terça-feira, 28 de julho de 2009

Onde você está com a cabeça?

站稳立场 屁股决定脑袋, 秦刚

É bem provável que você não tenha entendido o que está escrito aí, nem eu. Mas a tradução estava hoje em vários sites chineses, e eu logo compartilho, mas mesmo assim fiquei sem entender.

A frase é do 秦刚, ou Qin Gang, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês. Perguntado sobre que princípios ele segue ao responder a jornalistas chineses e estrangeiros, ele soltou a pérola:

- 站稳立场 屁股决定脑袋 - ou, "Mantenha sua posição firme, seu bumbum decide onde está seu cérebro".

Para tentar o gostinho que a frase teve em mandarim, aventure-se a dizer "Zhan wen lichang pigu jue ding nao dai".

Ainda bem que o Qin concluiu que um porta-voz precisa ser leal à sua terra e à sua gente, além de entender de política como um todo e com familiaridade. Segundo ele, a partir daí não há pergunta sem resposta.

Mas o que mesmo ele quis dizer quando respondeu esta coisa de bumbum? Não entendi o que isso tem a ver com as calças.

domingo, 26 de julho de 2009

Som na caixa

A Google resolveu no início do ano entrar para valer no mercado chinês. Para isso, fez um acordo com algumas gravadoras e disponibilizou, tipo assim, 2 milhões de arquivos para download, gratuito, legal e etc. Não sei se funciona fora da China, mas se funciona, aqui vai um link para as cantoras mundo afora http://www.google.cn/music/artistlibrary?region=eu_us&type=female&expanded_groupings=CN,EU_US,JP_KR,OTHERS . Logo abaixo, tem para cantores e depois, bandas. E vale também ir navegando, tentando, achando, ou não.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

E a dona Rebiya expulsa hans

A estas alturas você já sabe que a inclusão do documentário australiano The 10 Conditions of Love (As 10 Condições do Amor, numa tradução livre) no Festival de Cinema de Melbourne provocou a saída de três cineastas chineses da mostra, que se inicia hoje e dura 17 dias.

Os diretores Chinese Jia Zhangke, Tang Xiaobai e Zhao Liang anunciaram que se retiravam do festival nesta quinta-feira. Segundo eles, foi uma decisão pessoal em decorrência da exibição de The 10 Conditions..., documentário de 59 minutos produzido neste ano e que conta a história de Rebiya Kadeer, a ex-milionária uigur que deixou a China em 2005 e é acusada de ter incentivado os protestos que resultaram na morte de quase 200 pessoas no início deste mês em Urumqi, a capital de Xinjiang. Kadeer é acusada de promover separatismo e outros quetais que afetam a tão proclamada harmonia da sociedade - gigante, complexa e multiétnica - chinesa.

O jornal em inglês China Daily traz uma matéria hoje (http://www.chinadaily.com.cn/china/2009-07/24/content_8466373.htm) em que tanto Jia quanto Tang explicam que deixaram o festival por iniciativa própria, visto que a exibição do documentário sobre Rebiya é uma afronta à China.

Tem tanta coisa neste caldo. China e Austrália vêm se estranhando faz um tempinho. Os chineses queriam muito abocanhar parte da gigante Rio Tinto, uma das maiores mineradoras do planeta, num negócio que acabou barrado pelo governo australiano - haveria risco de ficar na mão de Beijing? Depois, foi descoberta espionagem envolvendo funcionários da Rio Tinto na China.

Num clima de talvez até nem tão propositais afrontas, o documentário sobre Rebiya será exibido no dia 8 de agosto. Os ingressos já estão esgotados, e a curisiodade fica por conta da data. Será o primeiro aniversário da abertura da Olimpíada de Beijing. Num ano de tantos aniversários sensíveis para Beijing, bem que este é de se comemorar.

Eu não posso assistir aqui, mas você pode ter uma mostra de o que o australiano Jeff Daniels realizou aqui www.youtube.com/watch?v=qxiGQ9uacgs.

E a TV chinesa agora fala árabe

A partir de hoje, 24 de julho, a televisão estatal chinesa, a CCTV, tem um canal em árabe, a exemplo do que já ocorre com a pioneira em inglês e as seguintes francesa e espanhola. Os canais em português e em russo são os próximos da lista, segundo plano anunciado no início do ano na mídia em Hong Kong.

O objetivo é simples, divulgar a visão de mundo chinesa, na língua daqueles que se pretende alcançar. No caso árabe, os episódios em Xinjiang aceleraram os planos. É bem verdade que o canal já estava sendo preparado e o pessoal contratado desde o início do primeiro semestre. Mas o cronograma previa um lançamento algo entre setembro e outubro. Aí corre todo o mundo e ação. Ah, claro que ninguém reconhece o motivo da antecipação, não oficialmente.

O canal lançado hoje terá transmissão de 24 horas, focado em notícias, educação e entretenimento. Os programas especiais, como documentários e de aulas de chinês, por exemplo, serão transmitidos seis vezes ao dia. O resto é notícia.

Segundo o vice-presidente da CCTV, Zhang Changming, a TV chegará via satélite ao Oriente Médio, região da Ásia Pacífico e África, num total de 200 milhões de potenciais espectadores.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Feliz Dia do Amigo

Hoje vocês no Brasil comemorarão o Dia do Amigo, então dêem aquele upa apertado em quem vocês gostam. Eu aqui darei na Paula e mando virtuais para todos. Junto, notícias do final de semana.

Minha sexta-feira começou chuvosa e vestindo calças brancas, uma combinação perfeita para caminhar por Beijing e indício de que a coisa poderia dar errado. Não que chegasse a ser promessa, mas uma amiga canadense estava indo embora e pediu que todos vestíssimos branco, a cor do luto na China. Então já vim para o trabalho paramentada e incrivelmente cheguei até limpinha à festa.

Foi uma noite memorável, em que eu e a Cláudia subimos ao palco junto a uma dupla roqueira argentina para cantar Calhambeque, do Roberto, sei lá em que língua. Só lembro do "bi, biiiiiiiiii! Quero buzinar meu calhambeque, biribi bubu". Mico pouco é bobagem e lá estava o francês por quem tenho paixões, e lá fui eu desavisadamente dar em cima do moço, ai se arrependimento matasse.

Cês sabem, quem fala o que quer, ouve o que não quer. Tomando esse ditado como base, quem sai por aí ficando com uma galera, uma hora vai levar na cara o que não quer. Eis que tou eu lá linda e faceira dando em cima do francês quando ele sutilmente me pergunta.

- Você ainda não percebeu que eu só fico com você quando estou bêbado e depois sou super frio?

Tipos, vocês não perceberam a minha cara de tacho. Nem tem o que dizer, acho que nunca tinha ouvido uma grosseria semelhante (e olha que já ouvi um monte de bobagem por aí). Só falei para ele que ele não deveria nunca jamais falar isso para outra pessoa, mesmo que fosse verdade, que era melhor dizer simplesmente que não era a fins, sem ficar machucando. Daí fui dormir. Dormir na Praça.

Não bastasse eu ter de acordar no dia seguinte para ir viajar, isso eram 3h e eu tinha de acordar as 6h, esqueço minha chave no meu quarto, sem poder pegar, e a Paula não tinha voltado comigo. Resultado, dormi no banco da praça até ela voltar. Nestas horas, você agradece por não haver violência na China. E se sente mais coitadinha, depois de levar um fora daqueles, dormir na praça. Bah!

