Há 60 anos o Sol Vermelho chinês brilha, sem se por. Pelo menos é isso que a propaganda oficial vende, mesmo que durante tantos dias a poluição decorrente do apetite chinês por crescimento econômico o esconda (afinal, bem ao gosto local, sempre tem algo exterior querendo estragar a festa - os culpados são sempre os outros, maldita poluição). Mas não tá morto quem peleia, China não se entrega.
Para não estragar o nobre paladar na festa de 1° de outubro, a capital está fazendo bonito. Anunciou que irá dedetizar as imediações da Praça da Paz Celestial, a fim de que ratos, baratas e mosquitos não atrapalhem. Bichos escrotos. Os ratinhos podem roer os fios por onde os dados passarão para ganhar o mundo, sejam estes em imagens ou sons - e também ninguém taqui para correr o risco de ficar às escuras. Já os mosquitos, informa a agência estatal, poderiam perturbar os espectadores. Imagina que chato. As baratas acho que deram azar, não sei em qual categoria de mal foram listadas, sei que não tiveram melhor sorte.
Você pode dar pouca importância a toda esta mania de limpeza, mas num país em que existe a Comissão Nacional do Movimento Patriótico e Sanitário, seria melhor levar a sério. Por aqui, manter banheiros e que tais limpinhos significa amar a pátria. Ou tem gente que não ama, ou esconde como dá. E, claro, também não limpa.
Ao mesmo tempo em que trata destas limpezas e varridas para baixo do tapete, a China mostra que é pop e de olho nas tendências. Entre as tantas bolas da vez internéticas, está o mashup, palavra que tem raiz musical ao designar a sobreposição de duas ou até mais composições. E, bueno, este conceito o país antecipou nos tempos em que decidiu cunhar a expressão Socialismo Com Características Chinesas. Você pode ler sem vergonha alguma Capitalismo.
Pois ao comemorar os 60 anos da República Pop, eis uma aula de passado a limpo via Mashup. Nunca vi tanta mistura de conceitos como num texto com o qual me deparei semana passada produzido pela agência estatal, num exercício árduo que perpassa minha capacidade de compreensão ora como intrigante, paradoxal, complexo e até hilário ou ingênuo. Ou você acredita que possa haver algo mais opensource do que oficialmente saudar levas de peregrinos em visita à estátua de Mao em Shaoshan, a vila onde ele nasceu, para pedir emprego e a volta da prosperidade à província de Guangdong, mega afetada pela crise financeira e o chão de fábrica chinês, praticamente a redenção dos capitalistas de meia tigela e dos de bala na agulha mundo afora e a responsável pelos cacarecos made in China que você, sim, você, caro leitor, encontra nas piores lojas do ramo? Claro, com tanto mashup assim, eu não poderia deixar de botar você no meio.
A pérola intitulada O Sol Vermelho nunca se põem nos 60 anos da Nova China é uma peça a ser estudada. O texto oficial fala sobre Mao Zedong, o líder do Partido Comunista que declarou a República Popular e ficou no poder até a morte, em 1976. Na vila onde nasceu, Shaoshan, chamada de sagrada pela imprensa oficial, Mao foi eternizado numa estátua de 6 metros, a mesma altura do retrato que vigia a Praça da Paz, celestial ou imposta. Ali ele recebe oferendas, como cigarros da marca 555, luxo burguês importado, mimo para o timoneiro comuna.
É em frente à imagem, continua o texto, que fiéis rezam pedindo emprego. Sim, sagrado, fiel, peregrino, rezar, todas estas palavras estão sendo usadas para designar quem um dia classificou de antirevolucionário os que tinham credo que não fosse o cego nele mesmo, o timoneiro, mas credo este antes disfarçado em fervor patriótico, para a construção do país. Agora a coisa descambou. Ah, assim como os fieis fazem ao padinho, o Padi Ciço (Padre Cícero para os não iniciados no nordestinismo brasileiro), em frente ao Mao também se pedem bênçãos. E tudo de bem.
Agora nos trilhos do desenvolvimento, Shaoshan bem sabe que o turismo pode dar uma mão para a economia. Segundo o secretário do PCC – que aqui é só Partido Comunista da China – de Shaoshan, Mao Yushi, foram 2 milhões de peregrinos nos últimos anos. A devoção vem de criança. Todo o aluno na China recebe educação compulsória em uma disciplina especial, Introdução ao Pensamento de Mao Zedong. E segue o baile.
Tudo o que deve ser sabido sobre a vida do grande líder é decidido pelo partido. Nunca se espante quando um chinês lhe disser que tanto o Grande Salto Adiante (1958-1960) quanto a Revolução Cultural (1966-1976), ambas organizadas, premeditadas e planejadas por Mao levaram o país ao caos. Por aqui, todos sabem que o timoneiro errou 30%, foi o sucessor Deng Xiaoping, quem calculou, disse e fez da estatística algo oficial. E agora não se discute mais isso. Mesmo que estas tais palavrinhas organizar, premeditar e planejar até hoje sejam sempre ligadas a quem é muito do mal, segundo estes mesmos que ensinam sobre os 30%, estou falando agora do seu Dalai e da dona Rebiya.
Bueno, agora que você já entendeu um pouco de como funciona a propaganda chinesa, eu nem vou dizer que o texto oficial termina com uma declaração um tanto interessante do diretor da Academia de Marxismo da Academia Chinesa de Ciências Sociais, Li Wei, que diz assim "quanto mais estudamos Mao, mais claramente percebemos o quanto da escessência da civilização ocidental, como democracia e sistema legal, está presente nos pensamentos de Mao". Vai ver que foi pena ele ter morrido. Porque levou os tais pensamentos com ele. Ou alguém se enganou e na hora da limpeza os escondeu debaixo do tapete.
Ah, o texto em inglês
http://news.xinhuanet.com/english/2009-09/03/content_11990412.htm
A foto foi emprestada do arquivo do China Daily, e retrata o momento da fundação da Nova China, por Mao, na Praça
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Janaína Camara da Silveira
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