terça-feira, 7 de julho de 2009

Poderia ser só internet, mas é também mídia e propaganda

Os protestos em Xinjiang provocam tantas discussões que é preciso um quê de interesse sobre a China somado à muita força de vontade para chegar ao fim deste texto. Mas eu conto com você. Os assuntos aqui serão a internet, a mídia e a censura. Preparado? Então ajuste o scroll, porque você vai precisar.

A política chinesa sobre a internet é a do controle. Então, ao primeiro sinal de que há algo errado ou de que algo pode dar errado, o poder central estende os tentáculos sobre a rede e já era espaço para gritaria.
Num jogo entre dissimulações e hipocrisia mal disfarçada adotado rotineiramente, a estratégia é dizer que o governo é contra a pornografia e outros temas que possam perturbar a sociedade harmônica sonhada por Beijing. O que entra em cena são filtros, que ganharam o apelido apropriado de Great Firewall of China. Depois a gente tem a figura malvada da Net Nanny, numa alusão à babá má que simplesmente tira de circulação o que os pimpolhos não devem ver. Exatamente botar abaixo e expurgar do alcance de mouses chineses referências ao Dalai, liberdade ao Tibet ou massacre de 1989.

Hoje, dois dias após o início dos protestos em Urumqi, a ideia foi abolir de vez alguns sites de redes sociais, e o Facebook – imune até então -, além da cópia chinesa do twitter, o Fanfou, pararam de funcionar, embarcando na mesma onda de twitter, youtube, blogspot. No Fanfou, a mesma mensagem deixada em 3 de junho, véspera do aniversário de 20 anos da Praça da Paz Celestial. Manutenção. Agora, a promessa é de que a coisa voltará à vida no dia 10.

Parece que o governo perdeu mesmo qualquer pudor em censurar o que não gosta. Duvida? Hoje mesmo o chefe do Partido Comunista da China em Urumqi, Li Zhi, deu declarações oficiais sobre o corte da rede para toda a cidade de Urumqi. A medida visa garantir que as incitações dos protestos não se espalhem. Uma desculpa boa, sobre a qual falei ontem. Sob o pretexto de preservar a paz e a harmonia, vale qualquer esforço, até o de calar vozes dissonantes. E isso tem apoio popular, acredite. E segue o baile sem internet.

Mas e o que fazer com os jornalistas que querem cobrir tudo isso? Conceder-lhes liberdade e uma sala com 50 computadores plugados à rede, ainda que os terminais sejam disputados quase à tapa, espero que sem disputas étnicas, numa sala de hotel, centro de imprensa montando às pressas na capital de Xinjiang.

Resultado? Declarações como a do correspondente do The Economist Ted Plasker à estatal chinesa de que nunca houve tamanha liberdade para trabalhar, nem mesmo durante os conflitos no Tibete registrados em março do ano passado (houve qualquer tipo de liberdade?), nem no terremoto de 12 de maio de 2008 em Sichuan, este último propagado como um exemplo da abertura da censura chinesa para a mídia estrangeira. Confesso que esta comparação me surpreendeu e encontra eco em outras fontes que estão no local. Tá que é uma festa para a cobertura. Claro, para quem conseguir chegar ao terminal e se manter zen ante a lentidão internética. Detalhes. E tudo contradição em termos. Quer ver um detalhe sutil? A mesma matéria que traz os elogios de Plasker à novidade no tratamento aos coleguinhas jornalistas ante o caos em Urumqi lembra que o entrevistado respondeu em chinês perfeito, resultado de longa experiência acumulada aqui desde 1989. Sutileza e detalhe, 89 é um ano a ser esquecido por aqui.

Mas esta suposta abertura lenta e gradual chinesa tem seus quês de crueldade. Na tarde desta terça-feira, a agência estatal publicou uma galeria de fotos tão de mau gosto que lembram as imagens que eu nunca vi publicadas após o acidente com o grupo Mamonas Assassinas, quando a internet ainda engatinhava e já mostrava que o ser humano tem tendência ao mau gosto e ao horripilante. Fiquei imaginando por que usar imagens fortes - e o quanto esta escolha está distante do jornalismo no qual acredito e que procuro praticar. E ainda usada oficialmente. Talvez para provar o improvável, que os mortos e feridos foram atingidos pelos manifestantes, não por policiais. Isso se daria por dois motivos primordiais. Um porque a maioria foi ferida na cabeça por estocadas ou pedradas, e não balas, e porque se trata de chineses han, os alvos dos supostos terroristas uigures.

Se estou certa, o governo agora quer tratar bem os jornalistas porque sabe que ao garantir acesso o mais facilmente às informações e às fontes, estará também conquistando mais confiança e conseguindo divulgar seus pontos de vista. Mas e por quê este caráter tão compreensivo?

Porque duas coisas, penso eu. Primeiro porque é importante divulgar o próprio ponto de vista. Segundo porque este ponto de vista tem razões para ser propagado, vamos refletir.

Das experiências que tive até agora, aprendi que que há mocinho e bandido nesta história. Nesta história eu digo cobertura sobre a China. Minoria étnica contra o governo chinês é sempre boazinha. População de baixa renda contra o governo chinês é sempre boazinha. ONG ambiental contra o governo chinês é sempre boazinha. O bom velhinho budista aquele exilado na Índia então, nem vou comentar.

Não estou dizendo que todos os que conseguem força e coragem suficientes para lutar por seus direitos dentro de um país que tolhe manifestações e o livre pensar já não tenham só por isso uma grande parcela de mérito. Mas me irrita a preguiça midiática que prefere sempre eleger a China como malvada e se esquece de apurar melhor os fatos. A coisa parte do quase insignifcamente tratamento no masculino para a Rebiya Kadeer (ninguém nem TENTOU BUSCAR UMA FOTO DA PESSOA PRA ILUSTRAR SUAS MATÉRIAS) ao fato de dizer que Xinjiang foi subjugada em 1949, período antes do qual era uma região independente. Até foi, mas foram tão poucos anos durante o combalido poder dos Nacionalistas que vou te contar...

A fórmula fácil de buscar mocinhos e bandidos desta vez não vai funcionar, o enrosco étnico está tão arraigado que vai sobrar maldade para ambos os lados. Ou todos os lados, nem creio que devamos ser maniqueístas neste caso. Assim como não vai funcionar a tentativa de mostrar que a China está preparada para uma cobertura aberta. Já teve equipe jornalística detida em Urumqi, sabe-se lá se não ocorrerão outras. E quanto ao esmagamento internético? Bem, você está me lendo aqui, então sabe que houve um jeito de barrar. Quer dizer, ainda estava me lendo?

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