Bueno, até deu tudo certo e eu cheguei no meu destino no horário previsto, uma cidade quente, boba e chata perto de Shanghai. O sábado foi sem percalços, eu até consegui me comunicar em chinês dizendo que queria ficar num hotel barato perto da feira de produtos importados. E para lá o taxista me levou.

No domingo, como tinha de fazer um trabalho free e secreto, lá fui eu enfrentar o calor. Calor lembra banho, banho lembra que eu tenho banheira em casa, banheira lembra pato e eu vi um patinho de borracha que faz Quack, Quack pra vender. Daí comprei. Pouco depois comprei uma mala de mão, já que minha mochila pesava nas minhas costas. Então ainda na loja resolvi tirar a mochila das costas, botar as coisas na mala e aliviar o peso da bolsa.

E saco o pato da bolsa, a mulher saca uma gargalhada. Me senti, juro, o Mister Bean. Não sei se ele tem cenas com patos de borracha que fazem Quack Quack, mas ele tem com o urso de pelúcia. Então me senti tão idiota quanto ele. Dei um sorriso idiota de quem saiu de calça branca na chuva, cantou calhambeque com um casal de argentinos, ouviu de um francês que só era companhia para noites de bebedeira, dormiu na praça e chegou a um lugar bobo, chato e feio no meio da China, comprou um pato de borracha, e fui embora.

Muito, muito mais tarde consegui chegar a Shanghai, onde havia reservado um hotel perto do aeroporto. Só tinha puteiro em volta. Nunca tinha visto isso. Uma casa de massagem ao lado da outra, mocinhas de minissaia lá dentro, iluminadas por lâmpadas cor de rosa. Então entrei num boteco pé sujo como o que levei meus irmãos e a Rafa aqui em Beijing. Nao li nada do cardápio, juro que tentei. Enxerguei um troço que parecia vegetal e pedi. E pedi algo gelado para beber, já que estava derretendo quase à meia-noite em Shanghai. Então primeiro vem a bebida. Num prato de sopa, uma sopa rala de lentilhas doce e gelada. Como eu já tinha saído de calça branca na rua, cantado calhambeque com um casal de argentinos, ouvido de um francês que eu era uma companhia para noites de bebedeira, dormido na praça, visitado um lugar bobo chato e feio e comprado um pato de borracha, encarei. Depois veio o prato principal. SÓ o tal vegetal incerto e não sabido temperado com alho. E frito. Com muito alho.

Voltei ao hotel e depois, de manhã, aeroporto. Como eu tinha laptop, tive de abrir a mala para passar pela segurança. Antes mesmo de abrir, a moça do scanner pergunta

- Você tem um pato, daqueles que faz Quack Quack? - e se mija de rir, chamando a atenção do povo que tava em volta. Como idiota, idiota e meio, tirei o pato da mala, fiz Quack Quack para os guardinhas e fui embora. Nada mais aconteceria, não?

Não, ou sim, sei lá qual a resposta certa. Meu avião teve uma pane, ou faniquito, elétrico ainda em solo e desligou tudo. Tipo luz, som, ar-condicionado. Tivemos de esperar alguém fazer não sei o que por uns bons 20 minutos, tempo em que cozinhei no avião e pedi que a pane não se repetisse nos ares. Afinal, se não tivesse chegado segura aqui, não poderia ter dito que neste final de semana eu saí de calça branca na rua quando chovia, cantei calhambeque com um casal de argentinos, ouvi de um francês que eu era uma companhia para noites de bebedeira, dormi na praça, visitei um lugar bobo, chato e feio e comprei um pato de borracha, passeei na rua das putas pobres de Shanghai, comi sopa gelada de lentilha doce e rala para depois praticamente cozinhar num avião.

E, claro, desejar a vocês feliz dia do amigo.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Na internet chinesa você vê de tudo, até o que não vê

A China fechou o primeiro semestre com 338 milhões de internautas, um incremento nada acanhado de 40 milhões de usuários em seis meses, segundo o Centro de Informações da Internet, órgão que regula a rede no país. Ou um dos. Banda larga? Realidade para 94,3% deste batalhão online.

Salto bem mais significativo foi no número de gente que acessa a web via celular. Agora são 155 milhões (ou eram, há coisa de quase um mês, já que o crescimento por aqui é mesmo espantoso), 32,1% a mais do que em dezembro de 2008. Feliz mesmo é quem vende. Num mercado já nada desprezível, quem antes atendia 14 milhões de compradores online, há seis meses, agora tem 87,9 milhões de consumidores à disposição. Quem dá mais?

Privar da companhia desta gente que tecla por meio de caracteres vai além dos mistérios dos 1001 desenhos que compõem o arsenal básico do bate-papo chinês. Perpassa por sensíveis barreiras censoras e o filtro individual.

Veja o Facebook, a rede social que agora chega ao mercado brasileiro e que comemorou faceira nesta semana 250 milhões de usuários. Como ela aparece aqui na China? Escondida sob desvios de proxy e, ainda assim, mais pra lá do que pra cá, literalmente e geograficamente falando. E os internautas chineses? Querem mais é que o Facebook se exploda.

A rede social foi um dos meios de propagação de campanhas pró independência de Xinjiang - a região autônoma muçulmana onde eclodiu a violência entre a maioria chinesa han e a minoria uigur, de origem turca e maioria naqueles pagos a oeste do país -, decretou no dia 8 de julho o jornal chinês Global Times (http://www.globaltimes.cn/), uma versão em inglês de o que os chineses pensam sobre o mundo.

Um grupo criado nas páginas do Facebook clamava a independência da tal região. Para os internautas da China, não clamou por muito tempo. O Facebook foi um dos primeiros alvos das garras sujas e feias da censura, seguindo o rastro do twitter, do blogspot, do wordpress, de tantos outros que de tão distantes até parecem fazer parte do imaginário coletivo dos internautas ocidentais. E só.

Aproveitando a onda, o jornal resolveu perguntar a opinião dos internautas. E, uma vez que tenha sido um meio de propagação de tal mensagem de desarmonia e desunião, o Facebook deveria ser punido. Entre aqueles que votaram, 81,7% apóiam uma punição ao site. Bacana.

O povo aqui anda sem muita paciência e sem meias palavras. Em Xinjiang, palco dos protestos, internet nem com sinal de fumaça. Os negócios via rede estão parados e o único local com acesso é o centro de imprensa montado no hotel Hoi Tak, da capital Urumqi, onde você leva seu laptop, briga por um daqueles famigerados cabinhos azuis e reza para a conexão não cair, não importa seu credo. Reze. Se não rolar, cruz credo, adeus transmissão das notícias quentinhas. Ah, e se você não é jornalista, nem pense em usar o local. É preciso credenciamento para adentrar o salão (onde, de 15 em 15 minutos toca Garota de Ipanema instrumental, porque o DJ local tem um CD com quatro músicas, repetidas à exaustão. Eu diria que até é parte do processo. De tortura psicológica. Quantas Garotas de Ipanema você precisa para gerar uma matéria de TV?).

Divagações à parte, voltemos ao papo sério. Para especialitas chineses em internet, a linha dura adotada agora resulta num dilema para o governo.

Em entrevista ao estatal China Daily, o especialista em novas mídias da Faculdade de Jornalismo e Comunicação da Universidade de Pequim Hu Yong afirma que, se por um lado pela primeira vez o governo admite abertamente que está cortando a internet, provavelmente imaginando que terá apoio popular ao mostrar que a medida visa garantir a segurança, por outro, está restringindo a realização de negócios e outras atividades online, como participação em fóruns e chats.

