Eu tenho medo de voar de avião. Eu vôo bastante de avião. Logo, volta e meia tou com medo. A cada acidente aéreo ou tensão no ar, lá vou eu pensar no pânico de passageiros, na tripulação atônita e na dor dos familiares. É inevitável. Parece que tragédias aéreas me causam mais pesar. Todos os outros pesares que a vida traz aos outros me doem também, devo confessar. Logo, volta e meia estou acusando a humanidade de raça que não deu certo.
Ontem, uma manchete pintada em amarelo fosforescente na página de notícas da Xinhua, a agência estatal chinesa, despertou antes da piedade, o espírito jornalístico - típico dos exemplares da tal raça humana que caçam notícias que causam pesares como se fossem tesouros. Num cacoete profissional, lá fui eu retuitar (você conhece o twitter e sabe do que tou falando, né) mal digitadas linhas sobre o suposto sequestro. Imaginava que dali seria merd* e uma madrugada sem dormir.
Além de um suposto sequestro de avião na China, outro componente entornava o caldo, oavião teria partido de Urumqi, a capital de Xinjiang que ainda lambe as feridas dos atos de violência que deixaram 197 mortos em 5 de julho e insabidos presos.
Em tempos de twitter e notícia a pronta entrega na velocidade dos bits, a AP embarcou, a CNN, eu e mais uma galera fã dos RTs. Fui atualizar a página da Xinhua, de onde todos nos abastecíamos, e cadê notícia? O amarelo fosforescente tinha abandonado a capa, o flash publicado na lista de últimas notícias desaparecido, o link aparecendo como quebrado. Despublicação sumária e suspeita de que a imprensa chinesa, tão afeita a versões bastante próprias dos temas nacionais e internacionais, havia dado uma barriga, e daquelas. Barriga, no jargão jornalístico, é quando você publica uma informação que não condiz com a verdade. De jeito nenhum. Não confundir com informação distorcida, pois.
Barriguei eu, barrigou CNN (com uma tarja amarela fosforescente ainda maior do que a original chinesa), AP, outro bando. Aí a Xinhua sai com outra versão oficial, desta vez dizendo que um avião que partira de Cabul, no Afeganistão, com destino a Urumqi, teria sofrido uma ameaça de bomba, retornado ao Afeganistão, pousado em Kashgar e era isso. Fui dormir.
Acordei com a CNN explicando que não houve qualquer sequestro, qualquer ameaça de bomba, mas restrições impostas pelo Quirguistão para que o avião afegão usasse seu espaço aéreo.
Então pensei que a mídia chinesa tão afeita a versões bastante particulares e dona de um coportamento raro quanto ao fazer jornalístico não havia sequer se preocupado em apurar muito os fatos. Por quê? Porque o que poderia ser melhor do que um sequestro ou ameaça de bomba envolvendo um avião que viajava para Urumqi, centro nervoso das tensões étnicas atuais por aqui? Segundo minha lógica sobre a lógica midiática oficial chinesa, a história seria mais uma a reforçar a necessidade da luta contra o extremismo, o separatismo e o terrorismo, as três forças do mal publicadas dia a dia por aqui.
Nesta onda propagandística, a agência, que já não goza de exatamente credibilidade, protagonizou um belo mico ao fazer todo o mundo barrigar. Coisa feia.
Hoje, diz a Reuters, o avião afegão da Kam Air retornou ao Afeganistão devido à falta de documentação. Segundo as fontes afegãs, este seria o primeiro voo da rota Cabul-Urumqi, e que o aeroporto na província chinesa de Xinjiang negou permissão para aterrissagem.
Fiquei imaginando que agora pelos ares preciso também temer a burocracia. Em terra, percebo que a humanidade realmente não deu certo.
Há uma semana
4 comentários:
Barrigamos, barrigamos...
Vou te contar, bela mierda. Que FEIO pra (des)imprensa chinesa.
boa jana. essa confusão de notícias dispersas na web lembra um pouco o causo do pcc aqui em são paulo. barrigada clássica.
Nossa, e a cidade em pânico. Aqui eu vivo às voltas com o PCC também, mas é o Partido Comunista da China.
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