quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O retrato do Mao

Ele é a personificação de o que é a China hoje. Parece que foi sempre deste jeito, mas não foi. Pop art pura, Mao Zedong foi um dos principais modelos de Andy Warhol, o pai da tal pop art, que se inspirou no retrato oficial do líder chinês, pendurado na entrada da Cidade Proibida, para apresentar ao mundo ocidental o tal timoneiro. Isso era 1973.

 

Mao já estava no portão desde antes da fundação oficial da Nova China, de boné e roupinha comunista pobre. Nem assim tinha a lata carismática do Che. Vai ver por isso a imagem nem vingou, e o que faz sucesso junto ao argentino com características cubanas é mesmo a estampa setentista – já bem mais careca, mas ainda assim, com mais cabelo do que a imagem agora imutável. É você pode não ter percebido, mas muita coisa mudou por aqui.

 

Em 1 de outubro de 1949, a data lembrada nesta quinta, o líder apareceu sozinho e mais sério no pórtico. O primeiro retrato como presidente já o mostrava sem boné. E cabeludo. Durou pouco. Um ano depois, tomadas as providências mais urgentes, era hora de trabalhar o culto ao líder. Foram selecionados 30 estudantes do Instituto de Arte de Beijing e coube  a Zhang Zhenshi a tarefa do retrato oficial.

 

De 1950 a 1964 ele foi o responsável pelo quadro a óleo de 6m x 3m, que mesmo baseado em fotos oficiais, evoluiu conforme avançava a idade de Mao. E daí a coisa de perder cabelo.

 

Em 1967, no entanto, um detalhe sutil revelaria uma faceta chinesa, a arte interminável de leituras das mensagens subliminares nas pinturas. Esporte nacional, as interpretações de obras já renderam boas dores de cabeças, provocaram perseguições e prisões, especialmente nesta época, a do início da Revolução Cultural (1966-1976).  Mao, que assim como Warhol se apropriou, aparecia até então com apenas uma orelha voltada ao exterior, passou a ter as duas retratadas, numa tentativa de mostrar que ele ouvia a todos durante a revolução e não apenas a selecionados do seu grupo de camaradas.

 

O retrato do Mao até já mudou de cor com a pop art, mas depois de Zhang, virou preto e branco somente por um curto período, após setembro de 1976, quando o retratado morreu, em sinal de luto. Depois – assim como aconteceu agora – voltaram as cores e o quadro só é trocado para se manter sempre novo em folha.

 

E ele se renova em outros objetos, de canecas a camisetas, relógios e bolsas, passando pelas notas. De 1 a 100 yuans, ou seja, a maior unidade da medida da moeda chinesa, lá está ele.

 

Por aqui, a velha dúvida sobre se Jesus Cristo ou John Lennon é o mais famoso nem tem vez. Houve brasileiro que já tenha sido perguntado

 

- Quem é esse? – por um chinês que via uma imagem do Redentor, sim, o que está de braços abertos sobre a Guanabara.

Os 60 anos em 200 mil

É assim, a parada militar vai ser coisa para mostrar que o belicismo é parte central do governo cujo partido único confundido com Estado manda no Exército de Libertação Popular. A China quer deixar claro que está pronta para a guerra, se preciso for. Um recado mais ou menos assim: melhor que não seja preciso ir à guerra, queremos só o G2 – um imaginário (mas cobiçado) grupo das duas nações mais importantes, pois esta de onde vos escrevo e os Estados Unidos.

 

Mas talvez muita gente fique espantada com sincronismos e movimentos massivos ensaiados à exaustão pelos 200 mil que, dizem, desfilarão nesta quinta-feira pela principal avenida de Beijing, a Chang'An, tão importante que é justamente a que separa a Cidade Proibida da Praça da Paz Celestial.

 

Esta tudo milimetricamente estudado. Até os narizes dos pobres soldadinhos foram medidos. Até as golas dos uniformes exibiam agulhas espetadas em cada borda, a fim de que as microestocadas intermitentes nos pescoços ensinassem os músculos o quão importante é não mover a cabeça. Olhar certeiro, para frente e sem piscar. Sim, os soldadinhos foram treinados a não piscarem por um período que vai de entre 40 segundos e dois minutos.

 

Todas as bizarrices não se aplicam aos pitocos, cuja participação vai somar 80 mil crianças amanhã na praça. Eles vão segurar bandeiras, acenar, fazer coreografias. Tudo ensaiado em pequenos grupos diariamente ao longo de quatro meses, marcado in loco em três ocasiões, quando ensaios gerais provaram que o caos também visita Beijing e que a parada iria sair como no script.

 

Pois os pequetitos escolhidos para a festa exibem orgulhosos por aí mochilas que viram banquinhos, conforto para quem terá de esperar horas a fio até iniciar a participação. Nada muito grave.

 

Li Mei, de 11 anos, vai sair de casa às 6h30min. Vai para a escola. É de lá que seguirá para a praça, junto aos colegas com quem ensaiou a coreografia de flor. Ela está feliz em participar da festa nacional. Como quase todo o resto dos moradores de Beijing, os pais vão assistir pela TV, grudados na telinha para tentar identificar o rosto familiar na multidão. Para isso, até pediram folga dos trabalhos, num descanso que vai custar à mãe pouco menos de R$ 10, o que ganha como empregada doméstica por três horas de faxina. Mas e quem se importa de ficar um pouco mais pobre num dia em que o país celebra a pujança?

O quão longe a bici te leva

Faltam 10 horas para a China celebrar via televisão para todo o país os 60 anos da República de Mao, numa história de sucesso econômico e sonhos de prosperidade coletiva. O resto é falácia, quem está aqui não quer saber, não foi ensinado a querer saber e tem raiva de quem sabe – numa frase adaptada de um velho ditado de um velho sábio chinês.

 

A festa da República Popular promete terminar em carnaval, donde concluo que um detalhe me preocupa: o povão não foi convidado. Mas sabe que eu acho que ele nem se importa? Ele o povo, eu digo. Chinês, para deixar claro.