- Os jovens usuários podem começar a ter dúvidas sobre as políticas governamentais em relação à internet, o que poderá trazer impactos profundos - prediz Hu.

Em tempos de mensagens diretas, Yu Xiaofeng, da Universidade de Zhejiang, alfineta:

- Bloquear informações não deve ser a primeira escolha em uma sociedade aberta.

E esta É uma sociedade aberta? Eu cá tenho minhas dúvidas, mas o tal senhor Yu tem outro conselho.

- O governo deveria permitir a propagação de fontes oficiais e não oficiais. Assim, tanto o governo como os cidadãos poderiam procurar a verdade através do conhecimento.

Falou bonito. Para quem quiser ver, em inglês, a matéria na íntegra, aqui vai
http://www.chinadaily.com.cn/china/2009xinjiangriot/2009-07/16/content_8434260.htm

E clique abaixo para ver a notícia sobre o apoio dos internautas chineses à punição ao Facebook, publicada no Diário do Povo, a principal voz do Partido Comunista.
http://english.peopledaily.com.cn/90001/90776/90882/6697993.html

Ainda falta capacidade para lidar com aqueles que são os outros

Guangzhou, a capital da Província de Guangdong, a antiga Cantão, chão de fábrica mundial e destino de quem compra e vende. Dinheiro aos montes, calor, comida e bebida barata, belas garotas. Lugar fácil para se conseguir drogas, para se conseguir fazer qualquer negócio, para viver entre a legalidade e a ilegalidade, num porto que se abre ao mundo.

Em termos bem gerais, é assim que já li e ouvi falar da cidade, onde inspeções periódicas e surpresa de passaportes resultam em deportações sumárias, contou-me há dois dias um sírio que viveu na cidade por mais de um ano, onde gerenciava um restaurante.

Pois nestas ações policiais (e que, em tese, estariam dentro da lei e para promover a ordem, me parece), há dois dias um homem de origem nigeriana morreu. A história é um tanto peculiar. Tanto a Reuters quanto o China Daily, jornal governamental, contam que o homem tentou escapar da inspeção porque estava com o visto vencido, pulou de uma elevada e morreu. Em protesto, cerca de cem migrantes africanos levaram o corpo até o posto de polícia Kuangquan. Tudo fica num limite entre verdade e suposição. Em um comunicado oficial, o governo nega que tenha havido morte. E fico me perguntando que corpo era aquele. Que seja.

A situação em Guangdong de um sem número de migrantes que fazem da cidade um celeiro de novos negócios é retratada da seguinte maneira. Com uma propina aqui, outro agrado ali, tudo se ajeita e os vistos recebem vista grossa, pouco importa se estão em dia u não. Uma prática que, se não é comum, é bastante relatada.

Visto, aliás, é sempre tema sensível, em se tratando de China. Existe um mercado negro que dá jeito em visto sempre. Paga-se bem. Imagine que o meu, totalmente legal, sai por coisa de R$ 120, por um ano. Um adquirido via empresas fantasma ou coisa que o valha? Você paga entre R$ 1,5 mil e muito mais, depende do período pelo qual se passa.

No ano passado, os tempos pré-olímpicos foram de apreensão entre os estrangeiros. Para renovar vistos, o governo lançou mão da burocracia e da aplicação de regras às pressas, num movimento que utilizou-se de subterfúgios e interpretações de leis chinesas até então desprezadas e que levou muito expatriado ao desespero. Obrigou gente a exílios forçados na terra natal, alguns sequer voltaram. Se antes você renovava seu visto por aqui mesmo, nos idos de maio a setembro de 2008, apenas voltando ao país de origem. Uma vez lá, para garantir nova entrada no país com visto de trabalho, um sem número de exigências, que iam da prova concreta de que havia um empregador a exames físicos e de saúde e até traduções para o chinês dos diplomas universitários. Não, normalmente não é assim. Até quem era acostumado às artimanhas viu a coisa toda encrespar e mesmo pagando muito mais, teve gente que conseguiu vistos de turistas por poucos meses. Tempos difícieis.

Agora, novas dores de cabeças para os expatriados. Com a proximidade das comemorações de 60 anos da República Popular da China, em 1°de outubro, a paranóia voltou. Já está mais difícil ter visto, diz quem tem de renovar por agora. E o rumor atual é que todos os estrangeiros serão chamados aos postos de polícia mais próximo para mostrar a documentação toda e provar onde trabalha e por que antes de outubro. Quem não convencer, está fora da festa patriótica. Uma comemoração que não é para gringo ver, um orgulho de ser chinês que está sendo preparado para quem precisa, os chineses. Quem sobreviver ao visto, verá ao vivo.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Tranquilidade vigiada

A vida que segue vigiada em Xinjiang dá lugar a uma aparente tranqüilidade, ainda que possa haver medo. Urumqi, a capital, é um QG militar e policial a céu aberto, com sirenes incessantes, slogans promovendo a paz e a harmonia entre os povos repetidos à exaustão, assim como panfletos e faixas por todos os lugares pedindo harmonia e vida longa à unidade do país, ao governo, ao partido, até ao presidente Hu Jintao.

Um velho modelo de propaganda, com requintes supostamente pacífico. A policia está ali para proteger, andando pelas ruas armadas com porretes, metralhadoras e um arsenal que não integra meu leque de informações. Protegem-se com capacetes, escudos, armaduras. A repressão 24 horas a qualquer novo possível foco de problema envolvendo uigures e hans garante sobrevoos contínuos de helicóptero, que à noite se equipam até de holofote.

E no meio de tudo isso, a vida segue o modelo de antes, com gente pelas ruas vendendo, comprando, comendo, tentando se distrair e se comunicar. Seguem cliques do bairro muçulmano para trazer um pouco deste clima, a da paz vigiada uma semana depois dos ataques.








sexta-feira, 10 de julho de 2009

E sobram vítimas por aí

Eu resumiria a história de Xinjiang assim: os uigures não querem fazer parte da China, mas eles fazem e são discriminados como cidadãos de segunda classe, relegados à classe servil na terra em que nasceram. Um horror.

Mas simplificar pode ser tão perigoso quanto estúpido, e eis que temos uma rede intrincada de detalhes e fatos que encerram em violência um descontentamento antigo e uma disputa racial latente. O que sobram são vítimas.

Concretamente temos uma sociedade cuja convivência pacífica é forjada. É fato que os han, maioria chinesa, migraram para Xinjiang sob promessas do governo no poder pós 1949 de prosperidade. Em termos numéricos, os han que eram 6% na região há 60 anos, hoje somam quarenta e tantos por cento, há quem diga que é mais.

Não bastassem ser forasteiros, são eles também os donos, os detentores do poder político e aqueles que têm no governo central respaldo para perpeturem sua língua e cultura, haja vista que o mandarim é língua oficial, presente tanto nos bancos escolares quanto nas provas e exames de admissão em universidades e empregos públicos. Uigur não tem nem o mandarim como língua primeira, muito menos o sistema baseado em caracteres para ler e escrever. Uma atrapalhação e um passo atrás desde o nascimento na luta pela tal conquista de status social.

