quinta-feira, 9 de julho de 2009

A Rota da Seda

Mais uma vez, o professor Manuel Lopes nos dá aquela mão lá de Portugal para que possamos entender um pouco mais sobre Xinjiang. Hoje, o foco é a Rota da Seda, a ligação secular Ocidente-Oriente cujo traçado inclui Xinjiang. Vamos lá?

Em termos históricos, a Rota da Seda tem origem na China, numa iniciativa do Imperador Wu Di, da dinastia Han. Decorria o ano de 138 a.C. quando o imperador encarregou o explorador/emissário chinês Zhang Qian de contactar uma tribo/reino que se queria vingar de uma afronta praticada pelos Xiong Nu (Hunos), adversários do povo chinês. Com esta iniciativa, o Imperador visava estabelecer uma aliança no sentido de uma ação conjunta contra os Xiong Nu.

A comitiva de Zhang Qian partiu de Chang´na (actual Xi'An), rumou para oeste da Grande Muralha (marco da luta milenar entre populações nômades e sedentárias) seguindo-se as peripécias duma viagem que durou 13 anos e que permitiu um tal manancial de conhecimentos ao Imperador chinês, responsáveis por uma ação concertada e apoiada de abertura de uma via de intercâmbio político, comercial e cultural entre o Oriente e o Ocidente, pelo interior do continente asiático.

E se abre a Rota da Seda

A partir do Imperador Wu Di, há uma orientação do poder chinês para estender a influência administrativa/logística para Oeste, a fim de garantir em cooperação com outros poderes a segurança das caravanas de mercadores.

O traçado da Rota da Seda estendia-se por enormes percursos que atingiam cerca de 7 mil quilómetros ligando o vale do Rio Amarelo ao Mediterrâneo, atravessando percursos muito difíceis, desérticos ou montanhosos. Este traçado deu vida a muitos oásis e a lugares que ficaram a perpetuar este intercâmbio. O centro nevrálgico desta via inter-civilizacional era exatamente Xi'An, a cidade que ficou mundialmente conhecida devido aos guerreiros de terracota.

Quais as consequências?

Ainda não se sistematizaram as consequências desta abertura da China ao Ocidente, mas temos algumas pistas para reflexão.

• Nível político

– Para a China:
Reforço da influência do poder chinês para a Ásia Central, para além da Grande Muralha, através de boas redes de alianças, nas quais a seda desempenhava o papel de “presente precioso” (já que era desconhecida a sua técnica de fabrico por outros povos) no relacionamento entre o poder chinês e os poderes “bárbaros”.

As formas originais de pacificação da periferia do espaço chinês, para além do casamento com princesas chinesas (ouh lala, esta coisa de estrangeiro casar com chinesa também é milenar - e para deixar claro, a observação entre parênteses é da autora deste blog).

Contatos nas periferias do império romano com o poder chinês.

Aumento do dispositivo de defesa chinês para além da Grande Muralha para proteção das caravanas.

Grandes efeitos práticos da diplomacia chinesa ao garantir a pacificação da periferia do seu espaço contra as invasões nômades por via das vantagens do intercâmbio.

– Para outros poderes:
A China desenvolveu inovações científicas e tecnológicas que de alguma forma justificaram o avanço sobre outras civilizações: pólvora, papel, tecnologia de impressão, uso do papel moeda, bússola, sistemas de irrigação e construção de canais.

• Nível econômico

–Para a China e outros povos

Aumento exponencial das transações num vasto espaço entre as origens e os destinatários finais, trocando os produtos mais variados nos dois sentidos (plantas, produtos, animais...)

“Cidades oásis”, intermediárias no comércio, ganharam uma enorme importância, junto a Xi'An, o centro mais cosmopolita de então.

À sombra deste comércio floresceram sobretudo mercadores chineses, indianos, persas, sírios e gregos.

Só a partir do séc. II é que a seda passa a chegar a Roma via marítima.

• Nível cultural

É na área cultural que se situam as mais importantes consequências da abertura da rota da seda, em especial no que diz respeito à própria China.

1–Religião
Pela Rota da Seda a China conheceu o budismo indiano. Este ímpeto budista iria influenciar e transformar toda a sociedade chinesa, manifestando-se no comportamento das pessoas e nas manifestações artísticas mais importantes. O budismo que influenciou e foi influenciado na sua travessia pelo espaço chinês chegou à península coreana e ao Japão.

2 - Pintura, Escultura, Arquitetura

Milhares de pinturas e esculturas têm como motivos principais o budismo, mas sem desconhecer o meio, seja derivado de poderes imperiais, seja de expressão popular.

Em Dunhuang, cavernas são hoje conhecinhecidas como “Grutas dos Mil Budas” pelas inumeráveis esculturas de pedra que ornamentam as paredes representando o Buda, os luohan (iluminados), os bodhisattvas e outros personagens do panteão budista.

Nas grutas mais antigas (dinastia Wei) as imagens sagradas demonstram ainda a influência indiana nos trajes, nos traços finos e delicados do rosto; outras grutas, pelo contrário, apresentam motivos tipicamente chineses, dragões, cavalos voadores, homens alados. Nas grutas da época Tang os personagens esculpidos e pintados são caracterizados pela expressão realista das caras, para significar a humanidade do budismo, a suavidade ou o vigor marcial (dos luohan, por exemplo).

É da época do vigor da Rota da Seda que nasceram divertos templos budistas por toda a China.

• A perda de importância da Rota da Seda

Diversos fatores levaram ao declínio da rota

– A valorização progressiva das rotas marítimas perante a instabilidade/insegurança do percurso terrestre, em especial a partir do século VIII, a partir de Cantão (Guanzhou).

- A chegada de novos poderes à Ásia Central, de influência islâmica.

- O conhecimento por outros países do segredo do fabrico da seda.

- A orientação de auto-fechamento face ao exterior já evidenciado no final da dinastia Ming e reafirmado na Dinastia Qing como forma de a China se proteger dos bárbaros “ocidentais”.

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