 

Desde os tempos em que as massas foram chamadas para juntos construírem uma nação, elas aprenderam que por estas terras a união nacional tem um preço, o do credo cego na liderança – que por ser líder e doar a vida ao bem nacional não faz mais do que a obrigação em aceitar alguns privilégios. Amanhã os vips representarão o povo nas tribunas instaladas em frente à Praça da Paz Celestial, exatamente no mesmo lugar onde o Timoneiro declarou a fundação da Nova China, daquela vez, outubro de 1949.

 

Hoje ao sair do trabalho, peguei a bici para ir até a praça, o palco da festa – que estará interditado à maioria dos normais durante a quinta-feira. O passeio me mostrou muito mais do que uma praça cujas cercas metálicas que a separam da via pública foram retiradas. Muito mais do que o espaço que agora abriga telões gigantes, 56 colunas em vermelho e dourando lembrando as 56 etnias chinesas ou gigantescas lanternas vermelhas. Bem mais do que os telões ao lado de Sun Yat-sen, o cara considerado o pai da raiz democrática chinesa circundado por imagens marcantes – e lindas – de momentos históricos oficiais do país.

 

Mostrou que o povo se apropria da festa como pode. Sem ser convidado para a pompa oficial, hoje fez vigília por ali. Quem estava por perto, aproveitou a noite de luar para uns dedinhos de prosa com os amigos. Tinha família de bandeirinha da China na mão. E o que tinha de pedestre e ciclista de celular em punho, camera de foto e até de video registrando a véspera do desfile não era brincadeira. Eu tinha também, mas sem bateria, lamentável. Enquanto meus camaradas mal disfarçavam um sorriso orgulhoso, ouviam pelos megafones da segurança pedidos para que não parassem por ali, seguissem adiante.

 

A ideia é manter sigilo sobre a festa, que tem toques da grife Zhang Yimou e presença confirmada do jeito chinês de fazer propaganda, numa mistura de estilos que beira o kitsch. Ou ultrapassa e bem este limite, já diria outro sábio chinês.

 

Tudo era motivo para clique. Até os guardinhas que desembarcavam aos pelotões de caminhões do exército, cada um segurando seu próprio banquinho de madeira, provavelmente o bem mais valioso desta madrugada, onde vão se apoiar para uma descansada. Ou a turma da limpeza, gente que vai participar no apoio da festa toda, e que, às 21h30min de quarta-feira, já mostrava as credenciais e passava pela inspeção de segurança. Gente pobre que para participar tem de dar o sangue. Uma pena mesmo não ser VIP. Mas quem se importa.

 

O meu passeio de bicicleta serviu para pensar no orgulho destes chineses todos, os das bandeirinhas, os das máquinas em punho, os dos banquinhos de madeira e daqueles que já devem estar entre insones e automatos para deixar tudo brilhando. Eles estão vibrando com a data, que não é ruim em si. Eles comemoram os resultados de 60 anos de governo de união de um país cuja história recente é permeada de grandes períodos de fome, escassez, incertezas. Eles se orgulham de voltar à posição geográfica que atribuem a estes pagos desde os tempos imperiais, o de Império do Meio, ainda que seja figurativamente, dada à importância politico-econômica da nação hoje. Muitos têm banheiro dentro de casa, comem melhor, se vestem melhor e têm promessas de sistemas universais de acesso à saúde e à previdência. Não, ninguém remotamente nem sonhava com tais conquistas há 60 anos – e bem verdade que se alguém sonhasse há 30, correria sério risco de sumir do mapa.

 

Meu passeio de bici me fez viajar. Em tentar descobrir as motivações dos donos da casa, a identidade nacional chinesa, o jogo de poder do Partido Comunista. Confesso que viajei longe e não cheguei a lugar algum. Devo passar a quinta-feira grudada na TV, o jeito pop de não perder a festa. Vou ser mais uma a digerir a informação filtrada, a ouvir a ladainha ultrapassada de ode a uma ideologia que não existe em si, a do socialismo com características chinesas, este cujo molde se fixa à harmonia e ao desenvolvimento científico, num desfile de conceitos tão fantasiosos quanto a parada desta quinta, que vai celebrar uma paz que não existe.

 

E quando eu de novo me emocionar com algum olhar sincero de um chinesinho orgulhoso e sorridente qualquer, vou voltar à velha questão que justapõe felicidade e ignorância, o oposto do que acredito, mas formula fácil de satisfação de massas. E viva a República Popular.

Tempos de festa popular sem povo e com paranoia

A contagem é regressiva. Está tudo pronto para a celebração dos 60 anos da fundação da República Popular da China. Tudo mesmo, até os textos de o que vai acontecer amanhã, 1° de outubro, quando Beijing para para que o mundo e o povo chinês vejam o poderio militar e econômico que a mão forte do Partido Comunista moldou no país.

Nada deverá estragar a festa, nem o tempo. Apesar de os dois dias que antecedem a parada terem sido cinza, a promessa do governo é que amanhecerá céu azul. Se amanhecer, eu conto a vocês e ficarei pensando seriamente que esta gente brinca de Deus. Controle sobre a vida das pessoas eles já tem faz tempo.

Desde às 12h desta quarta-feira, a principal avenida da cidade está com todo o comércio fechado. Todo o comércio da Chang'An significa uma pá de coisa, e considerando-se que nela estão as maiores empresas e os escritórios multinacionais, isso quer dizer muita gente usando laptops, netbooks e outras geeks gadgetices para continuar trabalhando em meio a uma cidade que demonstra também na intervenção cotidiana o quanto pode. Aliás, para os moradores, a ordem é de que não se abram as janelas que dão para a avenida.

Por ali, a partir da manhã desta quinta-feira desfilarão os feitos e as conquistas dos últimos 60 anos da China, numa festa que incluirá Hong Kong, Macau e Taiwan, estas duas primeiras celebrando à volta ao continente. O espetáculo popular em que o povo ocupa o papel de telespectador - todos vão ouvir as mensagens de casa, já que o acesso à Praça só será garantido por escassos convites - ainda promete acabar em carnaval, o que eu tou recebendo para ver.