Aí explode uma violência sem fim por lá e
- os han culpam os uigures
- a mídia chinesa culpa os terroristas (uigures, em outras palavras)
- a mídia estrangeira toma as dores dos uigures
- muito estrangeiro acha que han é malvadão.

Então a gente começa a pensar nas histórias pessoais, como a que o New York Times trouxe nesta quinta-feira (http://www.nytimes.com/2009/07/09/world/asia/09han.html?_r=1&th&emc=th), e se dá conta que a realidade quando bate à nossa porta, ela é muito mais cruel.

O jornalista Edward Wong entrevistou um casal que perdeu o filho han nos confrontos de domingo. O casal não tem dinheiro, vendia fruta no mercadinho perto de casa. Nunca se sentiu confortável por ali e só mudou para Urumqi, a capital de Xinjiang, com o sonho de vencer na vida.

Ralam de sol a sol vendendo fruta em carrocinha de madeira, não integram a classe grã-fina han que aparece em diversas outras reportagens pós domingo, muito menos se beneficiam de seu caráter genético. Ferrados.

Vivem num quê de favela onde moram gente de Henan e Sichuan, duas províncias chinesas. E agora carregam a marca de confrontos entre vítimas. O pai, no entanto, engrossa o coro racial. "Este lugar não seria nada sem os han", diz Lu Sifeng, 47 anos, ao New York Times.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A Rota da Seda

Mais uma vez, o professor Manuel Lopes nos dá aquela mão lá de Portugal para que possamos entender um pouco mais sobre Xinjiang. Hoje, o foco é a Rota da Seda, a ligação secular Ocidente-Oriente cujo traçado inclui Xinjiang. Vamos lá?

Em termos históricos, a Rota da Seda tem origem na China, numa iniciativa do Imperador Wu Di, da dinastia Han. Decorria o ano de 138 a.C. quando o imperador encarregou o explorador/emissário chinês Zhang Qian de contactar uma tribo/reino que se queria vingar de uma afronta praticada pelos Xiong Nu (Hunos), adversários do povo chinês. Com esta iniciativa, o Imperador visava estabelecer uma aliança no sentido de uma ação conjunta contra os Xiong Nu.

A comitiva de Zhang Qian partiu de Chang´na (actual Xi'An), rumou para oeste da Grande Muralha (marco da luta milenar entre populações nômades e sedentárias) seguindo-se as peripécias duma viagem que durou 13 anos e que permitiu um tal manancial de conhecimentos ao Imperador chinês, responsáveis por uma ação concertada e apoiada de abertura de uma via de intercâmbio político, comercial e cultural entre o Oriente e o Ocidente, pelo interior do continente asiático.

E se abre a Rota da Seda

A partir do Imperador Wu Di, há uma orientação do poder chinês para estender a influência administrativa/logística para Oeste, a fim de garantir em cooperação com outros poderes a segurança das caravanas de mercadores.

O traçado da Rota da Seda estendia-se por enormes percursos que atingiam cerca de 7 mil quilómetros ligando o vale do Rio Amarelo ao Mediterrâneo, atravessando percursos muito difíceis, desérticos ou montanhosos. Este traçado deu vida a muitos oásis e a lugares que ficaram a perpetuar este intercâmbio. O centro nevrálgico desta via inter-civilizacional era exatamente Xi'An, a cidade que ficou mundialmente conhecida devido aos guerreiros de terracota.

Quais as consequências?

Ainda não se sistematizaram as consequências desta abertura da China ao Ocidente, mas temos algumas pistas para reflexão.

• Nível político

– Para a China:
Reforço da influência do poder chinês para a Ásia Central, para além da Grande Muralha, através de boas redes de alianças, nas quais a seda desempenhava o papel de “presente precioso” (já que era desconhecida a sua técnica de fabrico por outros povos) no relacionamento entre o poder chinês e os poderes “bárbaros”.

As formas originais de pacificação da periferia do espaço chinês, para além do casamento com princesas chinesas (ouh lala, esta coisa de estrangeiro casar com chinesa também é milenar - e para deixar claro, a observação entre parênteses é da autora deste blog).

Contatos nas periferias do império romano com o poder chinês.

Aumento do dispositivo de defesa chinês para além da Grande Muralha para proteção das caravanas.

Grandes efeitos práticos da diplomacia chinesa ao garantir a pacificação da periferia do seu espaço contra as invasões nômades por via das vantagens do intercâmbio.

– Para outros poderes:
A China desenvolveu inovações científicas e tecnológicas que de alguma forma justificaram o avanço sobre outras civilizações: pólvora, papel, tecnologia de impressão, uso do papel moeda, bússola, sistemas de irrigação e construção de canais.

• Nível econômico

–Para a China e outros povos

Aumento exponencial das transações num vasto espaço entre as origens e os destinatários finais, trocando os produtos mais variados nos dois sentidos (plantas, produtos, animais...)

“Cidades oásis”, intermediárias no comércio, ganharam uma enorme importância, junto a Xi'An, o centro mais cosmopolita de então.

À sombra deste comércio floresceram sobretudo mercadores chineses, indianos, persas, sírios e gregos.

Só a partir do séc. II é que a seda passa a chegar a Roma via marítima.

• Nível cultural

É na área cultural que se situam as mais importantes consequências da abertura da rota da seda, em especial no que diz respeito à própria China.

1–Religião
Pela Rota da Seda a China conheceu o budismo indiano. Este ímpeto budista iria influenciar e transformar toda a sociedade chinesa, manifestando-se no comportamento das pessoas e nas manifestações artísticas mais importantes. O budismo que influenciou e foi influenciado na sua travessia pelo espaço chinês chegou à península coreana e ao Japão.

2 - Pintura, Escultura, Arquitetura

Milhares de pinturas e esculturas têm como motivos principais o budismo, mas sem desconhecer o meio, seja derivado de poderes imperiais, seja de expressão popular.

Em Dunhuang, cavernas são hoje conhecinhecidas como “Grutas dos Mil Budas” pelas inumeráveis esculturas de pedra que ornamentam as paredes representando o Buda, os luohan (iluminados), os bodhisattvas e outros personagens do panteão budista.

Nas grutas mais antigas (dinastia Wei) as imagens sagradas demonstram ainda a influência indiana nos trajes, nos traços finos e delicados do rosto; outras grutas, pelo contrário, apresentam motivos tipicamente chineses, dragões, cavalos voadores, homens alados. Nas grutas da época Tang os personagens esculpidos e pintados são caracterizados pela expressão realista das caras, para significar a humanidade do budismo, a suavidade ou o vigor marcial (dos luohan, por exemplo).

É da época do vigor da Rota da Seda que nasceram divertos templos budistas por toda a China.

• A perda de importância da Rota da Seda

Diversos fatores levaram ao declínio da rota

– A valorização progressiva das rotas marítimas perante a instabilidade/insegurança do percurso terrestre, em especial a partir do século VIII, a partir de Cantão (Guanzhou).

- A chegada de novos poderes à Ásia Central, de influência islâmica.

- O conhecimento por outros países do segredo do fabrico da seda.

- A orientação de auto-fechamento face ao exterior já evidenciado no final da dinastia Ming e reafirmado na Dinastia Qing como forma de a China se proteger dos bárbaros “ocidentais”.

Coisas que eu não entendo

• Ódio racial. Quer dizer, entendo, mas não gostaria que fosse assim.

• Repressão sexual e o sentimento de que o corpo pode ser casa do pecado.

