Mundo 2014 (http://www.clicrbs.com.br/esportes/rs/futebol-copa2014), o que parece, até onde eu li, nenhuma novidade, pois a escolha por parte da Fifa já era esperada. Agora, para receber as estrelas do futebol, a capital gaúcha ganhará uma melhor cobertura na rede de tratamento de esgoto, em projeto que prevê um salto dos atuais 27% para 80%, a duplicação da Avenida Beira-Rio, Tronco e melhorias na Voluntários, além de uma suposta linha 2 do metrô, até o Menino Deus.

- Confirmada a participação, chegou a hora de colocar a mão na massa - afirmou em entrevista à Zero Hora o secretário da Copa, José Fortunati, por sinal, também vice-prefeito.

Nossa, fiquei superfeliz com a escolha, pois se bem lembro, há coisa de duas semanas a mesma ZH fez uma matéria em que contava o suplício que é sair do centro em horário de pico e tomar um ônibus em direção à zona norte. Imagino que talvez esta melhoria prevista aí na Voluntários, além de agradar os previstos entre 40 e 50 mil turistas que virão à cidade, também signifique alívio a quem rala todo o dia para fazer da cidade uma cidade melhor. Por isso que eu adoro futebol.

Vivendo em Beijing há dois anos, um deles pré-olímpico, eu presenciei um pouco de o que são os esforços de uma cidade para receber um evento de escala mundial, com forte apelo popular, como o caso daqueles esportivos. Os resultados que fazem de uma cidade um modelo de urbanismo capaz de sediar tais eventos são positivos e acabam por beneficiar o cidadão comum. Ampliação de metrô (em Beijing, às antigas duas linhas somaram-se outras seis), a abertura e alargamento de avenidas, etc. Para além da infra-estrutura, ainda há um sem número de empregos temporários, novas oportunidades ainda que efêmeras e o que muito interessa, exposição do nome da cidade no mundo, o que pode significar novos eventos, mais turistas, mais renda. E a economia gira.

Porto Alegre já esteve no foco e até hoje é lembrada por motivos mais nobres que o futebol, com o perdão daqueles que discordam. Quando me perguntam de onde eu sou, ou o interlocutor não sabe, ou sabe que venho da cidade do Fórum Social Mundial. Em termos gerais, o fórum fez sucesso entre os espanhóis e franceses. Com eles, é sempre meio óbvio que vão saber onde fica Porto Alegre. Agora, claro, abre-se a oportunidade para que o mundo venha a conhecer a cidade como aquela perto da Argentina onde vai haver algumas partidas de futebol.

- E a cidade tem potencial no tema, é a terra do Ronaldinho - poderão dizer alguns.

Aliás, na hora de os jornalistas estrangeiros irem retratar Porto Alegre, dar uns toques para os telespectadores mundo afora que não sabem que no Brasil tem lugar onde faz frio e a gente não precisa usar fantasia de carnaval o ano todo e nem biquinis minúsculos, quero ver quantos deles terão a brilhante ideia de bater um papo com a dona Miguelina enquanto ela toma chimarrão, a bebida dos gaúchos, como são chamados os brasileiros que moram em Porto Alegre. Nós enquanto jornalistas somos extremamente criativos, por isso vários coleguinhas comeram muito escorpião no palito em Beijing para mostrar como os chineses têm hábitos estranhos na hora de se alimentar. E o mundo ficou bem mais informado sobre a China. Ai, por isso que eu adoro esportes em geral.

Mas voltando ao Fórum, é daqueles tempos de euforia e debates pelo povo e para o povo que a cidade forjou outra marca, a do berço do Orçamento Participativo, um dispositivo que clamava pela participação popular na hora de definir investimentos públicos. A ideia é tão atrativa no que diz respeito à cidadania que sequer foi abolida pelo atual governo, o do prefeito José Fogaça, que desbancou 16 anos de mando petista, partido que gestou e implantou o OP. Claro que eu nem estou discutindo que o OP nunca deu tão certo assim, afinal o que vale é a intenção.
Agora, Porto Alegre voltará ao centro mundial do debate no que diz respeito à participação popular na Expo Shanghai 2010, aqui na China, no ano que vem. A cidadegarantiu o 22º lugar entre projetos apresentados por municípios do mundo todo na categoria "urbanização sustentável" devido ao projeto de "harmonia social" que mantém, que será apresentado na área de Melhores Prátcas Urbanas. Ao lado de Porto Alegre, apenas São Paulo é outra cidade brasileira com participação em destaque no evento, que pretende atrair 70 milhões de visitantes ao longo de seis meses, 5 milhões destes, estrangeiros.

