segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Um ano de Olimpíada

Dia desses o Daniel Piza, que no ano passado nesta época estava aqui em Beijing para cobrir a Olimpíada, perguntou se eu toparia falar um pouco sobre o que mudou na cidade um ano após os jogos. Então eu disse que sim e comecei a escrever loucamente, sem mesmo perceber.

- Não precisava ter escrito tanto - ele me disse. E realmente escrevi demais.

No blog, ele foi suscinto, o que não consegui ser talentosa o suficiente para alcançar, e usou parte do meu discurso (e que você pode conferir aqui http://blog.estadao.com.br/blog/piza/?title=title_688&more=1&c=1&tb=1&pb=1). Mas eu sou mesmo prolixa, reproduzo na íntegra só a primeira parte do meu texto. Amanhã tem mais.

Daniel - Em que Pequim mudou desde a Olimpíada? As obras (como a restauração da rua Qianmen) terminaram? Como estão sendo usados os equipamentos, os estádios construídos como o ninho e o cubo? As obras no metrô continuaram? Os mendigos – que a imprensa disse que tinham sido escondidos – voltaram?

Eu - A Beijing pós olímpica segue vibrante. Se a cidade fez direitinho a lição de casa se preparando durante sete anos para receber a Olimpíada, manteve o ritmo depois dela. A comemoração de 2009 tem um significado bem mais importante para o Partido Comunista da China, são os 60 anos da Fundação da República Popular, celebrados em 1º de outubro.

Dá para dizer que a Olimpíada cumpriu o seu papel, botou Beijing na agenda mundial. Uma propaganda positiva, coroada pelo bom desempenho do país no quadro de medalhas – foram 51 de ouro ante 36 dos Estados Unidos, cuja imprensa, aliás, protagonizou uma luta tanto inglória quanto patética ao querer a todo o custo afirmar que número um em Olimpíada é o detentor do maior número de medalhas no quadro geral. E, neste caso, os norte-americanos encerraram a edição chinesa com 10 à frente, 110 a 100.

Estatísticas esportivas à parte, voltemos à propaganda. Quem veio para cá, viu uma cidade moderna, com sistema de transporte eficiente, segura e plena de maravilhas do mundo cosmopolita. Depois que o sucessor de Mao, Deng Xiaoping, disse que enriquecer não era nenhum pecado e cairia bem no modelo batizado aqui de socialismo com características chinesas, os compatriotas não se acanharam e começaram a acumular capital. E tudo bem que Coca-Cola, KFC e Mcdonalds sejam ícones da abertura chinesa para o Ocidente, mas aqui a pujança é tanta que é possível comprar Porsche, Ferrari, Dolce & Gabana, Dior. E não estamos falando de pirataria. O mercado de luxo chinês sempre encontra consumidores ávidos por gastar uns milhares de dólares vez ou outra.

Beijing é assim, ousada, exagerada. A capital da imponente Cidade Proibida, inaugurada em 1421, se lançou ao moderno e contemporâneo e apostou na arquitetura para celebrar 2008. A cidade recebeu os jogos em estruturas como o Ninho de Pássaro, assinada por Herzog & de Meuron, e o Cubo d’água, dos australianos Chris Bosse e Tobias Wallisser. O prédio da CCTV, que não era para sediar competição alguma e até hoje exibe as tais torres que se ligam pelos ares sem qualquer uso senão o de impressionar visitantes, é assinado pelo craque Rem Koolhaas.

Hoje, tanto o Ninho quanto o Cubo, os apelidos do Estádio Nacional e do Complexo Aquático, são pontos turísticos tão obrigatórios quanto a própria Cidade Proibida e a Muralha da China - para visitantes locais e estrangeiros. Em um ano, o turismo rendeu US$ 30,7 milhões para o Ninho e US$ 11,7 milhões para o Cubo, segundo cifras oficiais. O último, aliás, está aberto para quem quiser nadar nas piscinas onde o Michael Phelps faturou oito medalhas de ouro – e o César Cielo fez bonito nos 50 metros livre. Duas horas custam pouco mais de R$ 10.