- Os balineses nunca estendem roupa acima de 1,5 metro, ou quase isso. Mesmo lavadas, as roupas por terem tido contato com o corpo, são sujas. Não devem ser postas mais perto das alturas, onde vivem os deuses.

- A moça ieminita que veste véu e trabalha comigo, e que além de tudo me faz pensar como eu ando pelada por estar de blusinha sem manga e bermuda, está hoje cobrindo a cabeça com um lenço de oncinha. Estampas de oncinha sempre me lembram a sensualidade vulgar dos anos 80. Tem alguma coisa que não está combinando na mocinha recatada. Vou pedir para ela usar algo mais neutro. Mas acho que isso não combinaria com meu modelo também.

• Mandarim. Eu gostaria muito de entender o mandarim, mas não entendo. Então hoje,como a geladeira lá de casa está estragada desde domingo, motivo pelo qual perdemos muita grana em comida boa agora estragada, a dona mandou mensagem para avisar que compraria uma nova. Uma 新的冰箱,ou xinde ping alguma coisa. Como eu não entendo chinês, liguei de volta para agradecer e pedi que a minha empregada perguntasse à dona do apartamento quando seria entregue a nova geladeira.

Detalhe, a minha empregada só fala mandarim. Não me pergunte como a gente se entende,mas a gente se entende.

A dona falou, aliás, que o conserto custa 380 kuais, tipo uns 100 reais, enquanto uma nova, sai por 1000 kuais, tipo uns 250 kuais. Como a gente é estrangeira, ela vai comprar uma nova, pois ela gosta muito de estrangeiros. Se a gente fosse chinês, ela mandaria a conta do conserto.

- Ela falou isso mesmo? - perguntei pra minha empregada, que confirmou.

Tem vezes em que seria tão melhor não entender chinês, não é mesmo?

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Saiba mais :)

Recebi há pouco um material produzido em Portugal pelo professor Manuel Lopes, sempre atento à China, para os seus alunos de Relações Internacionais sobre Xinjiang. Vale a leitura para entender mais sobre a região, que nomeadamente é uma Região Autônoma Especial, sob o poder da República Popular da China.

• A Região Autônoma Uigur de Xinjiang está situada em plena Ásia Central, cercada de montanhas (com um grande deserto no interior, o Taklamakan), zona de passagem obrigatória da antiga Rota da Seda e dos atuais projectos de ligação euro-asiáticos e tem 5,6 mil quilômetros de fronteira com oito países.

• População em 2004: 19.630.000. Neste cálculo, a etnia uigur (de origem turcófona) surge com 45% e a etnia han com 41%, sendo os restantes distribuídos por 47 grupos minoritários.

• O Islã é dominante, substituindo o budismo.

• Xinjiang, ou Nova Fronteira, na tradução, deve o seu nome às iniciativas da Dinastia Han (século III aC) de estender a influência para Oeste e assim proteger as rotas de caravanas da Rota da Seda.

• No final do século XIX, a Rússia estendeu a influência à parte desta área, no episódio conhecido como o Grande Jogo,a saber uma disputa com os britânicos.

• Durante o período da República (1911–49), Xinjiang foi dominada por “Senhores da Guerra”, virtualmente independentes do governo central, sendo a então URSS dominante na zona.

• Só em 1950 o poder comunista tomou o controle total de Xinjiang, criando uma Região Autónoma em 1955.

• Também ali chegaram os efeitos do Grande Salto Adiante e da Revolução Cultural, criando instabilidade e fomentando o movimento independentista que atingiu maior expressão violenta após 1980 na sequência da intervenção soviética no Afeganistão, ao favorecer a militância islâmica.

• Em Xinjiang estão presentes, segundo as autoridades chinesas, os “três demônios”: separatismo, fundamentalismo e terrorismo.

• Os ataques de 11 de setembro acabaram por ter um efeito significativo sobre as atividades do movimento independentista Frente de Libertação do Turquestão Oriental, ao ser conotado pelas autoridades chinesas com a Al Qaeda e os talibã, sofrendo os efeitos de uma maior coordenação dos esforços internacionais na luta contra o terrorismo na Ásia.

***

Para uma visão econômica

• As principais indústrias estão relacionadas à atividade mineira (carvão), além do aumento da exploração energética (gás e petróleo).

• A importância de Xinjiang também deriva do fato de ser uma área de escoamento da energia vinda da Ásia Central, do Cáspio e da Ásia Setentrional.

• Xinjiang alimenta expectativas com o turismo, através da revitalização da antiga Rota da Seda. A China e quatro países da Ásia Central (Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão e Tadjiquistão), em parceria com o Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas, criaram um programa que visa favorecer o investimento, o comércio e o turismo na região.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Poderia ser só internet, mas é também mídia e propaganda

Os protestos em Xinjiang provocam tantas discussões que é preciso um quê de interesse sobre a China somado à muita força de vontade para chegar ao fim deste texto. Mas eu conto com você. Os assuntos aqui serão a internet, a mídia e a censura. Preparado? Então ajuste o scroll, porque você vai precisar.

A política chinesa sobre a internet é a do controle. Então, ao primeiro sinal de que há algo errado ou de que algo pode dar errado, o poder central estende os tentáculos sobre a rede e já era espaço para gritaria.
Num jogo entre dissimulações e hipocrisia mal disfarçada adotado rotineiramente, a estratégia é dizer que o governo é contra a pornografia e outros temas que possam perturbar a sociedade harmônica sonhada por Beijing. O que entra em cena são filtros, que ganharam o apelido apropriado de Great Firewall of China. Depois a gente tem a figura malvada da Net Nanny, numa alusão à babá má que simplesmente tira de circulação o que os pimpolhos não devem ver. Exatamente botar abaixo e expurgar do alcance de mouses chineses referências ao Dalai, liberdade ao Tibet ou massacre de 1989.

Hoje, dois dias após o início dos protestos em Urumqi, a ideia foi abolir de vez alguns sites de redes sociais, e o Facebook – imune até então -, além da cópia chinesa do twitter, o Fanfou, pararam de funcionar, embarcando na mesma onda de twitter, youtube, blogspot. No Fanfou, a mesma mensagem deixada em 3 de junho, véspera do aniversário de 20 anos da Praça da Paz Celestial. Manutenção. Agora, a promessa é de que a coisa voltará à vida no dia 10.

Parece que o governo perdeu mesmo qualquer pudor em censurar o que não gosta. Duvida? Hoje mesmo o chefe do Partido Comunista da China em Urumqi, Li Zhi, deu declarações oficiais sobre o corte da rede para toda a cidade de Urumqi. A medida visa garantir que as incitações dos protestos não se espalhem. Uma desculpa boa, sobre a qual falei ontem. Sob o pretexto de preservar a paz e a harmonia, vale qualquer esforço, até o de calar vozes dissonantes. E isso tem apoio popular, acredite. E segue o baile sem internet.

Mas e o que fazer com os jornalistas que querem cobrir tudo isso? Conceder-lhes liberdade e uma sala com 50 computadores plugados à rede, ainda que os terminais sejam disputados quase à tapa, espero que sem disputas étnicas, numa sala de hotel, centro de imprensa montando às pressas na capital de Xinjiang.