Um carnaval com 60 carros alegóricos, alas, avenida. Mas sem povo. A paranóia aqui tá grande. Amanhã, no grande dia, todos os pilotos estrangeiros que atuam em empresas chinesas estão proibidos de cruzarem o espaço aéreo nacional. O aeroporto de Beijing ficará fechado das 9h às 12h. Nos caças que darão o ar da graça, mísseis prontos para o disparo trarão ogivas ativas. Os pilotos, estes da Força Aérea chinesa e chineses, já foram instruídos a não dispararem. Me sinto muito mais tranquila. Este será o 14° desfile militar da era pós Mao, mas o segundo em que os mísseis estarão prontos a disparar. A gente nunca sabe, né. A primeira, ocorreu justamente na parada de fundação, quando o Partido Nacionalista ainda não tinha sido totalmente derrotado no continente. Tempos de ameaças.

Esta paranóia ou mania de perseguição que deixa o país sempre alerta lembra um pouco a coisa do gato escaldado ter medo de água. E gato aqui se chama mao, numa mera coincidência.

A véspera do aniversário da república rende histórias inusitadas. Objetos cortantes, perfurantes, machucantes, estilos facas, tesouras e familiares não podem ser mais vendidos em Beijing já há coisa de duas semanas e  até o fim das comemorações. Tudo para evitar violências – estilo o ataque que aconteceu no dia 17 de setembro em Dashilan, perto da Praça da Paz Celestial, e que deixou dois mortos. Claro, quem mataria alguém usando uma faca usada, tirada da cozinha de casa, não é mesmo?

Turistas estrangeiros ao Tibete, não depois de 24 de setembro, não antes de 10 de outubro. Quem já está por lá, pode ficar. Mas que não está, fica para a próxima.

Tanta coisa que até fica difícil lembrar. O bloqueio mais evidente, no entanto, é o da internet, que afeta estrangeiros e locais, num controle que recrudesceu nos últimos dias, quando mesmo o batalhão que costumava lançar mão de VNPs e proxy viram seus subterfúgios sucumbirem aos censores, no que se chama Great Firewall of China. Minha aposta é que logo, logo, tudo será restabelecido, até porque depois dos 60 anos o que a China quer é mostrar os ares de modernidade, sustentabilidade e urbanismo consciente na onda da Shanghai 2010, a Expo Mundial que na internet começará ainda neste ano, num ambiente em 3D, que tem perfil no twitter e no Facebook. Não, você não está enganado. Estes dois últimos ainda não funcionam por aqui.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Jovem Guarda na China

Na próxima sexta, 2 de outubro, em plena ressaca das comemorações dos 60 anos da Nova China, cuja festa será celebrada com parada militar e China parada, devido à mobilização e à segurança em larga escala implantada para que tudo ocorra segundo o plano no país, Beijing também celebrará os 60, com características brasileiras.

Desta vez, os 60 da vez serão os Anos, aqueles dourados de Beatles e Rolling Stones, em que a Jovem Guarda estourou no Brasil e transformou as histéricas fãzocas do Roberto nas eternas caçadoras de rosas em shows do Rei - síndrome, aliás, que parece hereditária, e algumas vezes passa de mãe para filha.

Estas e outras paradas serão curtidas graças a esta que voz escreve, que discotecará junto à Fernanda Morena e à Paula Coruja.

O que falta na minha play list abaixo?

Aretha Franklin
Son of a Preacher

Geral
I Only Want To Be With You Tell The Boys (Medley)

Jovem Guarda
Biquíni de Bolinha Amarelinha
Rua Augusta

Os Vips
A Volta

Roberto Carlos
Calhambeque
É Proibido Fumar
Eu Sou Terrível
Namoradinha de um Amigo Meu
Não Vou Ficar
Todos estão surdos

Rolling Stones
Honky Tonk Women
Jumping Jack Flash
Paint It Black
Susie Q
Under My Thumb

Sérgio Reis
Coração de Papel

The Animals
Dimples

Don't Let Me Be Misunderstood
I'm Mad Again

The Beatles
Come Togheter
Day Tripper

Eleanor Rigby
Get Back
We Can Work It Out

The Fevers
Menina Linda

The Hollies
Bus Stop
Stay

The Monkees
Im a Believer
Mary, Mary

The Zombies
Time of the Season

Trini Lopez
If I Had a Hammer

Wanderléa
Pare o Casamento

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Solucionado o mistério

No ano passado, no período olímpico, uma coisa me chamou a atenção nas estações de metrô de Beijing, uma máquina para mim parecia uma betoneira (juro que nunca achei que conseguiria usar esta palavra). Não tive dúvidas e pedi pra marida clicar. Hoje, lendo sobre os preparativos para os 60 anos do aniversário da Nova China, solucionei o mistério daquelas geringonças. Se tratam de máquinas de desativação de bombas.
 
Acho que quando fiquei brincando com a minha, ela estava em deuso. Meda. Alias, você conhecia uma máquina de desativação de bomba:

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Variação sobre o mesmo tema

Nos ensaios para a parada militar que comemorará os 60 anos de fundação da República Popular da China, uma cena que me lembrou episódio de há 20 anos. O clique é da fotógrafa da AP Elizabeth Dalziel. Aliás, aqui http://ow.ly/qPyy você pode ver outras maravilhas em imagens sobre os preparativos da grande festa do governo.

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Casar é Pop

A China que eu conheço, esta que acontece agorinha mesmo, em 2009, tem duas características marcantes, entre tantas outras tão marcantes quanto.