Incorporar os estádios e sedes olímpicos ao cotidiano é um dos principais usos que se tem hoje destes espaços. Wukesong, o ginásio de basquete, já deu lugar a shows, como o de Avril Lavigne, e em outubro se prepara para receber uma partida da pré-temporada da NBA entre o Denver Nuggets e o Indiana Pacers.

O Ninho, no dia 8 de agosto, quando se comemorou um ano da abertura da Olimpíada, recebeu os times de futebol Inter e Lazio para a decisão da Supercopa Italiana. Na partida prestigiada ao vivo por quase 70 mil espectadores (o estádio tem capacidade para 91 mil) os romanos se saíram melhor, vencendo por 2 a 1. Vale lembrar que um ingresso médio custou pouco mais de R$ 130. Em outubro, o Estádio Nacional volta a ter espetáculo de luxo, desta vez assinado pelo diretor Zhang Yimou, o mesmo da abertura da Olimpíada e famoso por Herói (2002) e O Clã das Adagas Voadoras (2004), nos dias 6 e 7. A versão do chinês para a ópera de Puccini Turandot vai ter entrada salgada, coisa de R$ 230 ou até mais que isso, para espaços mais Vips. Promete lotar e é mais uma das comemorações preparadas para os 60 anos do poder do Partido Comunista da China.

Há tanto tempo no comando do país, é certo que o partido cunhou suas marcas. Entre elas, a do planejamento, seja a curto, médio ou longo prazos. Quem esteve aqui no ano passado, soube que o sistema de metrô foi renovado e as três linhas e meia então existentes (há uma que é apenas um complemento da primeira, mas é considerada outro sistema) ganharam a companhia de outras quatro, somando oito linhas e 200 quilômetros de trilhos. Em 2012, ou seja, daqui a três anos, esse numero deve chegar a 420 quilômetros. Agora mesmo em setembro a linha 4 entra em operação, cortando a cidade em zigue-zaque, saindo do eixo noroeste em direção ao sul. A linha 6, cujas obras estão a todo o vapor e deve estar pronta em 2012, por exemplo, garantiu nota triste aos moderninhos da capital que gastam o tempo na Nanluoguxiang, uma ruela estreita estilo a Vila Madalena daqui, que teve parte dos hutongs e bares botados abaixo para a construção de uma estação.

Hutongs são antigas vielas dos tempos imperiais, um aglomerado de casinhas coladas umas às outras que antes abrigavam mandarins e gente de alta classe e hoje, majoritariamente, é endereço das classes mais baixas. Quem esteve aqui na Olimpíada testemunhou uma faceta bem peculiar do progresso. Para dar lugar à renovação, a ordem é botar abaixo o antigo e, se preciso, realocar os moradores. Ficou famosa nos idos de agosto a rua Qianmen, a mais antiga de comércio da capital chinesa e cuja renovação, alem de não ter ficado pronta a tempo para a festa olímpica, acabou por gerar polêmica tanto por deslocar moradores como preferir a construção de réplicas à restauração dos espaços.

Coisa de governo chinês, que com energia para remodelar a cidade tem na construção civil um dos principais termômetros da expansão. No ano passado, as obras foram paralisadas durante três meses no período olímpico. Trabalhadores migrantes, uma massa que soma milhares de população itinerante e pobre, foram mandados para casa. O objetivo era diminuir a poluição – do ar, sonora, visual – e, de quebra, deixar este povo mais com cara de povo longe dos convidados para a festa, os ilustres turistas, esportistas, políticos e jornalistas. Nesta onda, pedintes também foram retirados de circulação, num esforço para embelezar o que, diga-se, já estava bem bom. De volta à realidade, o que se percebe é um mix maior de caras, de gente muito bem cuidada e de gente muito maltratada pelas ruas, num retrato de o que é o gap econômico cada vez maior da sociedade chinesa. No entanto, a realidade entre os mais pobres ainda está longe de ser a dos sem-teto que vemos no Brasil. Mendigo aqui, comemore-se, é caso bem mais raro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabens, super legal seu Blog, posso adicionar ao meu Blogroll??