Resultado? Declarações como a do correspondente do The Economist Ted Plasker à estatal chinesa de que nunca houve tamanha liberdade para trabalhar, nem mesmo durante os conflitos no Tibete registrados em março do ano passado (houve qualquer tipo de liberdade?), nem no terremoto de 12 de maio de 2008 em Sichuan, este último propagado como um exemplo da abertura da censura chinesa para a mídia estrangeira. Confesso que esta comparação me surpreendeu e encontra eco em outras fontes que estão no local. Tá que é uma festa para a cobertura. Claro, para quem conseguir chegar ao terminal e se manter zen ante a lentidão internética. Detalhes. E tudo contradição em termos. Quer ver um detalhe sutil? A mesma matéria que traz os elogios de Plasker à novidade no tratamento aos coleguinhas jornalistas ante o caos em Urumqi lembra que o entrevistado respondeu em chinês perfeito, resultado de longa experiência acumulada aqui desde 1989. Sutileza e detalhe, 89 é um ano a ser esquecido por aqui.

Mas esta suposta abertura lenta e gradual chinesa tem seus quês de crueldade. Na tarde desta terça-feira, a agência estatal publicou uma galeria de fotos tão de mau gosto que lembram as imagens que eu nunca vi publicadas após o acidente com o grupo Mamonas Assassinas, quando a internet ainda engatinhava e já mostrava que o ser humano tem tendência ao mau gosto e ao horripilante. Fiquei imaginando por que usar imagens fortes - e o quanto esta escolha está distante do jornalismo no qual acredito e que procuro praticar. E ainda usada oficialmente. Talvez para provar o improvável, que os mortos e feridos foram atingidos pelos manifestantes, não por policiais. Isso se daria por dois motivos primordiais. Um porque a maioria foi ferida na cabeça por estocadas ou pedradas, e não balas, e porque se trata de chineses han, os alvos dos supostos terroristas uigures.

Se estou certa, o governo agora quer tratar bem os jornalistas porque sabe que ao garantir acesso o mais facilmente às informações e às fontes, estará também conquistando mais confiança e conseguindo divulgar seus pontos de vista. Mas e por quê este caráter tão compreensivo?

Porque duas coisas, penso eu. Primeiro porque é importante divulgar o próprio ponto de vista. Segundo porque este ponto de vista tem razões para ser propagado, vamos refletir.

Das experiências que tive até agora, aprendi que que há mocinho e bandido nesta história. Nesta história eu digo cobertura sobre a China. Minoria étnica contra o governo chinês é sempre boazinha. População de baixa renda contra o governo chinês é sempre boazinha. ONG ambiental contra o governo chinês é sempre boazinha. O bom velhinho budista aquele exilado na Índia então, nem vou comentar.

Não estou dizendo que todos os que conseguem força e coragem suficientes para lutar por seus direitos dentro de um país que tolhe manifestações e o livre pensar já não tenham só por isso uma grande parcela de mérito. Mas me irrita a preguiça midiática que prefere sempre eleger a China como malvada e se esquece de apurar melhor os fatos. A coisa parte do quase insignifcamente tratamento no masculino para a Rebiya Kadeer (ninguém nem TENTOU BUSCAR UMA FOTO DA PESSOA PRA ILUSTRAR SUAS MATÉRIAS) ao fato de dizer que Xinjiang foi subjugada em 1949, período antes do qual era uma região independente. Até foi, mas foram tão poucos anos durante o combalido poder dos Nacionalistas que vou te contar...

A fórmula fácil de buscar mocinhos e bandidos desta vez não vai funcionar, o enrosco étnico está tão arraigado que vai sobrar maldade para ambos os lados. Ou todos os lados, nem creio que devamos ser maniqueístas neste caso. Assim como não vai funcionar a tentativa de mostrar que a China está preparada para uma cobertura aberta. Já teve equipe jornalística detida em Urumqi, sabe-se lá se não ocorrerão outras. E quanto ao esmagamento internético? Bem, você está me lendo aqui, então sabe que houve um jeito de barrar. Quer dizer, ainda estava me lendo?

Você é chinesa?

A primeira coisa que vem à cabeça ao pensar num chinês são os olhos rasgados, a pele amarela, o cabelo preto e liso. A fotografia básica pouco destoa entre um e outro cérebro imaginativo, mas eu mesma me surpreendo com os vizinhos de bairro aqui em Beijing. Moro na região de Niu Jie (牛街), ou Rua da Vaca, reduto dos hui, minoria muçulmana assim como os uigures de Xinjiang, região autônoma atingida por violentos protestos desde a noite deste domingo.

A diferença entre os chineses han e os uigures e hui está na cara e é tão marcante que por pelo menos uma vez alguém ousou me perguntar:

- 你是回族马? - ou "Você pertence à etnia hui"?

Ri, respondi que não e fiquei feliz com a pergunta. É que os traços turcos, iranianos e de outros povos da Ásia Central que deram origem aos hui são tantos que os olhos ficaram diferentes, a cor da pele, o jeito do cabelo. Só sendo uma hui, ou uma uigur, eu poderia ser uma chinesa. E morando ainda num bairro muçulmano, a pergunta até não pareceu tão despropositada.

Estou ambientada aos hui, aos hábitos de não comerem porco e à culinária delícia que desenvolveram. Eles professam o islamismo e, segundo revisões nas políticas a respeito das minorias étnicas da China (são 56 no total, incluindo a grande maioria han, que compõe 92% da população do país), se diferenciam dos uigures por terem incorporado mais a cultura han - estou simplificando, mas é por aí.

No bairro onde vivo, os hui estão por toda a parte, e o truque para identificá-los é procurar quais vestem chapéus brancos entre os homens, lenços brancos entre as mulheres (caso eles vistam, porque muitos aboliram o uso). Entre os muçulmanos uigures, a tradição é usar outras cores, como o preto e o verde. Aliás, esta última cor é considerada a favorita entre os muçulmanos chineses e é vista em fachadas de restaurantes, casas e lojas de Niu Jie.

Com tanta diferença gritante entre os han e os muçulmanos - que até fez uma chinesa confundir uma estrangeira com uma conterrânea -, as características físicas passam despercebidas e os traços destacados para se referir aos muçulmanos são sempre dois entre os han. Um é de espanto porque os primeiros não comem nada derivado do porco (carne preferida na China) e, bem menos cortês, o fato de serem um povo que rouba.

Acostumada à não violência chinesa, um dia perguntei se era seguro ir para casa passando por uma ruela mais escura, que liga meu trabalho ao meu apartamento.

- Melhor não, a região é de moradores vindos de Xinjiang.

Perdi as estribeiras, mas vi que era mesmo assim, um preconceito enorme. Para os han, o povo de Xinjiang ensina a roubar desde que as crianças são pequenas. Uma escola de pequenos crimes. E isto é contado na maior naturalidade, como se fosse um fato. Já estou bem acostumada a estes racismos no Brasil, afinal de qual trombadinha a gente desconfia primeiro? Do branco ou do preto?

Aqui, ser de Xinjiang significa ser tratado de jeito diferente, olhado às avessas. O preconceito rola sem qualquer traço de vergonha e se um estrangeiro diz que quer visitar a região, será aconselhado a não ir porque é perigoso. Some a este tempero o fato terem ocorrido levantes nos idos de 1990, quando diversos ônibus foram incendiados, e dois ataques terroristas terem resultado na morte de pelo menos 17 policiais às vésperas da Olimpíada do ano passado e você terá uma ideia de como são vistos os chineses muçulmanos por aqui.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

O culpado é a madame

A gente ainda nem sabia – e na verdade, nem sabe – o que estava se passando em Xinjiang, mas já tínhamos um culpado pelos protestos, a uigur Rebiya Kadeer, que desde 2005 mora nos Estados Unidos. Ela e a organização que lidera, o Congresso Mundial Uigur, numa tradução bem livre e que tem sede na Alemanha, estariam por trás dos ataques premeditados, oh, a expressão tão cara aos figurões de Beijing.