A primeira é uma total guinada na vida da população, que experimenta uma liberdade um tanto impensada há pouco mais de 30 anos e enfrenta novos paradigmas, que fazem do outrora condenado modelo capitalista o sistema em que todos embarcaram. A segunda é resquício dos tempos duros de controle estatal, em que vida pública, profissional e privada se resumiam numa só. Hoje você bem pode mudar de cidade, ter dois ou três filhos, escolher que profissão seguir. Basta que tenha dinheiro. Ou quase isso. Sério, antes não podia.

Hoje ao chegar ao trabalho, me deparei com uma galeria de fotos celebrando as novas leis para o casamento, promulgadas no início da década de 1950, logo nos primeiros anos de Mao. Aliás, é dela que roubei a foto que ilustra este post. Para quem quiser ver todas, o que fortemente recomendo, siga este link http://www.chinadaily.com.cn/china/2009-09/24/content_8727518.htm .

Voltemos ao casamento. O que se celebra na Nova China é uma ruptura com os moldes casamenteiros do passado, tachados como feudais oficialmente, quando, a partir da estrutura civil da República Popular homens e mulheres passaram a ser iguais - ainda que na prática, nunca tão iguais assim. Até hoje, o Comitê Central do Politburo, as nove cabeças realmente importantes na esfera política chinesa, nunca teve participação feminina. Mas, bueno, no Politburo eles não são tão iguais assim. Falemos do povo - essa entidade que sempre se ferra e é feliz, já ensinava uma música qualquer.

Casar na China após 1950 deixou de ser arranjo entre famílias, e as mulheres puderam defintivamente abandonar o costume cruel de terem os pés atados para criar os famosos pés de lótus, um fetiche masculino que consistia na deformação dos tais pés, num esforço iniciado ainda na infância, quando as mães enfaixavam os pés das meninas para que estes não crescessem para além de 13cm, 14cm - mas o ideal mesmo eram aqueles que mediam 10cm. Com a deformação, as mulheres tinham um caminhar cambaleante, e o homem sabia que não perderia sua presa, praticamente impossiblitada de fugir de casa. A tradição já havia sido banida na criação da República, em 1911, mas foi com a ascensão de Mao ao poder que passou a ser crime. E viva a igualdade.

O que fica omitido na galeria de fotos que celebra a liberdade matrimonial foi o peso gigante da estrutura estatal nas decisões caseiras. Nos primeiros dois anos em serviços estatais, por exemplo, era proibido namorar. Os casais, muitas vezes, eram apresentados pelo representante local do Partido, num jogo em que a sugestão deveria ser aceita, sob pena de retaliações para a família do jovem que se recusasse. Afinal, só quem tão bem conhecesse sua comunidade para sugerir as uniões. Uma cena contudente está no filme de Zhang Yimou Viver (To Live, em inglês, 1994), proibido na China e que conta a história recente do país - notadamente a maoísta - sob a perspectiva de uma família. Pois a filha do casal protagonista é muda. E lá vem o chefete local arranjar o casamento da moçoila com um par manco, uma vez que dois portadores de deficiências não poderiam esperar casar com alguém "normal". Sutilezas do jeito chinês de arranjar as vidas, como eu disse, numa mistura geral de o que é de foro privado ou público. Na vida real, divórcio, só com permissão da unidade de trabalho - e ninguém tá preocupado em saber porque o casal queria divorciar.

As fotos mostradas no China Daily, jornal estatal, aliás, revelam aspectos típicos da sociedade, como o passeio de bicicleta após o casamento - cena, aliás, muito bem ilustrada em Viver. Não pense que o costume hoje tenha se perdido, apenas o meio de transporte mudou. Ao ver uma fila de carrões pretos decorados com flores, saiba que se trata de um desfile para recém casados. Juro que da primeira vez pensei se tratar de um cortejo fúnebre, impressão desfeita ao encontrar um colega chinês, que logo tratou de explicar que a procissão pomposa e em ritmo lento pelas ruas de Beijing se tratava de comemoração.

Muita coisa mudou, não apenas o abandono das bicicletas. Mas nos 60 anos, outro flagra mostra ainda Mao abençoando o casal, cena típica dos tempos de Revolução Cultural, quando as fotos que lembravam o casório eram tiradas em frente a retratos do Timoneiro e nas quais os pombinhos seguravam o famoso Livro Vermelho. Sinal de que a mística ainda é forte. Longa vida!

Se o Partido tenta dar esta cara de fim de casamentos arranjados na Nova China, esquece de dizer que segundo as palavras de Mao, os casais deveriam guardar energia para o trabalho, em vez de fazerem sexo. A vida privada envolvendo o prazer era um tabu tão grande que ainda hoje há quem esteja focado no trabalho e deixando de literalmente gozar a vida para não desperdiçar gás. Sinal de que a máquina propagandística é eficaz, alguns ecos ainda reverberam nas novas gerações. Gerações estas que podem ver no jornal a felicidade da união entre uma moça han com um tibetano, de casais celebrando a união em românticas carroças por ruas em Xinjiang. Tou falando da galeria do jornal estatal. Se você ainda não viu, clique. Mais uma chance:

http://www.chinadaily.com.cn/china/2009-09/24/content_8727518.htm .

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Simples assim

É simples assim. Kashgar te leva a um outro mundo que não é China, que reúne a vida cotidiana sob o fluxo contínuo de o que se aprendeu de geração em geração a um estado de aceitação. A vida como ela é. Para eles, os uigures, a vida é simples.

Para chegar à cidade, que já foi capital de um antigo reino na Ásia Central, uma das ideias é pegar um dos voos que partem diariamente de Urumqi, a capital de Xinjiang. O percurso de 1,2 mil quilômetros – mais ou menos o que separa Porto Alegre de São Paulo – é percorrido em uma hora e 40 minutos. Tempo para ver uma cordilheira sem fim de picos nevados e outras tantas montanhas que pintam a paisagem de verde, vermelho ou ocre, num colorido sem vegetação, mas de tirar o fôlego. Acrescente o céu azul de dias límpidos e abra a boca. Você vai dizer "bah!". Se não disser, azar o seu de não ter nascido ou ter sido criado no Sul, terra de onde herdamos uma simples partícula que denota espanto, surpresa, estupefação e até desacordo, numa gama de significados mil e uma utilidades. Tão simples e complexa quando os uigures, sacou? Afinal, saque um bom bah e seja tachado de gaúcho bairrista por qualquer brasileiro em qualquer ponto do mundo. Mais ou menos o que acontece com os uigures.

