Depois de um ano da Olimpíada, o texto que fiz no encerramento dos jogos no ano passado, no finado China in Blog, bloguinho supimpa que mantive durante um ano no clicRBS. Ao texto, pois.
***
Os internautas chineses cunharam um novo termo na web do país: a Geração Ninho de Pássaro. Fácil perceber a referência ao Estádio Nacional, xodó desta edição olímpica. Após o sucesso de Beijing 2008, os jovens se apropriaram do nome para mostrar a que vieram: querem mais sucesso, visibilidade e contato com o mundo inteiro.
Bom, se repetir a fórmula esportiva, ainda querem, de lambuja, mostrar que são potência (a China disparou no topo das conquistas de ouro, com 51 medalhas nesta edição, feito inédito que deixou os Estados Unidos no segundo lugar, com 36).
O termo Geração Ninho de Pássaro apareceu nesta segunda-feira em meios de comunicação chineses após uma enquete online realizada pelo portal mais popular da China, o sina.com, e o jornal China Youth Daily. Dos 3 mil participantes, 43% acreditam que esta Olimpíada mostrou ao mundo o êxito dos 30 anos de reforma e abertura chinesa.
E quem é esta geração?
Eles têm entre 10 e 29 anos. Cresceram ou se formaram indivíduos adultos vendo o Ninho de Pássaro nascer. Nos últimos sete anos, a China se moldou para sediar os jogos. Nada mais natural de que esta parcela da população seguisse os passos rumo a modernização. Justo, eles falam outras línguas e são estandartes de uma bandeira da qual a China se orgulha: simbolizam o mix da cultura oriental a cultura do Ocidente.
Transitam com facilidade entre estes dois pólos - o que, até onde posso entender, é uma vantagem para os chineses. Para mim, é mais fácil um chinês entender o Ocidente do que um ocidental tentar fazer o contrário.
Bom, eles também são a maior parte dos internautas - o que pressupõe participação ativa em discussões online e busca de informações pela rede. E, nossa, quando caiu a ficha de o que isso representa em números, espantei-me um pouco mais. A Geração Ninho de Pássaro equivale a um terço dos 1,3 bilhão de chineses. O que significa? Mais de 430 milhões de pessoas, dois Brasis e mais um pouco, só para completar.
Os próximos passos da geração Ninho de Pássaro
A foto aí de cima mostra uma voluntária dentro do Ninho de Pássaro, e achei adequado para ilustrar este post.
Nas muitas conversas com profissionais, atletas e até a partir de experiências próprias fiquei com uma impressão: mesmo com toda a amabilidade e simpatia, faltou aos voluntários ou um inglês mais apurado ou até desenvoltura.
Algumas informações eram impossíveis de se conseguir. Em outros casos, quando a língua não atrapalhava, o difícil era o entendimento mútuo, por simples questões de pontos de vista sobre o mundo. Explico.
- Ao Norte do Cubo d'Água
Certa feita, atrasada para encontrar o Ginásio Nacional, onde assistiria a final feminina de Ginástica Olímpica por equipes, após ter perguntado a alguns voluntários, parei para pedir informações a mais uma. E ela disse:
- O ginásio fica ao Norte do Cubo d'Água.
Eu estava atrasada, a informaçãoo me deu nos nervos. Aqui em Beijing, os pontos cardeias são básicos como referência. Esqueça os tradicionais direita e esquerda. Este novo estilo de orientação, juro, às vezes me desorienta e exaspera. Recomenda-se respirar fundo três vezes e procurar a bússola. Para os moradores da cidade, não tem perdida quando se trata de leste, sul, norte, oeste - os pontos cardeais regem até mesmo princípios de Feng Shui, aliás.
Vai dizer, questão de perspectiva, não? É preciso entender e, na medida do possível, se adaptar. Mas naquele momento, eu respirei apenas uma vez e perguntei se, andando naquela direção, eu teria de virar a esquerda ou a direita. Oras!
- Que ônibus pegar
Em outra ocasião, após algumas finais do atletismo - e no dia em que cantei parabéns para o Usain Bolt -, queria um ônibus para chegar ao centro da cidade. Um voluntário segurava uma placa (escrita apenas em chinês, mas com uma iconografia em que facilmente se reconhecia um ônibus) indicando o caminho para o ponto. Antes de chegar lá, nada mais natural que eu tentasse saber que ônibus pegar. Então perguntei:
- Qual ônibus devo pegar para chegar próximo ao Estádio dos Trabalhadores (o que era um bom ponto de referência para a região onde eu estava querendo ir)?
- Não sei, você precisa voltar e perguntar no centro de informações sobre as rotas de ônibus.
Para mim, parecia inacreditável. Alguém que segura a placa indicando o ponto de ônibus não sabe que ônibus devemos pegar - e não tem a mínima idéia sobre as rotas. Aliás, apenas o fato de alguém ter de segurar uma placa em vez de a placa estar fincada no chão já é de se estranhar. Lógica chinesa 2, assim, numa primeira análise: como tem muita gente, tem gente para fazer tudo. Divisão de tarefas me parece o lema. E que divisão. Cada um cuida do seu cada qual e era isso. Aff, as vezes acumular algumas funções até ajuda!
O mundo precisa se abrir a China
Estes exemplos, a meu ver, dão a dimensão do abismo comunicacional entre a China e o resto do mundo. Não é a dificuldade do mandarim que inibe. São as barreiras culturais que dificultam.
Daí, tem horas em que penso que em vez de a China absorver o mundo - o que fez com sua política de reforma e abertura há 30 anos - chegou a hora de o mundo tentar entender e absorver a China, num movimento de abertura inverso.
Para isso, o Ninho de Pássaro bem que serve como ícone. O projeto dos suíços Herzog & De Meuron deixou o mundo babando. Bonito é pouco para definir o Estádio Nacional - dedo estrangeiro no interior da maior festa chinesa dos últimos tempos, quando a China se afirmou como potência esportiva, tecnológica e econômica.
A base já está aí, agora a responsabilidade é da Geração Ninho de Pássaro. Alguém duvida de que eles irão conseguir e que para nós, nos resta ampliarmos os horizontes do "Ni hao"?
Ah, pela internet, eles já avisaram: 44% disseram que o mundo deve aprender com a China e entender melhor o país!