Rebiya poderia ser um nome mundialmente famoso, mas não. A causa pela qual ela advoga poderia ter apelo mundial, mas não. Em linhas gerais, se trata da mesma questão tibetana, a de um povo e de uma região que vive às turras com o governo central chinês por mais liberdade, seja esta de expressão cultural e religiosa e, claro, de gerência sobre os atos políticos e econômicos concernentes aos seus territórios.

Apesar de não dar Ibope, é mais do que válido um perfil de Rebiya, que chegou a ser indicada ao Nobel da Paz em 2006, mas não levou. A mãe de 11 filhos e casada duas vezes poderia já ter muito o que pensar apenas com esta tropa, mas antes de somar este número todo à prole, dividia as atenções com os negócios e parece que bem. Na esteira da abertura política e econômica chinesa capitaneada por Deng Xiaoping ela encontrou brechas que permitiram o gerenciamento de um negócio privado e dos 100 yuans iniciais, coisa de R$ 25, de investimento usado em 1977 para um negócio de compra e venda, construiu um império em Xinjiang que a elevou nos anos 1990 ao posto de 17º pessoa mais rica da China. Elevou bem mais, e ela integrou a Conferência Consultiva Política Popular da China e, em 1995, representou o país na Conferência Mundial das Mulheres, da Organização das Nações Unidas (ONU).

Dor de cabeça pouca é bobagem e com tempo sobrando, ela resolveu usar de sua influência política para falar sobre os problemas que via na terra natal relativos ao povo do qual faz parte. Um tanto ingênuo para alguém com vida tão promissora. Não que ela tenha sido um caso isolado, porque no final dos 90, o partido, com medo de novos episódios nos moldes de 89 resolveu endurecer para empresários de grana que gastavam parte de suas fortunas com questões mais sensíveis. São as cifras oficiais que mostram que das 14,5 milhões de empresas privadas da época, 1 milhão foram fechadas e os bens dos proprietários, confiscados. Aliás, este é o status de Rebiya, que de pobre passou a pobre, com um intervalo de riqueza.

A situação da amiga complicou de vez em 2000, quando foi acusada de revelar segredos de Estado ao Exterior. O marido, outro dissidente, já morava nos Estados Unidos e foi para lá que ela mandava recortes de jornais. Suficiente para formar as provas de acusação (o fato de os jornais estarem nas bancas para que qualquer que lesse mandarim ou uigur é mero detalhe, claro). Daí Rebiya foi condenada a oito anos de prisão, teve a pena reduzida em um por bom comportamento e em 2005, devido a pressões da então secretária de Estado norte-americana Condelezza Rice, foi solta. No mesmo ano, ganhou permissão para deixar a China para fazer tratamento de saúde nos Estados Unidos e lá ficou. Mesmo com base no Exterior, a ex-empresária se dedica à causa uigur e acredita nos excessos do poder em Beijing, denunciando problemas como esmagamento da cultura local, racismo e falta de participação nas decisões políticas e nos louros econômicos de recursos tão importantes como o petróleo.

***

As informações sobre o início da carreira promissora de Rebiya como mulher de negócios e sobre a dura do governo chinês nos empresários bonzinhos de então constam do livro The Chinese, do jornalista Jasper Becker, sem tradução em português.

E a internet pifou

É manchete mundial. Os protestos que se iniciaram neste domingo em Urumqi, capital e maior cidade da Região Autônoma de Xinjiang, já deixaram ao menos 140 mortos, número que deve subir segundo as fontes oficiais devido à grande cifra de feridos, que superaria os 800.

O resultado sangrento dos protestos e mesmo as motivações e os desdobramentos que levaram ao confronto entre uigures e hans, a minoria maioria em Xinjiang e a maioria chinesa minoria na mesma região, deverá ganhar contornos apenas oficiais, ou pelo menos esta se delineia como a vontade do poder central.

Por volta das 15h, pouco menos de 24 horas depois do início dos protestos, o twitter foi outra vez bloqueado na China, numa reedição do que ocorreu às vésperas de 4 de junho. Se você acompanha de perto os esforços da Net Nanny para deixar os internautas do continente na mais santa paz, já sabe que há meses não temos youtube e blogspot.

Que todo o mundo dribla a censura, quase todo o mundo dribla. E segue o baile. Mas enquanto a gente dá um intervalinho na questão de Xinjiang, que tal falarmos sobre a internet chinesa, esta dissimulada? Ou, pelo menos, este ser tão na mira do governo chinês?

Que o país tem a maior população de internautas o mundo já sabe - são mais de 300 milhões. Que vive sob o humor da Net Nanny e o rigor do Great Firewall of China também não é novidade. Para aqueles que já leram sobre o tema, talvez também não haja nada de novo em dizer que a web já foi considerada por aqui uma nova zona especial, numa referência ao tráfego livre de informações - e críticas ao governo - e às Zonas Econônomicas Especiais implantadas durante o mandato de Deng Xiaoping e precursoras do salto econômico do país. Algo como comparar os experimentos que resultaram no colosso chinês feitos nas províncias de Fujian e Guangdong nos idos de 1980 a uma suposta democratização da sociedade chinesa conquistada a partir da cidadania expressa na rede.

Nesta onda, o governo que é socialista com características chinesas e não é bobo, tratou de dar o peso à internet que à rede não necessitava e buscou chamar para si a responsabilidade pelos louros do livre pensamento via bits. Pode ser só percepção minha e ninguém veio me dizer ou mesmo eu encontrei em artigos por aí, então posso estar falando bobagem, não tomem como verdade absoluta, mas o que percebi é que houve uma febre internética pós olímpica ante os pensadores da mídia chinesa a serviço do partido que procurou disseminar a cultura da internet como passaporte para a participação política e cidadã.

Não passava dia sem que algum veículo oficial não publicasse matérias baseadas em resultados de pesquisas online ou que desse voz aos clamores dos internautas chineses publicados em fóruns. Top manchete, numa piada interna, bordão que surgiu entre os colegas do meu antigo trabalho, eram mudanças de rumo ou guinadas em decisões articuladas, supostamente, após grita online dos internautas cidadãos chineses. Foi a redenção programada do ambiente web como expressão de desejos, a criação da varinha de condão para quem não pode protestar em praça pública, visto que qualquer demonstração na China pode ser apenas pacífica - e, em muitos casos, ser realizada apenas se obtiver permissão prévia (dan).

Aí que em 28 de fevereiro deste ano, o primeiro-ministro Wen Jiabao resolveu ser super e participou de um chat com os internautas cidadãos chineses. Foram duras horas de elogios, mas também de críticas e o sonho de uma internet mais democrática sendo construído por internautas e um governo atento às mudanças, disposto a tomar para si as rédeas da falação online chinesa. Eu, do alto da minha inocência, jurei que se trataria da estratégia mais do que batida do "já que não pode vencê-los...". E fiquei feliz.