Eles são tachados de separatistas e passam os dias a ouvir e ler mantras de sociedade harmoniosa propagados pelo governo central em jornais, cartazes, nos caminhões do Exército que circulam incessantes pela cidade, especialmente depois dos protestos de 5 de julho. Um típico caso de entrar por um ouvido e sair pelo outro. Ainda bem que temos dois.

Não que eles sejam separatistas, muito menos que não haja gente que não seja – deve ter aos montes, especialmente aqueles que não conseguem se livrar tão fácil dos pedidos incessantes e hipócritas de harmonia e igualdade social (e com a coisa martelando na cabeça, é mais fácil perceber o quanto a injustiça e a hipocrisia podem ser danosas). A sociedade harmoniosa, aliás, é moldada numa outra cultura, e isso para mim já diz tudo. O sentimento maior é de não pertencimento. Depois, o que se faz com isso pode ser resignação ou insurreição. Não tem outro jeito.

A leitura sobre esta Região Autônoma da China nos leva a discutir o grau de preconceito em relação aos moradores donos da terra, que em geral têm menos direitos em carreiras públicas e privadas e se lascam na competição desigual com os han, os chineses maioria no pais e que detêm, diz-se, realmente o poder. Mas eu pararia ainda no estágio da identidade cultural, que diz respeito ao seu hábito alimentar, a como você escreve, de que jeito se expressa e se relaciona com o mundo. Viaje a Kashgar e veja que não está na China.

Kashgar está longe e perto  de um monte de coisa. Por imposição, é chinês. Por conta dos vizinhos talibãs do Afeganistão, virou cenário de filme. Foi ali que foram rodadas cenas de O Caçador de Pipas, O Garoto de Cabul, na tradução em Portugal (aliás, uma das únicas traduções na qual vi se perder a poesia, visto que até em chinês o que está em questão são os papagaios, 追风筝的人, Zhui Fengzheng de Ren). Devido ao perigo de rodar na capital afegã, Kashgar foi locação. Revi o filme só para ver se reconhecia alguma coisa. Não tendo ido a Cabul, não posso dizer que a cidade que aparece no filme seja um retrato fiel daquela que tentam representar. Mas me parece que essa era a ideia. Se deu certo, voilà, Kashgar está mais para Afeganistão que para China. Dos picos nevados e coloridos dos quais falei lá em cima às casas apoiadas em palafitas e revestidas de barro ocre, tudo é Xinjiang. E, sim, as carinhas das pessoas são as mesmas, tire apenas o turbante de alguns homens, isso eu não vi.

 

O filme tem logo no início uma imagem de um mercado de animais vivos. Adivinhe qual o primeiro programa do domingo pela manhã em Kashgar? Tente mais um pouco, depois eu conto.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Festa em Porto Alegre - eu iria



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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Visite شىنجاڭ

A China é o quinto maior país do mundo em espaço territorial, um sexto
do qual pertence à Região Autônoma Uigur de Xinjiang, a casa da etnia
que dá nome ao local, os uigures. Em julho deste ano, Xinjiang entrou
para o noticiário internacional graças a uma explosão de violência
étnica envolvendo os moradores locais e os chineses han, etnia que
compõe 92% da população chinesa e, a grosso modo, detentora do poder
político e dos direitos de ascensão social e econômica no país.

Desde então, internamente recrudesceram a repressão e os limites no
local, tradicionalmente o mais militarizado da China, em razão de o
que se considera celeiro de movimentos separatistas e até de
terrorismo. Não bastassem os quase 200 mortos após os confrontos de
julho e cerca de 1,8 mil presos, em setembro ataques com seringas -
cujo conteúdo é desconhecido ou não divulgado, apenas - voltaram a
aterrorizar a população, aumentando medos e preconceitos em relação
aos moradores da região, conhecidos pela China por serem responsáveis
por assaltos país afora. Um belo destino para cinco dias de descanso.

Sim, um belo destino, que me chamava a atenção desde a chegada à
China, em 2007, devido à diversidade cultural. Certo, pensava eu, que
grande parte dos mal-entendidos entre uigures e hans se davam por
desconhecimento - e falta de vontade de aprofundar relações - mútuo.
Acho que acertei. Às vésperas da viagem, não foi um nem foram dois os
chineses a me aconselhar a desistir, devido ao perigo. Do início ao
fim da viagem, as duas únicas situações de constrangimento nada
tiveram a ver com violência e foram protagonizadas pelos chineses han,
sinal de que civilidade não escolhe raça, mas índole - uma questão bem
mais individual que coletiva, em certos casos.

A viagem desta vez começou em Kashgar, cidade batizada pelos han como
Kashi, devido a dificuldades na pronúncia. Entreposto comercial dos
áureos tempos da Rota das Sedas, o local abriga cerca de 90% de
uigures, uns 8% de hans e outros 2% divididos em minorias como
quirguizes, cazaques, tadjiques e outros mais, a maioria com fortes
raízes da Ásia Central. Orgulhosos de seu passado cuja ligação turca
se revela na fala e cuja religiosidade segue os preceitos do Islã, os
muçulmanos locais adotaram o alfabeto árabe e não se sentem nem um
pouco constrangidos em deixar claro o quanto pertecem à cultura dos
países vizinhos e o quanto se vêem discriminados dentro do país que
resolveu os acolher, ou dominar – use o verbo que se encaixar melhor a
suas concepções geopolíticas.

