A primeira coisa que vem à cabeça ao pensar num chinês são os olhos rasgados, a pele amarela, o cabelo preto e liso. A fotografia básica pouco destoa entre um e outro cérebro imaginativo, mas eu mesma me surpreendo com os vizinhos de bairro aqui em Beijing. Moro na região de Niu Jie (牛街), ou Rua da Vaca, reduto dos hui, minoria muçulmana assim como os uigures de Xinjiang, região autônoma atingida por violentos protestos desde a noite deste domingo.
A diferença entre os chineses han e os uigures e hui está na cara e é tão marcante que por pelo menos uma vez alguém ousou me perguntar:
- 你是回族马? - ou "Você pertence à etnia hui"?
Ri, respondi que não e fiquei feliz com a pergunta. É que os traços turcos, iranianos e de outros povos da Ásia Central que deram origem aos hui são tantos que os olhos ficaram diferentes, a cor da pele, o jeito do cabelo. Só sendo uma hui, ou uma uigur, eu poderia ser uma chinesa. E morando ainda num bairro muçulmano, a pergunta até não pareceu tão despropositada.
Estou ambientada aos hui, aos hábitos de não comerem porco e à culinária delícia que desenvolveram. Eles professam o islamismo e, segundo revisões nas políticas a respeito das minorias étnicas da China (são 56 no total, incluindo a grande maioria han, que compõe 92% da população do país), se diferenciam dos uigures por terem incorporado mais a cultura han - estou simplificando, mas é por aí.
No bairro onde vivo, os hui estão por toda a parte, e o truque para identificá-los é procurar quais vestem chapéus brancos entre os homens, lenços brancos entre as mulheres (caso eles vistam, porque muitos aboliram o uso). Entre os muçulmanos uigures, a tradição é usar outras cores, como o preto e o verde. Aliás, esta última cor é considerada a favorita entre os muçulmanos chineses e é vista em fachadas de restaurantes, casas e lojas de Niu Jie.
Com tanta diferença gritante entre os han e os muçulmanos - que até fez uma chinesa confundir uma estrangeira com uma conterrânea -, as características físicas passam despercebidas e os traços destacados para se referir aos muçulmanos são sempre dois entre os han. Um é de espanto porque os primeiros não comem nada derivado do porco (carne preferida na China) e, bem menos cortês, o fato de serem um povo que rouba.
Acostumada à não violência chinesa, um dia perguntei se era seguro ir para casa passando por uma ruela mais escura, que liga meu trabalho ao meu apartamento.
- Melhor não, a região é de moradores vindos de Xinjiang.
Perdi as estribeiras, mas vi que era mesmo assim, um preconceito enorme. Para os han, o povo de Xinjiang ensina a roubar desde que as crianças são pequenas. Uma escola de pequenos crimes. E isto é contado na maior naturalidade, como se fosse um fato. Já estou bem acostumada a estes racismos no Brasil, afinal de qual trombadinha a gente desconfia primeiro? Do branco ou do preto?
Aqui, ser de Xinjiang significa ser tratado de jeito diferente, olhado às avessas. O preconceito rola sem qualquer traço de vergonha e se um estrangeiro diz que quer visitar a região, será aconselhado a não ir porque é perigoso. Some a este tempero o fato terem ocorrido levantes nos idos de 1990, quando diversos ônibus foram incendiados, e dois ataques terroristas terem resultado na morte de pelo menos 17 policiais às vésperas da Olimpíada do ano passado e você terá uma ideia de como são vistos os chineses muçulmanos por aqui.
Há uma semana
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