Felicidade de internauta chinês dura pouco. Menos de um mês depois, o espaço web receberia o primeiro ataque, youtube nocauteado - para não voltar até agora. Aí veio um temor de que o 4 de junho pudesse ser celebrado via web e a coisa virou palhaçada, com a criação até do Dia Nacional da Manutenção, uma piada para justificar a queda de todos os sites de redes sociais ao longo de três dias, entre 3 e 6 de junho. Alguns até se recuperaram, mas a coisa do bloqueio foi tão patética que serviu para mostrar que as estratégias aqui são poucas ou toscas quando o momento é de tensão. Calar a boca é mais fácil. Ou continuar a usar o santo nome da internet em vão.

Vamos à estratégia atual, segundo minha opinião, deixe-se claro. Na manhã desta segunda, a versão oficial sobre os protestos iniciados no domingo em Xinjiang já dava conta de que o estopim fora um boato falso na internet. A internet é do mal, a internet provoca o caos. Em uma vista rápida sobre a questão, o governo estaria jogando entre o caos e a paz, esta última tão cara ao país e o primeiro tão temido. Para que se evite o caos é que o governo limita as liberdades e informações. Povo com liberdade e informação demais acaba por ter ideias diversas, cujas defesas podem resultar em confrontos. Em caos. Logo, guiados pelas mãos do governo, os chineses viveriam em paz.

Agora, internautas, não estão vendo os estragos que um boato na internet chata, boba e feia pode causar? Precisamos filtrar os conteúdos, para que se evite o derramamento de sangue como este de Xinjiang.

Bom, tomara que esteja errada. Se tiver, juro que passo no twitter e dou meu piu.

Internet é o estopim de novo episódio de tensão etno-política chinesa

Se você terminou o domingo bem informado sobre o que acontece pelo mundo ou tratou de fazer isso logo cedo na segunda, sabe que há um tumulto ocorrendo na China, desta vez na Região Autônoma de Xinjiang, berço da minoria étnica uigur, os muçulmanos chineses, para simplificar bem a explicação sobre este povo que tem ascendência quiçá turca, escreve em árabe e fala uigur.

Segundo fontes oficiais, nos protestos ocorridos no distrito de Bazaar, na cidade de Urumqi, neste domingo pelo menos 140 pessoas foram mortas. As notícias separam hans, maioria no país, de uigures, numa distinção cujas raízes econômico políticas se formaram há centenas de anos. Pena que a gente vá saber cada vez menos do que acontece por lá. Sim, a internet que botou lenha na fogueira desta última vez já foi bloqueada por aqueles prados.

Por volta das 17h deste domingo começou a confusão. Manifestantes tomaram as ruas para protestar contra o que consideraram atos racistas ocorridos em Guangdong, a antiga Cantão, no final do mês passado, quando uma briga deixou ao menos dois uigures mortos. De centenas para milhares foi um pulo e teve ônibus queimados, ataques a pessoas inocentes, segundo o governo, e tomada das ruas pela polícia. Depois, toque de recolher e atos violentos se espalhando pela cidade até a madrugada. Mas sobre isso, tudo são rumores, fato é que, para variar, as notícias de lá agora estão bem filtradas. Aqui http://www.thenewdominion.net ainda é possível ver algumas imagens.

Comecemos do início, pelo menos do atual capítulo. No dia 29 de junho, a agência de notícias chinesa, Xinhua, divulgou uma notícia que dava conta da prisão de um homem da etnia han que havia espalhado um boato falso via internet sobre um suposto estupro na fábrica de brinquedos Xuri, na cidade de Shaoguan. Os autores da atrocidade seriam trabalhadores migrantes uigures. Pronto, o dormitório onde ficam os empregados desta minoria foi atacado e houve mortes. A motivação seria simples. A fábrica tem 10 mil empregados, 800 dos quais uigures contratados entre maio e junho. Os han não gostaram de ver os postos de trabalho perdidos e resolveram agir.

A interpretação atual do governo chinês? Na verdade, tudo foi orquestrado e premeditado, desde o boato falso, para que os uigures encontrassem uma desculpa para atacar os han. Esta é a terceira versão sobre o mesmo tema. Antes, foi o simples fato de que os uigures são malvados. Depois, que os uigures eram vítimas de um han racista. Agora, que eles são malvados e espertos, sabem usar artimanhas e até a internet.

Isso lembra algo? Para mim, lembra as teorias de que o 11 de setembro foi maquinação do próprio governo norte-americano e lembra, ainda, uma repetição sem fim da expressão ataques premeditados, preferida da mídia chinesa para se referir a qualquer coisa que saia do eixo de controle do partido. Quando surgiu pela primeira vez? No famoso editorial de 26 de abril de 1989, quando o jornal voz do partido publicou falas do então presidente Deng Xiaoping, que afirmava que os protestos na praça naqueles idos eram premeditados e organizados devido a motivações antipartido e antisocialistas. Claro, agora os protestos de domingo já têm autor, a organização separatista World Uyghur Congress, liderada pela dissidente Rebiya Kadeer, que hoje mora nos Estados Unidos.

Acordar com um barulho destes na segunda-feira me faz pensar em outras questões sobre o mundo injusto e malvado. A versão oficial dá conta de que Xinjiang foi libertada pacificamente há 60 anos, coincidentemente o mesmo tanto de tempo da fundação da República Popular da China, aniversário que pode não ser muito bem-vindo, pois os tais libertados não estão muito convencidos disso. O Departamento de Estado norte-americano, por exemplo, também não está e no início deste ano divulgou um comunicado afirmando que o governo chinês estaria implantando severas repressões culturais e religiosas na região. Coincidência ou não, o centro de Kashgar, um dos mais preservados arquitetonicamente no que diz respeito aos traços uigures, foi posto abaixo porque os prédios centenários estavam para desabar. Restauração aqui ganha traços de instauração de tudo o que for han, numa preservação de história milenar sem traços que distoem dos interesses centrais.

O pulso forte em relação à região, que ocupa um sexto do território chinês – tipo assim, acho que quase a Europa inteira – tem nome: petróleo. O recurso é abundante por lá, onde também se produzem algodão e frutas deliciosas.

Pouca gente fala sobre Xinjiang, que faz fronteiras com países da Ásia Central, Mongólia, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Afeganistão, além da Caxemira, aquela partezinha do globo espinhosa e causa das tensões incessantes entre Índia e Paquistão. É mole? Não, não é. Mas por que ninguém dá bola, como dá bola pro Tibete (até rimou)?

Outra vez, pensando aqui com meus botões, a problemática dos uigures não atrai olhares mundiais porque eles não têm o apelo Dalai e budista. Alguém já viu outrém levantar bandeira pró muçulmano sem ser taxado de terrorista? A antipatia global ante os seguidores do Corão é tanta que os deixem tentar sozinhos seus sonhos de independência. Buda era um cara bem mais legal e contido, apesar de gordo daquele jeito.

Fato é que nesta papagaiada toda, a única coisa que fica como lição é que as motivações são econômicas, os extremismos são religiosos e a primeira medida para que se possa apertar na repressão é calar a mídia e os ativistas. E a violência aparece como única saída numa espiral de caos e sentimento de injustiça e vitimização.

***

Para a primeira notícia sobre o suposto estupro em Guangdong, em inglês:
http://www.shanghaidaily.com/sp/article/2009/200906/20090629/article_405754.htm

Para um artigo interessante do Wall Street Journal sobre os protestos deste domingo
http://online.wsj.com/article/SB124684826272698823.html

Para a versão oficial
http://news.xinhuanet.com/english/2009-07/06/content_11658819.htm

Para atualizações interessantes via twitter
http://twitter.com/mranti