Uigures escrevem شىنجاڭ para dizer 新疆, que é como os chineses
escrevem Xinjiang, ou Nova Fronteira, o nome dado pelos poderosos da
Dinastia Qing (1644-1911), os primeiros chineses - ainda que manchus -
a estender os limites do Império do Meio àquelas paragens. Mas é
justamente nesta manutenção da raiz cultural (que eu, e mais uma
galera que a gente pode chamar de a torcida do Flamengo e mais um
pouco, apoio) que os uigures dançam, encontram dificuldades nas
carreiras públicas e mesmo privadas no local onde moram. Exames para
admissão em universidades, cargos no governo, todos exigem testes
realizados em mandarim. E, então, desde crianças os pequenos uigures
são convidados pelos próprios pais a deixarem de lado um pouco de suas
raízes em busca do sonho de crescer na vida. Recebem educação formal
segundo os moldes chineses, têm turno dobrado em casa para aulas com a
vovó, a mamãe, a titia, ou quem estiver por perto para ajudar.

Eles estão em meio a uma cultura que não lhes diz nada, tão exótica
quanto a portuguesa foi para os amigos índios de outrora. Sim, a
comparação aqui pode te levar tranquilamente a episódios como
dominação pela força, colonização, exploração de recursos naturais -
então não que eu queira ser manipuladora, mas se você optou por
acolher no verbo lá em cima, revise a escolha. Ou você acha que a Nova
Fronteira é tão importante só por ser nova e só por ser fronteira com
oito países (Rússia, Mongólia, Cazaquistão, Tadjiquistão, Quirguistão,
Afeganistão, Paquistão e Índia)? Nada, ali tem gás e tem petróleo, só
para citar dois produtos tão caros aos chineses, tão carentes em
energia.

Antes de chegarmos mais perto deste povo, a gente faz uma pausa por
aqui. Depois tem mais, amiguinhos.

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Janaína Camara da Silveira
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Comida de fora é pop

Acredite se quiser, tem muito chinês que jura de pé junto que a comida
ocidental é sem graça, preparada a qualquer modo, sem os segredos do
bom corte dos ingredientes e daqueles da feitura na hora - com tempo
de cozimento surpreendentemente curto - da culinária chinesa.

Mas comer pratos ocidentais para estes orgulhosos é chique. Simples
assim, não tente entender. Ou você acha que aqui McDonald's, KFC e
Pizza Hut são sucesso por quê? Neste último, apesar de filias às
pencas nas grandes cidades, muitas vezes se formam filas de espera. O
KFC é uma das escolhas preferidas para levar a gata para superagradar
num primeiro encontro - e com tanta gente tendo tanto primeiro
encontro, a rede cresce que é uma beleza, numa média de uma nova loja
aberta por dia no país em 2008.

O primeiro estrangeiro pós-Mao, no entanto, não foi um representante
de redes fast food norte-americanas. Beijing recebeu uma comida que
não fosse a chinesa durante a era comunista em 1954, cinco anos depois
da fundação da República Popular. O estreante foi o Moscou, referência
à capital dos amigos russos. Pois os quitutes da terra de Stálin eram
servidos para figurões do partido e convidados. E só. Ou você acha que
ambientes VIP são exclusividades capitalistas?

Em pouco tempo, o restaurante passou a receber os afortunados que
podiam pagar entre um e dois Renmbins - o dinheiro do povo, nome da
moeda chinesa - pela extravagância. Mas a festa durou pouco. Em 1963,
com o estremecimento das relações entre Beijing e Moscou, visto que os
outrora modelos comunistas no momento davam pitacos demais nos rumos
do Timoneiro, o Moscou fechou. Quer dizer, mudou de nome e de
cardápio, perdendo o status de estrangeiro. Qualquer referência não
chinesa era algo bem contrarrevolucionário nos tempos obscuros da
Revolução Cultural, diga-se de passagem, quando a imagem dos demônios
estrangeiros foi mais que propagada.

Agora, nos 60 anos da Nova China e nos 60 anos do estabelecimento das
relações diplomáticas entre os dois países - em 1949, a China de Mao
foi reconhecida por apenas 19 nações, entre elas a então União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS, lembra? ) -, o local reabriu,
retomando as características originais. O espaço é aberto para todos,
e em tempos de enriquecimento glorioso abençoado desde Deng Xiaoping,
certo que o público local pode ser bem maior. Ainda assim, pode ser
salgado, coisa de 200 Rembins para um casal, ou cerca de R$ 65 - algo
como um quarto do que ganha num mês a mocinha do caixa do KFC que
atende casais de pombinhos emergentes chineses. O capitalismo, ops, o
socialismo com características chinesas também tem área VIP.

***
Ah, o restaurante, para os que estão em Beijing

Restaurante Moscow ( 莫斯科餐厅)
135 Xizhimen Waidajie, Xizhimen - besides Beijing Exhibition Center
西直门外大街135号 - 北京展览中心旁
Telefone: 6835-4454

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A China é mais que pop, é antenada e vai de mashup em mashup

Há 60 anos o Sol Vermelho chinês brilha, sem se por. Pelo menos é isso que a propaganda oficial vende, mesmo que durante tantos dias a poluição decorrente do apetite chinês por crescimento econômico o esconda (afinal, bem ao gosto local, sempre tem algo exterior querendo estragar a festa - os culpados são sempre os outros, maldita poluição). Mas não tá morto quem peleia, China não se entrega.

Para não estragar o nobre paladar na festa de 1° de outubro, a capital está fazendo bonito. Anunciou que irá dedetizar as imediações da Praça da Paz Celestial, a fim de que ratos, baratas e mosquitos não atrapalhem. Bichos escrotos. Os ratinhos podem roer os fios por onde os dados passarão para ganhar o mundo, sejam estes em imagens ou sons - e também ninguém taqui para correr o risco de ficar às escuras. Já os mosquitos, informa a agência estatal, poderiam perturbar os espectadores. Imagina que chato. As baratas acho que deram azar, não sei em qual categoria de mal foram listadas, sei que não tiveram melhor sorte.


