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terça-feira, 12 de maio de 2009
5.12
A China lembra hoje o primeiro aniversário do terremoto de 8 graus na escala Richter, cujo epicentro atingiu o distrito de Wenchuan (汶川) às 14h28min de 12 de maio de 2008. Era o início de uma sucessão de tragédias humanas, de mais de 80 mil vidas abreviadas. Até agora, a contagem oficial de mortos não foi encerrada, resultando em cerca de 17 mil desaparecidos. Muitos corpos jamais serão recuperados.
Pois apenas em Wenchuan, houve 21 mil mortos, ou dois terços da população local, composta pela minoria Qiang (羌族, ou qiang zu, em mandarim). Aqui há fotos fantásticas desta minoria, apesar de um selo horrível aplicado pelo autor, talvez com medo de que as imagens fossem roubadas. Deixa pra lá. E horrível mesmo é este relógio que abre o post, mas sobre isso falo daqui a pouco.
Qiang em mandarim significa pastor. Na última contagem oficial do governo chinês, somavam pouco mais de 300 mil pessoas, mas no terremoto, 10% deste povo morreu. Uma triste ironia para gente que celebra na natureza seus deuses, tendo em cachorros, ovelhas e bois alguns de seus ícones sagrados. Os Qiang, aliás, têm como doutrina o animismo, considerado por teóricos como o antropólogo britânico Edward Burnett Tylor (1832-1917) o primeiro estágio da evolução religiosa da humanidade, quando o homem crê que todas as formas identificáveis da natureza possuem alma - depois a antropologia reviu o conceito e decidiu que a crença não pode ser tachada como tão primitiva assim, mas vamos deixar pra lá esse papo também.
O horror provocado pelo terremoto foi lembrado hoje em cadeia nacional. O presidente chinês, Hu Jintao, pediu que os esforços para reconstrução, previstos para terminarem em três anos, sejam resumidos a dois. Como fala o Paulo Xavier, um estudante português que mora em Chengdu, a capital de Sichuan, e que conheci no ano passado, há uma capacidade gigante de tocar a vida pra frente, de querer reconstruir e recomeçar. Com ou sem governo, diga-se de passagem.
As ações governamentais, claro, revelaram-se fundamentais e são exaltadas hoje pela mídia chinesa de diversas formas. É escola inaugurando aqui, hospital, até estrada, como uma nova rodovia de mão dupla ligando Yingxiu (映秀) a Dujiangyan (都江堰) - esta última, cidade que visitei poucos dias após o tremor. Pois foi lá que a realidade da tragédia bateu mais forte na minha cara e carimbou um sentimento de espanto, mais do que qualquer outro que possa pensar. Compaixão e pesar são fortes também, mas minha surpresa se deu pela capacidade que o ser humano tem de viver. Vai ver é esta tal força de que o Paulo fala.
Depois de ter visto a região central de Dujiangyan destruída e um sem fim de lonas plásticas abrigando velhos, adultos e crianças pelos canteiros das avenidas - gente que contemplava suas casas e prédios aos pedaços e chorava seus mortos sem deixar lágrimas escorrerem -, embarcamos eu, a Tati Klix, uma intérprete e o nosso motorista-guia rumo à região mais rural. Ali, as casas de barro e tijolos tinham vindo abaixo, deixando os moradores desabrigados. Uma fábrica inteira desmoronou, uma escola fez 700 alunos vítimas. E no meio do que poderia ser desespero, se viam filas intermináveis de carros civis com doações tentando chegar aos mais necessitados, trafegando em estradas em péssimas condições, caminhões do exército, ambulâncias. E os sobreviventes locais? Ninguém esperava ajuda ou procurava reerguer algo de seu patrimônio particular. Homens, mulheres, entre jovens e idosos, todos, me pareceu, empunhavam enxadas e, num esforço contínuo, tentavam manter a estrada trafegável, tapando buracos, abrindo valas para escoar a água. Chocante. E só de escrever me emociono.
Desta imagem mais forte da tragédia e deste traço de superação humano que encontrei resultaram histórias de vida. O China Daily, jornal em inglês, lembra o caso de Xiao Zhihu, de 80 anos, encontrado com vida 266 horas após o tremor, ou seja, 11 dias, 23 de maio do ano passado.
Três dias antes, 20 de maio, o distrito de Wenchuan havia sido fechado, devido ao medo governamental de uma epidemia. A população foi retirada e agora vê sua cidade ser reconstruída a 23 quilômetros do local original. Hoje, assim como há dois dias e até amanhã, os antigos moradores podem ir até a sede original para homenagear seus mortos.
Talvez eles tenham tido mais sorte. Há 33 anos, os chineses da cidade de Tangshan (唐山), na província de Hebei (河北), viveram sua parcela de horror, sem tanto apoio, sem mesmo ter como chorar quem se foi. Um terremoto de 7,8 graus na escala Richter atingiu a cidade, deixando 242 mil mortos e 164 mil feridos. A maioria das vítimas foi enterrada em covas coletivas. Naquele tempo, a ajuda internacional tão elogiada pelo atual presidente chinês no episódio de 2008 sequer poderia ter vindo, caso esta fosse a vontade. Um governo míope fez questão de esconder a tragédia dentro e fora do país. No exterior, as histórias de Tangshan foram conhecidas apenas anos mais tarde.
Talvez Wenchuan tenha dado uma lição. Foi uma das primeiras vezes em que jornalistas se sentiram mais livres para cobrir uma tragédia em território chinês. O baque trazido com a tragédia não fez a China se fechar, bem ao contrário. Nangsha, 33 anos depois, inaugurou em 1°de maio deste ano um mural com os nomes dos 242 mil mortos. Foi a primeira vez que muita gente pode achar um lugar para levar suas flores. O muro é solene, com referências macabras. Mede 7,28m de altura, para lembrar a data do terremoto (28 de julho), e 19,76m de comprimento - o ano, 1976.
Lembram do relógio da foto ali de cima? Além de eu ter achado a obra estesticamente horrível, os ponteiros apontam para 14h28min, exatamente a hora do tremor. Não tivesse certeza eu de que não é brincadeira mesmo, diria se tratar do pior humor negro. O que são os ponteiros em forma de rachaduras?
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