Bem, um dos objetivos do governo brasileiro é divulgar a Copa 2014. Eu, como porto-alegrense, torço por uma parceria de peso no projeto de revitalização do Cais do Porto, o que pode significar a consolidação da capital gaúcha como um destino charmoso para turismo de negócios e de outro espaço delícia para a entrega à boemia. Shanghai, que tem o coração econômico e financeiro às margens do Rio Huangpu bem que pode servir de inspiração. Afinal, a gente até já batizou de rio o lago lindo o qual damos as costas quase o tempo todo. E viva o pôr-do-sol no Guaíba.

Noivas à beira-mar









O aparato todo das fotos aí de cima não revela um casamento coletivo à beira-mar, mas flagras de uma mania nacional chinesa registrados no último final de semana, quando estava na cidade costeira de Qingdao (青岛). São as fotos para os álbuns de casamento, uma espécie de book do casal, tão importante na celebração quanto o sim dos noivos. Diria que tão ou mais importante, uma vez que as fotos são produzidas com semanas ou até meses de antecedência ao dia da festa - que, dependendo das finanças dos pombinhos, algumas vezes nem existe.
É comum andar por lugares turísticos e-ou bonitos da China e dar de cara com noivas, noivos, fotógrafos, assistentes e maquiadores. A gente até acostuma. Mas as hordas que vi em Qingdao foram surpreendentes. Talvez haja um porquê. A cidade é muito verde, o mar é bonito, as pedras dão um toque a mais na paisagem e se é pra retratar a felicidade que espera-se seja eterna, nada melhor do que um cenário inspirador. E natural.

A brincadeira, que envolve disposição do noivo e da noiva para bancar os modeletes e passar horas sorrindo, pulando, fazendo pose e trocando de roupa, sai cara. Em um estúdio de foto onde fiquei pesquisando preços, vi que os pacotes variavam entre 3 mil RMB e 7 mil RMB, algo entre R$ 860 e R$ 2 mil. Claro que eu não entendi o que cada pacote continha, mas, em termos gerais, vale dizer que os modelos vão vestir roupas ocidentais para casamento, algumas roupas de festa, trajes de casamento tradicionais chineses e, algumas vezes, até os velhos uniformes comunistas azuis dos tempos de Mao.

O que eles fazem com isso? A agência vai montar um álbum com capa dura, cujas fotos podem ter dimensões até então impessáveis pra mim, como coisa de 60cm por algo, se não mais. Outras vão virar quadrinhos, outras vão parar em porta-retratos e as melhores ainda viram poster nas paredes das salas dos recém-casados.

1, 2, 3... Beringela*! E saia bem na foto.

***

* Ok, você não tem obrigação nenhuma de entender o beringela aí de cima. É que em chinês o nosso "Xis" é substituído por Beringela na hora de mostrar os dentes. Claro que o som é outro em mandarim, "Qiezi", que a gente lê quase como "tchiêdzzu".

E viva os noivos!

Um dia em branco

Os dias que precedem a quinta-feira 4 de junho de 2009 são de expectativa na China. Governo e dissidentes, gente ligada ao movimento dos estudantes de há 20 anos, esperam que o dia passe em branco. Enquanto o primeiro apenas no sentido figurado, o segundo, literalmente.

Um dos líderes de 1989, Wang Dan, deu início a uma campanha via web desde Taiwan, onde vive atualmente, para que as pessoas vistam branco na parte continental no dia 4. O branco, que na visão ocidental é a cor da paz, por aqui simboliza luto. Wang, preso por duas vezes após os protestos e finalmente exilado nos Estados Unidos em 1998, ganhou ecos de outros nomes não queridos por aqui, como o do blogueiro Michael Anti.

Anti teve o blog derrubado pela Microsoft devido ao conteúdo em 2005. Hoje, via twitter (http://twitter.com/mranti) também pediu que as pessoas vistam o branco na quinta. Para ele, aliás, tais pedidos via serviço do microblog podem terminar em breve. Segundo ele, o twitter ainda só é o twitter na China porque os sensores ainda não se deram conta de o que ele pode significar. Ou signifca.