Você pode dar pouca importância a toda esta mania de limpeza, mas num país em que existe a Comissão Nacional do Movimento Patriótico e Sanitário, seria melhor levar a sério. Por aqui, manter banheiros e que tais limpinhos significa amar a pátria. Ou tem gente que não ama, ou esconde como dá. E, claro,  também não limpa.


Ao mesmo tempo em que trata destas limpezas e varridas para baixo do tapete, a China mostra que é pop e de olho nas tendências. Entre as tantas bolas da vez internéticas, está o mashup, palavra que tem raiz musical ao designar a sobreposição de duas ou até mais composições. E, bueno, este conceito o país antecipou nos tempos em que decidiu cunhar a expressão Socialismo Com Características Chinesas. Você pode ler sem vergonha alguma Capitalismo.


Pois ao comemorar os 60 anos da República Pop, eis uma aula de passado a limpo via Mashup. Nunca vi tanta mistura de conceitos como num texto com o qual me deparei semana passada produzido pela agência estatal, num exercício árduo que perpassa minha capacidade de compreensão ora como intrigante, paradoxal, complexo e até hilário ou ingênuo. Ou você acredita que possa haver algo mais opensource do que oficialmente saudar levas de peregrinos em visita à estátua de Mao em Shaoshan, a vila onde ele nasceu, para pedir emprego e a volta da prosperidade à província de Guangdong, mega afetada pela crise financeira e o chão de fábrica chinês, praticamente a redenção dos capitalistas de meia tigela e dos de bala na agulha mundo afora e a responsável pelos cacarecos made in China que você, sim, você, caro leitor, encontra nas piores lojas do ramo? Claro, com tanto mashup assim, eu não poderia deixar de botar você no meio.


A pérola intitulada O Sol Vermelho nunca se põem nos 60 anos da Nova China é uma peça a ser estudada. O texto oficial fala sobre Mao Zedong, o líder do Partido Comunista que declarou a República Popular e ficou no poder até a morte, em 1976. Na vila onde nasceu, Shaoshan, chamada de sagrada pela imprensa oficial, Mao foi eternizado numa estátua de 6 metros, a mesma altura do retrato que vigia a Praça da Paz, celestial ou imposta. Ali ele recebe oferendas, como cigarros da marca 555, luxo burguês importado, mimo para o timoneiro comuna.


É em frente à imagem, continua o texto, que fiéis rezam pedindo emprego. Sim, sagrado, fiel, peregrino, rezar, todas estas palavras estão sendo usadas para designar quem um dia classificou de antirevolucionário os que tinham credo que não fosse o cego nele mesmo, o timoneiro, mas credo este antes disfarçado em fervor patriótico, para a construção do país. Agora a coisa descambou. Ah, assim como os fieis fazem ao padinho, o Padi Ciço (Padre Cícero para os não iniciados no nordestinismo brasileiro), em frente ao Mao também se pedem bênçãos. E tudo de bem.


Agora nos trilhos do desenvolvimento, Shaoshan bem sabe que o turismo pode dar uma mão para a economia. Segundo o secretário do PCC – que aqui é só Partido Comunista da China – de Shaoshan, Mao Yushi, foram 2 milhões de peregrinos nos últimos anos. A devoção vem de criança. Todo o aluno na China recebe educação compulsória em uma disciplina especial, Introdução ao Pensamento de Mao Zedong. E segue o baile.


Tudo o que deve ser sabido sobre a vida do grande líder é decidido pelo partido.  Nunca se espante quando um chinês lhe disser que tanto o Grande Salto Adiante (1958-1960) quanto a Revolução Cultural (1966-1976), ambas organizadas, premeditadas e planejadas por Mao levaram o país ao caos. Por aqui, todos sabem que o timoneiro errou 30%, foi o sucessor Deng Xiaoping, quem calculou, disse e fez da estatística algo oficial. E agora não se discute mais isso. Mesmo que estas tais palavrinhas organizar, premeditar e planejar até hoje sejam sempre ligadas a quem é muito do mal, segundo estes mesmos que ensinam sobre os 30%, estou falando agora do seu Dalai e da dona Rebiya.


Bueno, agora que você já entendeu um pouco de como funciona a propaganda chinesa, eu nem vou dizer que o texto oficial termina com uma declaração um tanto interessante do diretor da Academia de Marxismo da Academia Chinesa de Ciências Sociais, Li Wei, que diz assim "quanto mais estudamos Mao, mais claramente percebemos o quanto da escessência da civilização ocidental, como democracia e sistema legal, está presente nos pensamentos de Mao". Vai ver que foi pena ele ter morrido. Porque levou os tais pensamentos com ele. Ou alguém se enganou e na hora da limpeza os escondeu debaixo do tapete.


Ah, o texto em inglês
http://news.xinhuanet.com/english/2009-09/03/content_11990412.htm

A foto foi emprestada do arquivo do China Daily, e retrata o momento da fundação da Nova China, por Mao, na Praça

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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A volta no tempo em 60 anos

A televisão chinesa mostrou um pouco do primeiro grande ensaio para a parada de 1° de outubro, que irá celebrar os 60 anos da República Popular da China em Beijing. Se você achou a abertura da Olimpíada bacana, prepare-se para algo mais grandioso. Afinal, são 200 mil envolvidos no espetáculo, algo um tanto pop nas paragens comunistas. As paradas grandiosas, eu digo.

A coisa consiste em disciplina e muita gente reunida pulando, cantando, marchando, tocando, levantando bandeira, papelzinho e cartaz de forma coreografada, em resultados de sons, cores e movimentos que deram vida ao Misha, por exemplo, o mascote fofo da então União das Repúblicas Soviéticas Socialistas na Olimpíada de 1980. Bem, se você não sabe o que é o Misha, também não deve saber o que é a URSS, então deixa pra lá. Ou deixa pra China.

