A gente ainda nem sabia – e na verdade, nem sabe – o que estava se passando em Xinjiang, mas já tínhamos um culpado pelos protestos, a uigur Rebiya Kadeer, que desde 2005 mora nos Estados Unidos. Ela e a organização que lidera, o Congresso Mundial Uigur, numa tradução bem livre e que tem sede na Alemanha, estariam por trás dos ataques premeditados, oh, a expressão tão cara aos figurões de Beijing.
Rebiya poderia ser um nome mundialmente famoso, mas não. A causa pela qual ela advoga poderia ter apelo mundial, mas não. Em linhas gerais, se trata da mesma questão tibetana, a de um povo e de uma região que vive às turras com o governo central chinês por mais liberdade, seja esta de expressão cultural e religiosa e, claro, de gerência sobre os atos políticos e econômicos concernentes aos seus territórios.
Apesar de não dar Ibope, é mais do que válido um perfil de Rebiya, que chegou a ser indicada ao Nobel da Paz em 2006, mas não levou. A mãe de 11 filhos e casada duas vezes poderia já ter muito o que pensar apenas com esta tropa, mas antes de somar este número todo à prole, dividia as atenções com os negócios e parece que bem. Na esteira da abertura política e econômica chinesa capitaneada por Deng Xiaoping ela encontrou brechas que permitiram o gerenciamento de um negócio privado e dos 100 yuans iniciais, coisa de R$ 25, de investimento usado em 1977 para um negócio de compra e venda, construiu um império em Xinjiang que a elevou nos anos 1990 ao posto de 17º pessoa mais rica da China. Elevou bem mais, e ela integrou a Conferência Consultiva Política Popular da China e, em 1995, representou o país na Conferência Mundial das Mulheres, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Dor de cabeça pouca é bobagem e com tempo sobrando, ela resolveu usar de sua influência política para falar sobre os problemas que via na terra natal relativos ao povo do qual faz parte. Um tanto ingênuo para alguém com vida tão promissora. Não que ela tenha sido um caso isolado, porque no final dos 90, o partido, com medo de novos episódios nos moldes de 89 resolveu endurecer para empresários de grana que gastavam parte de suas fortunas com questões mais sensíveis. São as cifras oficiais que mostram que das 14,5 milhões de empresas privadas da época, 1 milhão foram fechadas e os bens dos proprietários, confiscados. Aliás, este é o status de Rebiya, que de pobre passou a pobre, com um intervalo de riqueza.
A situação da amiga complicou de vez em 2000, quando foi acusada de revelar segredos de Estado ao Exterior. O marido, outro dissidente, já morava nos Estados Unidos e foi para lá que ela mandava recortes de jornais. Suficiente para formar as provas de acusação (o fato de os jornais estarem nas bancas para que qualquer que lesse mandarim ou uigur é mero detalhe, claro). Daí Rebiya foi condenada a oito anos de prisão, teve a pena reduzida em um por bom comportamento e em 2005, devido a pressões da então secretária de Estado norte-americana Condelezza Rice, foi solta. No mesmo ano, ganhou permissão para deixar a China para fazer tratamento de saúde nos Estados Unidos e lá ficou. Mesmo com base no Exterior, a ex-empresária se dedica à causa uigur e acredita nos excessos do poder em Beijing, denunciando problemas como esmagamento da cultura local, racismo e falta de participação nas decisões políticas e nos louros econômicos de recursos tão importantes como o petróleo.
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As informações sobre o início da carreira promissora de Rebiya como mulher de negócios e sobre a dura do governo chinês nos empresários bonzinhos de então constam do livro The Chinese, do jornalista Jasper Becker, sem tradução em português.
Há 6 dias
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