O que se espera do espetáculo do dia 1° é justamente uma volta no tempo - e você terá o gosto de o que é uma parada histórico militar comunista, a 14ª na história da China e a primeira em 10 anos. Você e eu, que nunca vi. Não espero nada menos do que grandiosidade e disciplina, mas sem muita inovação. É certo que haverá 60 carros alegóricos, o que até me assusta, dado o gosto por muitas vezes duvidoso daqui, que pode resultar num grande carnaval. Mas acho que não, acho que a busca será pelo simples e plasticamente interessante. Estamos falando de Zhang Yimou, e você deve ter visto o Clube das Adagas Voadoras (e se não viu, dá tempo).

Tecnologia mesmo ficará por conta da demonstração das Forças Armadas, estas devem vir para impressionar, não pela beleza junto à simplicidade, mas pelo poder. Tipo algo para se orgulhar dentro de casa e mandar recado para os que estão de fora. Taiwan é da China, viu pessoal. E não se fala mais nisso. Ou eles não querem que se fale mais nisso.

Abaixo segue um link com imagens do ensaio, com áudio em chinês. Se você não fala mandarim, desencana de tentar pegar algo, mas curte o que está por vir. Aliás, o próprio Zhang falou pouco depois da abertura da Olimpíada de Beijing que somente com chineses conseguiu dirigir um espetáculo como o de então, devido ao grau de compromentimento e destreza. Meu palpite é de que 8 de agosto de 2008 foi só um teste.

http://video.sina.com.cn/news/c/v/2009-08-31/081243984.shtml

terça-feira, 1 de setembro de 2009

A república é pop

Daqui a exato um mês, a China completa 60 anos de República Popular. No dia 1°de outubro de 1949, Mao proclamou a tal para uma platéia estimada em 1 milhão de pessoas na Praça da Paz Celestial, a que por aqui conhecemos como Tiananmen.

Era só o começo de tempos de mudanças, tantas que hoje o país avaliado, estudado e entendido dentro e fora dos limites geográficos chineses é aquele pós-Mao, como se tudo o que tivesse vindo antes - e é bastante coisa, você bem sabe que estes pagos têm histórias milenares - fosse uma prévia ou as bases para a Nova China, o nome dado pelos comunistas ao ascenderem ao poder.

Fato é que a República Popular da China hoje nem tem tanto de popular, mas é pop. No Brasil, a gente diria que dá Ibope - apesar de eu, pessoalmente, achar que ainda falta muito para o Brasil acordar para o tamanho da importância chinesa, com certeza. Mas isso é outra história.

O papa é pop. A China é muito mais. O papa é o sucessor de Pedro. A China é a melhor amiga, até já anunciou que no dia 1°de outubro não vai chover em Beijing, graças a iniciativas do Departamento de Modificações do Clima - sim, isto existe nos quadros (des)funcionais do governo municipal da capital chinesa -, quando a cidade verá uma parada de proporções tão ou mais suntuosas do que a abertura da Olimpíada. O diretor artístico é o mesmo daquele 8 de agosto, o do ano passado, o cultuado Zhang Yimou.

São 200 mil pessoas envolvidas, num espectáculo que irá contar a história do país, além de ter apresentação (do poderio) das Forças Armadas. Há 10 anos não existe a tal parada. Desta vez, ela se chamará "A Pátria e Eu Avançamos Juntos". Avançam a passos largos, apesar de o primeiro ensaio geral ter deixado o centro da cidade, numa extensão de 8 quilômetros pela avenida principal, a ChangAn, parado entre o início da noite da última sexta até o começo da tarde de sábado, e o mesmo valendo para a linha 2 de metrô, sistema circular que passa pelo coração beijinense. Manobras ousadas, tanto ao gosto chinês. Ou você acha que é mole interromper o vai-vém de uma região movimentada numa cidade de 16 milhões de habitantes? Ah, se pensarmos nos 1,3 bilhão que oficialmente habitam este solo, nem é tanto assim.

Sobre os festejos de 1°de outubro o que a gente sabe até agora é que há dois telões gigantes em frente ao retrato de Mao. O retrato de Mao tem 6 metros de altura. Eu que não entendo nada de proporção, arrisco que os tais telões têm entre 30 e 50 metros de altura. A gente também sabe que o presidente, Hu Jintao, fará um discurso histórico. E sabe que terá festa com fogos de artifício. O resto eu não sei, mas imagino. Vai ter um medo incrível de que haja boicote, ataque terrorista e etc e a segurança estará bem reforçada. Para adentrar na Praça, só credenciado e convidado. Entre amigos a gente comenta que os convidados serão parentes próximos de integrantes das estruturas burocráticas do poder do Partido Comunista da China, gente que nem de longe representa qualquer perigo para o status quo. Uma festa para o povo ver na TV, mídia que combina mais com o gosto popular. Bem diferente dos dias de Mao na Praça, bem diferente do que imaginaria ser uma festa democrática no Brasil. No comunismo, perceberam, líderes e privilegiados têm espaço vip. Igualdade tem destas coisas.

O aniversário de daqui a um mês será o momento de afirmação do partido no poder. Vai ser uma propaganda voltada para dentro, e o apoio popular talvez surpreenda quem está de fora. Pra uma nação que vem de um histórico de fome e miséria, os erros e acertos do atual governo são sempre lembrados por quem é a favor, é contra, ou moderado. Uns lembram mais erros, outros lembram mais acertos, mas é fato que mesmo quem não está contente percebe avanços em serviços básicos de saúde, transporte, saneamento, nível de vida, poder de compra e tantos outros que tais que olhar para trás quase provoca um apoio ainda que furtivo e mal disfarçado ao atual partido. O que incomoda mesmo, parece, é o sistema. Uma mão de ferro de controle que mistura o público ao privado e vê na omissão e manipulação de informações a redenção para uma sociedade pacífica e harmoniosa, ainda que não haja a medida de justiça razoável para muitos. Mas as injustiças de antes eram outras tão injustas que...

De hoje e até 1°de outubro, ou um pouco mais, sempre há a ressaca das festas, convido você para acompanhar um pouco deste burburinho, num olhar estrangeiro, mas limpinho, sobre os 60 da RPC. Sempre neste mesmo webbatenderereço.

Até amanhã, camaradas.